A guerra dos milhões. A ganância mostrou a face
Anuncia-se uma transformação no futebol que conhecemos, que deixa no ar o risco de uma estratégia piramidal tipo Bernard Madoff
1 A notícia foi surpresa só no tempo. Já era de prever. Se há algo que os clubes mais poderosos não toleram é ter de obedecer a maiorias. A pandemia acelerou um processo que continuamente ameaça o futebol que integra as tutelas nacionais e internacionais. Recentemente foi notícia que doze clubes criaram a Superliga Europeia, numa afronta institucional. A cisão confirmou o desafio à Champions. Apesar da oposição da UEFA e da FIFA, incluindo ameaças muito duras, vários clubes fundaram a Superliga Europeia: AC Milan, Arsenal, Atlético Madrid, Chelsea, Barcelona, Inter, Juventus, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Real Madrid e Tottenham. Após a estreia da competição (caso se torne realidade e não ficção que se esfumará) juntar-se-ão, na segunda temporada, mais três clubes e ainda os outros cinco clubes que, anualmente, se conseguirem classificar para essa competição, em função do rendimento na época anterior. Prova com jogos a meio da semana para clubes que continuam a competir nas ligas nacionais. Início em agosto, dois grupos de dez clubes, com jogos em casa e fora. Em cada grupo, os três primeiros apuram-se para os quartos-de-final. Os quartos e quintos classificados de cada série jogam um play-off a duas mãos. A partir dos quartos-de-final jogam-se play-offs a duas mãos, exceto a final, a um só jogo, em campo neutro e no final de maio. À liga masculina, quando for possível juntar-se-á uma Liga feminina.
Como fundamentação, foi identificada a necessidade de sustentabilidade financeira para equilibrar a «pirâmide do futebol europeu».
Há anos com esta fixação, Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, será o primeiro presidente da Superliga Europeia, com o apoio dos vice-presidentes: Andrea Agnelli, líder da Juventus (que foi noticiado como tendo abandonado a presidência da Associação de Clubes Europeus - ECA), e Joel Glazer, vice-presidente do Manchester United. Anuncia-se uma transformação no futebol que conhecemos, que deixa no ar o risco de uma estratégia piramidal do tipo Bernard Madoff.
Segundo notícias da imprensa, cada clube fundador recebe 350 milhões de euros pela inscrição, com mais pagamentos complementares, em função das receitas que se pensa gerarem 4 mil milhões de euros por ano. As federações e as ligas espanhola, inglesa, alemã e francesa opuseram-se de imediato. A UEFA voltou a afirmar que excluirá os clubes que integrem uma eventual Superliga Europeia de futebol e que tomará «todas as medidas necessárias, a nível judicial e desportivo» para inviabilizar essa criação.
O presidente do FC Porto relembrou que a União Europeia (UE) não permite circuitos fechados de provas (como nos EUA) e unicamente as competições aprovadas pela UE e pela UEFA são oficiais. As outras não são reconhecidas, logo ilegítimas. As críticas de âmbito internacional contra essa Superliga envolveram inclusivamente o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e o presidente francês Emmanuel Macron.
Nota: UEFA e a FIFA ameaçam excluir os clubes e jogadores que participem nas respetivas competições, se integrarem a Superliga Europeia.
CUMPLICIDADES
2 Afirmar que a Super Champions é estratégia para impedir a Superliga Europeia é argumento discutível. Essa Liga extraordinária tenta conseguir o impossível, num avanço sem prevenção que pode ter consequências devastadoras para os clubes e o futebol. Para se decidirem a assumir esse desempenho, ou possuem enormes garantias ou então o cisma será catastrófico.
Perante esse contexto a UEFA apresenta uma solução que entende segura e decisiva: a Super Champions.
E assim, como coelho tirado da cartola, a UEFA cria nova competição, para um prazo alargado, com início em 2024, que alguns preferiam antecipar. Exemplo de pressão mediática com um pouco de teoria do caos. A nova Champions envolverá 36 clubes. Manter o desempenho a nível nacional como chave para a qualificação é imprescindível. Há uma grande expectativa para arrancar célere, mas sabe-se que a pressa é inimiga do ótimo. Fica a impressão de tentar reduzir as competições nacionais, para dar mais tempo e importância à Super Champions. Em termos organizacionais os clubes serão divididos por quatro potes e sem fase de grupos. Os jogos serão aleatórios a uma só mão, para se obterem maiores receitas. O número mínimo de jogos, na Super Champions, poderá ser seis entre clubes do mesmo nível e 10 no total, 5 em casa e 5 fora.
Sem fase de grupos, prefere-se o modelo de classificação em vigor nos campeonatos nacionais. Os oito primeiros classificados garantem lugar direto nos oitavos de final e as outras equipas a apurar (do 9.º ao 24.º lugar) jogarão um play-off para se definir os outros oito concorrentes. Do 25.º para baixo são eliminados e não transitam para a Liga Europa.
O esforço publicitário para implantar esta prova, além da promessa de mais receitas e jogos mais mediáticos, beneficiará com mais patrocinadores, maiores receitas televisivas, de bilheteira e de merchandising. A equipa que vencer a eventual nova Champions deverá arrecadar 100 milhões de euros. Depois de fortes críticas, soubemos pela imprensa que a Associação de Ligas Europeias de Futebol (European Leagues), pela voz do respetivo secretário-geral, considera as alterações como interessantes, embora levantando preocupação pelo impacto económico nas ligas nacionais, pela competitividade das equipas e pela gestão dos calendários. Garantir equilíbrios entre as competições europeias e as ligas nacionais tem de ser prioridade!
Começa a antever-se que dos 125 jogos da Champions passaremos a ter 225 jogos na Super Champions (mais 100 jogos!), que obrigará a reduzir o número de clubes em cada país, potenciando desemprego, alteração radical e empobrecedora do futebol nacional, para servir os clubes mais ricos. E não está completamente abandonada a possibilidade de jogos dessa competição invadirem uns fins de semana, desvalorizando os jogos nacionais.
O presidente da Liga espanhola teve a ousadia de afirmar que «na ECA, não há debate. Há uma cozinha, com acesso limitado a 12 ou 13 comensais, que, quando terminam de comer, convidam o resto para tomar café. Aos olhos do mundo do futebol, parece que o banquete foi celebrado por todos. «Mentira», disse Javier Tebas ao jornal El Mundo no final do mês passado (…) «Os campeonatos nacionais são o motor desportivo e económico do futebol. Há milhares de postos de trabalho, centenas de clubes e milhares de jogadores a participar, com os seus salários e as suas famílias. Nessa cozinha, alguma vez pensaram nos efeitos que esse banquete provocaria no futebol europeu? Não, nem querem pensar.»
Quando o mérito desportivo corre o risco de ceder a primazia ao peso dos coeficientes históricos dos clubes, o futebol caminha para um único rumo: negócio e investimento.
Andrea Agnelli (a mudar de equipa nos últimos momentos) fez questão de garantir que existe precipitação na análise. «Não se falou de jogos aos fins de semana (…) Falou-se, apenas, de uma renovação nas competições europeias. Está em marcha um processo de debate para melhorar as provas europeias e a prioridade é manter um sistema em que a participação seja aberta a todos, pensando no crescimento global do futebol europeu.»
O património do futebol está a correr o risco de um leilão onde o principal objetivo é o lucro das elites do futebol europeu. O negócio das apostas, no atual cenário, atingirá o expoente máximo.
O futebol património da Humanidade não pode estar à venda ou à disposição de aventureirismos. Os tempos do Donos Disto Tudo não se podem repetir!
Alex Ferguson, antigo treinador do Manchester United, defendeu o atual formato da Liga dos Campeões e afirmou que os adeptos do futebol gostam dessa competição como está neste momento.
Não há outros com coragem para dizer o mesmo?
REMATE FINAL
Parabéns a Telma Monteiro pela medalha de ouro, nos Campeonatos Europeus de Judo: 15 medalhas em 15 Europeus é recorde assinalável.