Numa cerimónia especial e de grande fervor clubista, realizada no sábado passado, no Pavilhão da Luz, a direção do Sport Lisboa e Benfica distinguiu cerca de mil e oitocentos associados, premiando a sua fidelidade com emblemas de ouro (50 anos), de prata (25 anos) e, muito especialmente, homenageando os 43 sócios que completaram 75 anos de filiação. A estes foi-lhes oferecido um anel de platina. E sabem quem estava incluído neste pequeno grupo? Exatamente o meu amigo Manuel Vilarinho. Se calhar o maior benfiquista que conheço. Não só pela paixão de «ter na alma a chama imensa» como, sobretudo, pelo muito que tem dado ao clube, ao longo da vida, numa dedicação sem limites. Muitos consideram-no «o homem que salvou o Benfica», quando, no ano 2000, sucedeu a João Vale e Azevedo, assumiu a presidência e resgatou o clube de uma crise instalada. Rodeou-se de alguns amigos carismáticos, benfiquistas com poder, para promoverem a união das hostes e, todos juntos, recuperarem a credibilidade e a reconstrução do clube. Assim aconteceu. Durante o seu mandato, de outubro de 2000 a outubro de 2003. Inclusive, de forma arrojada, assumiram a construção do novo Estádio da Luz. Para o Euro-2004. Cujo discurso da inauguração foi, orgulhosamente, por ele proferido. Como se sabe, Manuel Vilarinho, por decisão própria, fez apenas esse mandato de três anos, dando abertura para Luís Filipe Vieira (que ele chamara para dirigir o futebol) lhe suceder na direção. Todavia, continuou ligado, então como presidente da Assembleia Geral. Ben-fi-ca! Ben-fi-ca! Ben-fi-ca! Naquele mês de outubro de 2000, a campanha para a presidência do Benfica foi tremenda. A nação benfiquista estava dividida e muitos diziam que, apesar de tudo, Vale e Azevedo estava de pedra e cal. Tanto mais com este a fazer um périplo pelas Casas do Benfica de todo o país, em campanha eleitoral, oferecendo-lhes apoios… Parecia inevitável. Os jornais, as rádios e as televisões davam-no como grande favorito à reeleição. A BOLA aguardou pela manifestação do último dia da campanha. Centenas de pessoas, grandes figuras do universo benfiquista, todos reunidos num jantar convívio de apoio a Manuel Vilarinho. Eu estava lá a fazer a reportagem para o nosso jornal. Ainda me lembro do nome do rapaz (Horácio Nunes) do catering que me conheceu e veio cá fora trazer-me uma pratada. Que noite aquela. Apercebi-me logo da tremenda força desta candidatura. Entre outros, a presença inesperada de José Águas, o grande capitão dos bicampeões europeus. Que, embora muito doente, fez questão de estar presente (viria a falecer um mês depois). Porém, mais inesperada e decisiva foi a entrada do King Eusébio naquele pavilhão a abarrotar de gente. Ninguém esperava. Foi a loucura: «Ben-fi-ca! Ben-fi-ca! Ben-fi-ca!» Que grande ambiente de benfiquismo. Parecia que estávamos no Estádio da Luz. E todos concordavam que, em véspera das eleições, a presença de Eusébio neste grande jantar de apoio a Vilarinho seria decisiva para a votação. Manuel Vilarinho venceu com 62% dos votos. Contaram-nos que no dia anterior, por influência do Comendador António Frias, do João Malheiro, de Paulo Valente e de Ribeiro e Castro, King Eusébio tinha faltado ao jantar de apoio a Vale e Azevedo, para o qual estava convidado. Por acaso, devido à nossa afinidade, também fui marcado para fazer uma grande entrevista ao Manuel Vilarinho, como novo presidente do Benfica. Fomos a sua casa, em Azeitão. Uma mansão com piscina, um campo de futebol e um museu com troféus de caça grossa. Como dizia o seu amigo Horácio Galã: «É uma joia de pessoa. Amigo do seu amigo. Para além do Benfica, a caça é outra grande paixão do Dr. Manuel Vilarinho.» Na Académica e no Cosmos O Manuel Vilarinho é meu amigo de infância, rapaz da minha rua. Ele residia no n.º 35 e eu no n.º 61 da Estrada da Torre, no Lumiar; ele do Benfica eu do Sporting. Andava no Colégio Manuel Bernardes, no Paço do Lumiar. Era menino rico, filho do empresário Mário Vilarinho, dos cafés Chave de Ouro. Mas era popular, juntava-se à malta. Em 1962/63, com o Nuno Serra Cruz, o Hernâni Melícias e o Zé Maciel, criámos a Académica do Lumiar, clube de estudantes, com sede no Café da Torre, para rivalizar com o Real, clube de operários, com sede no Vitória Bar, na rua do Lumiar. Arranjámos mais de cem sócios e jogávamos nos torneios populares. Eu era uma espécie de dirigente/treinador/jogador da Académica. Um clube que desapareceu quando fomos todos para o serviço militar obrigatório. Certo dia, Manuel Vilarinho, teria uns 14/15 anos, afrontou-me: «Óh Vítor! Tenho as quotas em dia e quero jogar.» No jogo seguinte o miúdo foi convocado e realmente tinha algum jeito. Ali no meio-campo, durinho, atrevido… Tinha andamento porque já jogava na equipa do Colégio. Mais tarde, soubemos que também jogou nas equipas da Faculdade de Direito e no Cosmos, nos torneios do CIF. Nesta última, a sua coroa de glória foi ter jogado ao lado do Eusébio e do Simões num torneio do Algarve. ‘Papoilas saltitantes’ da Luz A minha memória dos benfiquistas Vilarinhos era ao domingo, depois de almoço, o jardineiro Manel tirava o automóvel da garagem (um Volvo dos caros) e, já na rua, com um pano, esfregava-o até brilhar. Até que aparecia o pai Vilarinho com os filhos Alberto e Manel, entravam na viatura e lá iam eles, pela azinhaga do Paço do Lumiar, o caminho mais curto para irem ver as papoilas saltitantes do Benfica, no Estádio da Luz. Lá se encontravam, nos lugares cativos, com os vizinhos Julião (cambista na baixa) e o filho, Zé Manel Antunes (também companheiro das futeboladas, atual sócio n.º 673 do Glorioso, quase a receber o anel de platina). Outra conhecida afinidade da família Vilarinho era com a família do benfiquista Armando Machado, dono da famosa Adega Machado, no Bairro Alto. A casa de fados que amiúde frequentavam. Duas famílias que passavam férias nas termas do Vimeiro. Ou na praia de Santa Cruz, onde o clã Vilarinho tinha casa de férias. «A educação em casa» Este meu escrito de memórias vem na sequência da homenagem que o Benfica prestou a Manuel Vilarinho, conferindo-lhe o anel de platina pelos 75 anos de associado. Ouvi as suas palavras e fiquei sensibilizado com tanta emoção e tanta felicidade. «Desde o ano passado que penso. Não posso morrer enquanto não receber o anel», disse, aliviado, o «homem que salvou o Benfica». E continuou: «Adoro isto. Viva o Benfica! A educação em casa era trabalho e Benfica. Estou felicíssimo. Isto está na massa do sangue. Nasci assim. É grande alegria», referiu, emocionado, na cerimónia de entrega, o sócio n.º 618 do Glorioso. Enquanto as bancadas do pavilhão repletas, todos de pé, num longo aplauso, de reconhecimento, ao popular Manuel Vilarinho. Bem merecido!