A falta que faz o VAR
André Narciso (Marcel Rogowski/IMAGO)
Foto: IMAGO

A falta que faz o VAR

OPINIÃO24.10.202311:29

«O poder da palavra», a opinião de Duarte Gomes

Os jogos da última eliminatória da Taça de Portugal reforçaram a importância que a vídeo arbitragem tem no futebol moderno. Os árbitros voltaram a dirigir jogos à antiga, num registo desafiante para todos: foras de jogo sancionados sem esperar pelo final das jogadas, lances nas áreas sem dedos no auricular, entradas de fronteira (amarelo/vermelho) decididas sem o veredito do VAR.

A habituação cria vícios e isso não acontece apenas no nosso dia a dia. Lá dentro é igual. 

Por aquilo que vi, isso foi evidente numa mão cheia de jogos com erros que terão afetado alguns resultados finais. Erros que o recurso a imagens resolveria em vinte, trinta segundos. Perderam os árbitros, porque não contaram com um apoio imprescindível, e perdeu a verdade desportiva nalgumas dessas partidas.

Podemos e devemos discutir a forma como a ferramenta é usada e o que pode e deve ser feito para a potenciarmos, mas o que me parece que não podemos nem devemos fazer é duvidar da sua enorme utilidade: em mãos competentes, a vídeo tecnologia é a melhor coisa que aconteceu ao futebol nos últimos anos. Não vão por mim. Pensem nos milhares de golos que, em todas as ligas do mundo, foram bem validados/anulados em situações de fora de jogo; pensem no número de entradas grosseiras/violentas expostas como merecedoras de vermelho direto; pensem nos pontapés de penálti assinalados e/ou revertidos com acerto inatacável. Quem gosta de futebol a sério tem que ser defensor acérrimo deste instrumento.

Eu sou e é também por isso que consigo manter olhar crítico em relação ao que tem que ser melhorado. Na minha opinião, o que mais salta à vista é a incoerência daquilo a que chamamos de linha de intervenção: se há situações em que o árbitro só é chamado quando comete erros tão claros que até o adepto mais distante do relvado consegue ver, também há aquelas em que são convidados a rever as imagens quase por tudo e por nada: se o lance está protocolado, o melhor é o vai lá ver e decide. Este desalinhamento, obviamente benigno na intenção, gera incongruências gritantes entre jogos da mesma competição, beliscando em última instância a verdade desportiva. 

A este propósito, importa recordar um dos grandes objetivos da tecnologia: «Máxima eficácia, mínima intervenção». A ferramenta não existe para substituir a autoridade e poder do árbitro em campo, mas para complementar o seu trabalho. É uma ajuda, um paraquedas, um meio para chegar a um fim. Não um fim em si. Se o lance for dúbio, se for suscetível de gerar mais do que uma interpretação, se as imagens não o esclarecerem, se o erro não for óbvio e evidente, não pode haver intervenção! É tão simples quanto isto. 

Podemos concordar ou discordar — é interessante refletirmos sobre a forma como o protocolo deve evoluir — mas neste momento, tal como está previsto, é assim. Tudo o que ultrapasse essa premissa é intervenção em excesso e, por muito que seja justa nuns jogos, será sempre injusta se aplicada de forma diferente noutros. 

De resto, existirão outras arestas a limar, nomeadamente a nível mais terreno, ou seja, em relação ao condutor e não ao Ferrari em si: continuo a achar que, a espaços, falta concentração, empenho e compromisso em sala. Não é bonito de dizer, mas é a minha opinião. A tarefa é realmente importante no jogo e o jogo é importante na vida e carreira de muitas pessoas. Há muito que o futebol profissional é muito mais do que uma mera atividade desportiva. Convém que quem está em campo e em sala nunca se esqueça disso. Privilégios pressupõem responsabilidades e quem não estiver à altura dessa exigência tem que considerar a possibilidade de conduzir automóveis de menor dimensão.

Não é para quem quer. Tem mesmo que ser apenas para quem pode. 

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