A eternidade

Um dos maiores prazeres que se poderá ter na vida será aceitar desafios sem olhar para a componente salarial da questão. O comum dos mortais nem imaginará como será, daí a sedução por este patamar perto do céu. Jesus e Mourinho estão em estádios das duas vidas em que o podem fazer, muito mais Mou do que o homem da Venda Nova.

Jesus, quando estava perto de chegar aos 65 anos, aceitou mudar de continente, de vida, deixar os amigos e a família para trás para tentar reabilitar um gigante que há muito dormia o sono dos justos. Está à beira, perdoe-se a hipérbole, de ganhar estátua bem perto do Corcovado, caso vença a Taça dos Libertadores, a que juntará o Brasileirão cuja confirmação da conquista não passará de um mero pró-forma, tal a distância para os seguidores. Em Portugal, Jesus sempre foi visto meio de lado, seja pelo pouco jeito para o português ou por uma certa arrogância na hora da vitória. Mas se já tinha demonstrado coragem em 2015 quando atravessou a Segunda Circular a alta velocidade sempre a escapar a atropelamentos, agora voltou a demonstrá-la quando aceitou o desafio de ir o futebol brasileiro, talvez a maior máquina trituradora de treinadores do mundo. E em vez de ser liquefeito, demonstrou que quem tem conhecimentos de pedra, por norma, parte as lâminas das varinhas mágicas, aquele eletrodoméstico que transforma sopas em cremes. Há outras varinhas mágicas, aquelas usadas pelos houdinis, mas dessas Jesus não tem - os resultados advêm do trabalho e da competência e não duma qualquer dádiva etérea. Do outro lado do Atlântico, os adeptos do Tottenham também encararão como uma bênção divina a conquista duma Premier League por José Mourinho. E o desafio de Mou é ainda maior do que o de Jesus, pois a base social de apoio é menor; há competidores com argumentos financeiros superiores e os adeptos são menos exigentes, o que pode causar algum laxismo na equipa. Mas a eternidade nunca saiu da facilidade. Assim foi para Ferguson, Matt Busby ou outros, assim é e será para Jesus ou Mourinho.