À altura do momento
Parece-me que há gente de ambos os lados disposta a conversar. Estamos perante uma grande oportunidade para novo caminho
APESAR de não ter sido um dos 334 requerentes, fiz questão de estar na Assembleia Geral Extraordinária realizada no passado dia 17. Talvez deva começar por aí. Não fui um dos requerentes porque entendi, à data da recolha de assinaturas, que os pressupostos da AGE não seriam os mais adequados: apesar de defender o voto físico a par do voto eletrónico (até para poder aferir da sua fiabilidade), entendi que seria um exercício pouco profícuo para o clube naquele momento e parecia-me - ainda parece - que a comissão independente que pretende auditar o sistema de voto eletrónico poderia ser constituída por sócios externos ao movimento Servir o Benfica. Não tendo quaisquer razões para questionar a honra dos 3 sócios que integram a comissão, teria visto com bons olhos uma comissão que fosse mais plural e que as competências técnicas dessa comissão pudessem ser aferidas com maior rigor do que aquele dado a conhecer.
Mas eis-nos em Setembro de 2021, perante um ato eleitoral muito mais próximo do que se previa e perante uma indisponibilidade repetidamente demonstrada - nas posições anunciadas ou por omissão - pela Mesa da Assembleia Geral, no sentido de planear devidamente o próximo ato eleitoral, e de o fazer em tempo útil. Importa por isso reconhecer o mérito da proposta do movimento Servir o Benfica, que, se mais não fosse, soube pelo menos consubstanciar-se e mostrar, como em outros momentos na história do clube, que o Benfica ganha em ter os seus sócios como guardiões. O movimento SoB fê-lo mais cedo que tarde, e fez bem.
A AGE demonstrou a vitalidade do clube por via dos seus associados, de uma forma que há muito não acontecia. Para muitos, desde os que há muito exigiam a AGE aos que entretanto se juntaram, a noite terá assumido uma dimensão catártica, e não apenas pela substância do que se pretendia discutir. Arrisco dizer que, para a esmagadora maioria dos presentes, os últimos anos da vida do clube os deixaram cheios «de comícios por dentro e impossibilidades por fora», para usar uma frase do escritor José Gomes Ferreira. Recordo o discurso apaixonado do jovem sócio Duarte Chastre ou as palavras do sócio Gustavo Silva, que começou a sua intervenção explicando que não se pronunciava numa AG do clube desde 2003. Em boa hora decidiu retomar o palanque. Houve por isso sinais animadores numa noite que representou um importante vislumbre de outra possibilidade: a de um Benfica um pouco mais capaz de se abrir ao debate e à reflexão, com a massa crítica para o tornar melhor.
Concordo plenamente com um outro sócio que descreveu as Assembleias Gerais do clube como o seu parlamento, e os sócios como os seus deputados eleitos. Comecemos por quem liderou a noite. Parece-me evidente que o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, enquanto responsável por conduzir os trabalhos, assumiu um protagonismo que só se pode lamentar. Revelou impreparação para o cargo ou, sendo mais compreensivo, para a noite que ali se viveu. A sua postura acabou por desrespeitar os estatutos e, por isso, não dignifica os associados presentes e o seu intento original. Não soube aproveitar a intervenção oportuníssima de Paulo Olavo e Cunha e, quando lhe foi dado meio golo a marcar pelo único camisola 10 que subiu ao palanque, resistiu de forma incompreensível. Foi a vontade do PMAG que imperou? Ou foi a vontade dos restantes membros dos órgãos sociais? Não retiro qualquer satisfação das críticas ao PMAG nem tão pouco pretendo fazer acusações gratuitas, mas esta era uma noite que merecia outro protagonista. Ainda assim, o compromisso entretanto assumido pelo PMAG - votar o regulamento eleitoral na AG de dia 24 - deve ser louvado.
Se é verdade que a noite pedia outra postura do PMAG, também não me parece que se ganhe alguma coisa em descrever uns como pouco competentes no exercício de «poder supremo» conferido pelos estatutos e outros como donos supremos da razão. A democracia não é um caminho de sentido único. Os leitores saberão que a minha inclinação em matéria de Benfica tem convergido com a de pessoas, ideias e comportamentos vistos como opostos aos da atual direção, o que tornará a minha opinião seguinte bastante impopular. Mas é a que tenho para dar.
Foi lamentável que, ao longo de toda a noite, muitos sócios tenham impedido que qualquer opinião contrária à vontade dos proponentes da AGE fosse devidamente ouvida e explanada. Não se pode gritar a plenos pulmões que se quer viver em plena democracia no Benfica, ou que se pretende abandonar tiques ditatoriais, e não saber conviver com o contraditório. É verdade que o Benfica merece mais de quem determina o seu curso institucional, mas também se espera mais de todos os que são chamados a participar na construção da casa da democracia. Em suma, não sinto que os sócios e adeptos saiam desta AGE verdadeiramente mais unidos. E uma oposição demasiado ruidosa arrisca-se a ser vista mais como uma força de bloqueio do que de avanço. Apetece até perguntar: que imagem ter-se-ia cristalizado da AGE se esta tivesse sido transmitida integralmente na BTV? A de um importante momento na vida do clube inviabilizado pelo PMAG? Ou a de uma maioria circunstancial que se comportou, a espaços, como se fosse moralmente superior? Arrisco dizer que, se assim fosse, a noite teria sido bastante mais favorável a Rui Costa do que a qualquer outro interveniente.
À medida que a noite se aproximava do final, lembrei-me de uma conversa que tive com opositores da atual direção (que votaram no mesmo candidato que eu), meses depois da eleição de 2020, em que estes se referiam aos 62% que teriam votado em Luís Filipe Vieira como se fossem intelectualmente inferiores simplesmente por escolherem outro candidato. Ainda hoje tropeço nessa referência vagamente insultuosa. Lamento ter voltado a ver um pouco dessa mesma ausência de empatia na noite de 6ª feira, até porque, convenhamos, nenhuma estratégia de comunicação com vista à disputa de uma eleição no Benfica será bem sucedida se teimar em diminuir a maioria dos eleitores. Da mesma forma que Rui Costa não pode ignorar a necessidade premente de promover um ciclo de profunda renovação e transformação na vida do clube, também as restantes sensibilidades podem e devem aproximar-se, tentando construir pontes com os ditos 62%.
Eu sei que parece difícil, sei que o ambiente continua inflamado, e sei também que as redes sociais vão sendo condicionadas por mensagens concertadas e muita desinformação, mas também estão inundadas de pessoas reais que, pasme-se, pensam de forma diferente. Que não reconhecem no nosso candidato a opção certa. Que talvez não se revejam no dito candidato e tenham até razões legítimas para isso. Que não encontram na nossa sensibilidade uma solução para os problemas do clube. Talvez não vejam sequer os mesmos problemas que nós. E talvez no meio de tudo isto esteja a verdadeira solução para nos voltarmos a concentrar mais no que acontece dentro de campo. Cometeram-se muitos erros. Parece-me que há gente de ambos os lados disposta a conversar. Estamos perante uma grande oportunidade para começar a percorrer um novo caminho, feito de pessoas novas que queiram compreender e aproximar 100% dos sócios. Que os protagonistas saibam aproveitá-la.
Sócios do Benfica são outra vez chamados a eleições no dia 9 de outubro, menos de um ano depois da eleição de Luís Filipe Vieira