A maldição do lateral-esquerdo no Benfica
Alimentar a orfandade de Grimaldo diz mais sobre a ‘psique’ do Benfica do que sobre o valor do espanhol; é um clube sempre dado a excessos, para o bem ou para o mal
O Benfica vai contratar, no mercado de janeiro, um lateral-direito, (Pedro Malheiro, do Boavista, é o candidato mais forte), mas não causaria surpresa se o clube também procurasse uma solução para o lado contrário daquele setor, pois que os dois laterais-esquerdos contratados no último defeso são duas apostas, para já, falhadas: Jurásek nada de impactante tem mostrado cada vez que entra num relvado e Bernat tem passado a maior parte do tempo lesionado. Um foi uma contratação cara (€14 milhões) e o segundo redundou num empréstimo de custo elevado (quatro milhões de euros num ano) sem qualquer retorno desportivo.
Em ambas as situações a estrutura benfiquista parece ter falhado num fator decisivo: a recolha de informação. No caso de Jurásek, o perfil do futebolista não parece enquadrar-se no tipo de futebol de Schmidt, nomeadamente a grande participação dos laterais no início da construção, uma vez que o checo parece ser jogador de passada e só é ofensivamente relevante (o juízo de valor é feito pelo que ele exibiu no Slavia Praga) apenas nos últimos 30 metros; no segundo, o historial clínico já suscitava algumas reservas, mas a realidade tem mostrado que a sua condição é bem pior.
Nos últimos 30 anos contam-se pelos dedos de uma mão os laterais-esquerdos que deram certo na Luz (Fyssas, Léo, Fábio Coentrão, Siqueira e Grimaldo) e este também é o único lugar de para o qual o Campus do Seixal nunca deu um nome sonante (Nuno Tavares foi o que mais se aproximou do objetivo, mas nunca chegou ao topo onde só chegam muito poucos). Para lateral-direito houve João Cancelo ou Nélson Semedo, Rúben Dias ou António Silva como centrais, João Neves ou Renato Sanches como médios, Bernardo Silva ou Gonçalo Guedes como extremos e João Félix e Gonçalo Ramos como avançados. Até para a baliza, considerando que a contratação de Ederson se deu em idade juvenil, os encarnados formaram um guarda-redes de elite.
Pelo que se percebe nesta época, ainda não será da atual fornada (equipa B ou sub-23) que saíra um lateral-esquerdo para o plantel. Rafael Rodrigues chegou a fazer a pré-época com a equipa principal, mas não convenceu Roger Schmidt e nem tem subido aos A, pelo menos no que a convocatórias diz respeito.
No discurso instalado o sentimento de orfandade também parece ser mais vincado a respeito da saída do lateral-esquerdo do que, por exemplo, do avançado. Talvez por Grimaldo estar em melhor plano no Leverkusen do que Gonçalo Ramos no PSG, o adeus do espanhol tem gerado uma sensação de perda maior do que o maior goleador em 2022/2023, o que diz mais sobre a psique benfiquista do que sobre as capacidades do (agora) internacional espanhol.
Não pretendo com isto reduzir a importância, qualidades e relevância de Grimaldo, mas no futebol (como na vida) não há insubstituíveis e Rui Costa teve um ano para preparar a sucessão (sabia-se que ele não iria renovar). Talvez por este motivo o falhanço das soluções encontradas cause maior estrondo e alimente este triste fado à volta do valenciano, uma forma de pensar coletivo que também caracteriza, de certa forma, a cultura do Benfica: sempre dada a excessos, para o bem ou para o mal.