12 de agosto de 1984, o ouro olímpico de Carlos Lopes
Que une Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, Nélson Évora, Pedro Pichardo, Iuri Leitão e Rui Oliveira? O ouro olímpico. O primeiro aconteceu a 12 de agosto de 1984, há exatos 40 anos!
Há exatos 40 anos, grande parte dos portugueses estava em frente a um televisor, por volta das três da manhã, a beber cafés atrás de cafés e a esfregar os olhos para esconder as ramelas, tentando aguentar-se acordado para ver a parte final da maratona dos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Cerca dos 35 quilómetros, com quase uma hora e cinquenta e cinco minutos de prova, Charles Spedding, que comandava a prova, olha para o lado e fica estarrecido. Um português de 37 anos corre um metro atrás de dele e, com um calor infernal, corre sem qualquer esforço. O inglês pensa: «Como é possível que ele esteja a correr de boca fechada após 35 quilómetros?!»
Faltavam pouco mais de sete quilómetros para que os líderes da maratona entrassem no Los Angeles Memorial Coliseum e, daí para a frente, seria um festival. O tal português de 37 anos, magro como um fio de prumo, depressa ganha vantagem sobre Charles Spedding e John Treacy: cinco metros, 25 metros, 50 metros, 100 metros. Quando percorre o túnel que antecede a entrada no estádio olímpico, há 200 metros de diferença entre o português, o inglês e o irlandês. Na pista de tartan, onde percorrerá os últimos 550 metros, perante mais de 90 mil pessoas, o português ouve a maior salva de palmas da carreira. Já sem a boca fechada, antes semi-aberta com o sorriso largo de quem sabe que, em breve, dentro de dois minutos e pouco, se sagrará como o primeiro campeão olímpico da história do desporto de Portugal. Sim, parece que foi ontem que os tais portugueses sorvedores de café viram, pela primeira vez, o ouro olímpico no peito de um português, mas foi há exatos 40 anos: 12 de agosto de 1984.
Portugal estava órfão de génio assim. Joaquim Agostinho, o enormíssimo ciclista que, durante década e meia, encantara o país, morrera três meses e dois dias antes. António Livramento, o soberbo hoquista, ia nos 41 anos e descalçara os patins há já alguns anos. Eusébio da Silva Ferreira, o espantoso futebolista que liderara o Benfica e a Seleção Nacional entre 1962 e 1975, tinha 42 anos e o último jogo fora em 1980, ao serviço dos Buffalo Stallions, num torneio indoor. Mesmo com a boa participação do futebol no Euro-1984, com um honroso 3.º lugar, Portugal continuava a ser, dez anos após o 25 de abril de 1974, um país muito cinzento e cinzentão. Até que o herói de Los Angeles, que já fora herói em Chepstow, Montreal e Nova Iorque, se consolidou como o maior herói dos maiores heróis de Portugal.
O nome desse herói, o tal português de 37 anos, magro que nem um fio de prumo, é fácil de pronunciar: Carlos Alberto de Sousa Lopes. Quatro nomes para a história eterna de Portugal. O primeiro campeão olímpico português, tal como Rosa Maria Correia dos Santos Mota foi a primeira portuguesa campeã olímpica (maratona-1988), Maria Fernanda Moreira Ribeiro foi a primeira campeã olímpica numa prova de pista (10 000 m-1996), Nelson Évora foi o primeiro campeão olímpico numa disciplina técnica (triplo salto-2008), Pedro Pablo Pichardo Peralta foi o primeiro campeão olímpico sem ascendência portuguesa de qualquer tipo (triplo salto-2020) e agora Iuri Leitão/Rui Oliveira, primeiros campeões olímpicos fora do atletismo (e Iuri o primeiro com duas medalhas numa mesma edição!). Entre Carlos Alberto de Sousa Lopes (12/08/1984) e Iúri Gabriel Dantas Leitão/Rui Filipe Alves Oliveira (10/08/2024) há um hiato de 39 anos e 363 dias. O sorriso rasgadísssimo de Rui Oliveira é inesquecível, tal como é inesquecível o dia 12 de agosto de 1984: quarenta anos exatos.