A dificuldade em controlar emoções
Rúben Amorim no Sporting-Boavista (Imago)

A dificuldade em controlar emoções

OPINIÃO02.04.202411:40

Só quem nunca viveu de perto o fenómeno é que não percebe a imensidão de emoções dos treinadores de topo durante um jogo; 'O poder da palavra', por Duarte Gomes

Ouvi com atenção as palavras de Rúben Amorim na antevisão ao dérbi de esta noite na Luz. Como sempre, o treinador do Sporting sabe o que diz e como diz. Tem discurso fácil e credível. Não é à toa que o seu posicionamento público é elogiado por quase todos aqueles que acompanham o fenómeno de perto.

A dado momento e a propósito das reações mais acaloradas de alguns técnicos (em relação às arbitragens), Rúben disse: «Fazemos todos o mesmo. Todos se queixam, todos têm certos comportamentos, faz parte do jogo, podíamos ser melhores, mas envolve tanta coisa, é tão importante que às vezes perdemos um bocado a noção».

Tem razão. Só quem nunca viveu de perto o fenómeno é que não percebe a imensidão de emoções que os treinadores de topo experienciam durante um jogo de futebol. Eles têm, de facto, uma função muito, muito desgastante, sobretudo a esse nível, onde o seu futuro está tantas vezes ligado ao sucesso do jogo que se segue.

Mas o que o técnico lisboeta não disse (nem tinha que dizer) é que do outro lado da barricada a pressão é igual ou maior. E a esses, aos árbitros, não é permitido perder um bocado a noção. Quem arbitra está sempre a ouvir o que não quer. Está sempre a ser assobiado, insultado e atingido com tudo e mais alguma coisa, mas nunca pode desabafar, soltar um impropério ou dar resposta à letra a quem os trata com desrespeito.

Ou seja, os mais amadores, aqueles a quem cabe a função mais exigente e solitária do jogo, estão condenados ao eterno come e cala. Todos os outros não. A esses o desabafo proibido é, digamos, compreensível. No futebol, há uns que são mais humanos do que outros e essa é que é a verdade, por muito que achem que a tirada é corporativista (não é).

Querem um exemplo? Aqui há uns anos, um árbitro (por sinal, um dos melhores que já vi arbitrar em Portugal) teve um momento de descuido, em que disse o que não devia a um jogador de futebol. Resultado? Foi crucificado em praça pública, alvo de ameaças durante semanas e castigado com três jogos de suspensão. Na verdade, o crime que cometeu uma única vez numa carreira de décadas foi exatamente igual àquele que jogadores, treinadores, delegados e diretores cometem vezes sem conta num único jogo.

Sejamos sinceros: quantas vezes é que qualquer um deles é ou foi sancionado com três jogos de castigo (?) por proferir palavras inapropriadas? E sim, eu sei a diferença: a um árbitro exige-se o dever especial de recato e contenção. A função tem responsabilidades acrescidas que pressupõem outros cuidados, mas em última instância estamos a falar de pessoas que coabitam no mesmo espaço físico e que estão sujeitas a pressões inenarráveis.

Há ainda outro pormenor sobre o qual convém refletir e que tem a ver com regra e exceção. Todos nós já nos excedemos em situações difíceis, dizendo ou fazendo coisas que não nos definem. Coisas das quais nos arrependemos logo de seguida. Eu já. Mas o desvario só passa a ser problema quando a escorregadela pontual passa a prática habitual. Quando a raridade torna-se frequente.

O futebol de primeira água, que é seguido por milhões, o tal que é referência para tantos jovens aspirantes ao sucesso, acarreta grandes responsabilidades. O saber estar é uma das mais importantes.

Ao nível mais alto, o que se espera e exige é educação, elevação e respeito. O que se espera e exige é que aqueles que têm perfil mais intempestivo aprendam com os erros e passem a adotar condutas diferenciadas.

Quando um mau resultado ou uma (alegada) má arbitragem continuam a abrir portas à má-educação, insulto e calúnia constantes, percebe-se que há ainda um longo caminho a percorrer para ensinar quem teima em não mudar. É isso ou então afastar quem reiteradamente dá provas de não ter equilíbrio emocional.

O dano que causam à imagem da indústria é bem mais irreparável do que qualquer penálti mal assinalado.