A nostalgia dos ‘mata-mata’
Abel Ferreira, treinador do Palmeiras (IMAGO / Fotoarena)

'JAM sessions' A nostalgia dos ‘mata-mata’

OPINIÃO04.05.202413:45

Copa do Brasil, que começou esta semana a doer, tem peso proporcional muito maior no Brasil do que a Taça em Portugal

Em julho de 2019, Jorge Jesus, acabado de chegar ao Brasil, viu o seu Flamengo ser eliminado pelo Athletico Paranaense nos quartos-de-final da Copa do Brasil via penáltis. Dada a repercussão colossal do desaire, disse, dias depois, algo como «foi só a taça, pá, ainda temos Brasileirão e Libertadores», duas competições que os rubro-negros, aliás, acabariam por vencer meses depois.

Ao chegar à Luz, vindo do Rio de Janeiro, o treinador português, naquele estilo fanfarrão que o caracteriza, sublinhou que só lhe faltava ser campeão do mundo: «De resto já ganhei tudo...». Na imprensa brasileira, o jornal Extra, atento, fez logo questão de o chamar de desmemoriado: «Então e a Copa do Brasil?».

As duas histórias acima servem para provar que para os portugueses e para os europeus em geral a taça nacional, por mais que as festas finais em Wembley ou no Jamor sejam uma delícia, é sempre secundária. Para os brasileiros, não.

Na prática, a CBF, que organiza Brasileirão e Copa do Brasil, não oferece um tostão a quem ganhar o primeiro - é à TV Globo, como detentora dos direitos, que compete distribuir os ganhos -, mas enche os cofres do vencedor da segunda (cerca de 13 milhões de euros), do outro finalista (5,5 milhões), dos semifinalistas (1,7 milhões) e por aí adiante.

Essa é uma pista, financeira, para entender a discrepância de opiniões entre JJ e os brasileiros sobre a relevância da prova que esta semana se iniciou no Brasil, pelo menos a doer, com a entrada em campo dos clubes envolvidos nas provas sul-americanas.

A outra, mais subjetiva, está na nostalgia que ela provoca. Não tanto uma nostalgia da prova em si - afinal é jovem: nasceu em 1989 - mas dos jogos a eliminar, extirpados do Brasileirão em 2002 para tristeza de tantos saudosistas.

No Brasil, assim como nos EUA, onde nenhum dos seus principais desportos contempla o empate ao fim do duelo, o tudo ou nada deve prevalecer, razão pela qual aqueles saudosistas ainda sentem que falta qualquer coisa numa prova, como o Brasileirão, que termina numa jornada, perdida, sem quartos de final, sem meias-finais, sem final, sem... mata-mata.

São gostos que não se discutem. Entretanto, se o mata-mata exerce assim tanto fascínio é contraditório que na Copa do Brasil as eliminatórias se joguem a duas mãos - se é mata-mata, que se mate ou se morra em 90’ e não em 180’, com um intervalo frustrante de semanas entre as partidas.

Não só se ganharia em emoção, como ainda se estimulariam surpresas, que dão às taças nacionais o seu encanto, e ainda se desafogaria o calendário insano do país. Como o calendário está, ele mata mesmo mas é de cansaço.