«Será brutal se Fernando Pimenta conquistar o ouro»
Hélio Lucas e Fernando Pimenta, dupla de sucesso há mais de 20 anos que continua a sonhar Fotografia Aleksandar Djorovic/Imago

ENTREVISTA A BOLA «Será brutal se Fernando Pimenta conquistar o ouro»

MODALIDADES13.07.202409:37

PARTE 3 - Hélio Lucas, Treinador de uma vida de Fernando Pimenta esvazia a pressão da conquista do ouro olímpico em Paris-2024. Afirma que o canoísta vai para a luta pelas medalhas e pede-lhe sobretudo para desfrutar

Em que forma está o Fernando Pimenta? Como é que pensa que irá chegar aos Jogos de Paris-2024?

— Penso que está numa boa fase. Vai disputar os Jogos Olímpicos na qualidade de campeão do Mundo. Nos últimos anos foi sempre campeão ou vice, portanto, vai estar na luta pelas medalhas. Se não tiver aquela pontinha de sorte para ganhar, que consiga ser 2.º ou 3.º. Serão uns Jogos com outro ambiente, vai ter a família, amigos a apoiar. Estão reunidas as condições para que sejam uns bons Jogos.

— Para ganhar uma medalha?

— Para a luta. Há cinco candidatos e as medalhas dependem sempre daquele dia. O Fernando habituou-nos a não falhar nos pódios. Se conquistar o ouro, prata ou bronze, ficará com três e fica na história do desporto português como o atleta mais medalhado de sempre em Jogos Olímpicos. Não há ninguém com mais do que dois pódios. Será brutal se conquistar o ouro, mas não lhe ponho essa pressão, porque já nos deu tanto. Quero que desfrute da preparação e da prova, e que dê o seu melhor. É o mais importante.

— O Fernando tem o vício de conquistar medalhas?

— Não digo que é um vício. Como é que eu lhe vou explicar... Sou demasiado exigente. Às vezes ganha e eu quero ver se ganha mais um bocadinho, se conseguimos melhorar ou bater mais um recorde. Todos os anos procuramos bater recordes. E, desde 2014, fomos batendo recordes na canoagem portuguesa. Mesmo campeão do Mundo, às vezes, corrijo. O desporto é isto. Ter de ser sempre melhor que o último campeão do Mundo, que, às vezes, é ele. O Fernando foi campeão do Mundo em 2017. Em 2018, recordo-me, um mês antes, de dizer-lhe não chega ser campeão do Mundo: 'Tu podes fazer uma coisa brilhante, ganhar dois títulos mundiais'. Aconteceu. Ganhou dois títulos mundiais.

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— Leva-o aos limites físicos e psicológicos?

— Às vezes, ao psicológico. Já é muito tempo. Chegámos a uma altura em que se tornou naquela rotina. Por vezes, digo ao Fernando que para depois dos Jogos tentar ter um ano para desfrutar sem as mesmas rotinas do treino e objetivos. É saturante.

— É esvaziar a pressão pré e pós competição?

— De certa forma. As pessoas põem a pressão nas medalhas, vai ganhar ouro, não vai ganhar ouro. Tento tirar essa pressão, porque já não posso, nem outra pessoa lhe pode exigir nada. Tem 150 medalhas. O que é que eu lhe vou dizer? Em Paris-2024 vai lutar para ser primeiro, segundo ou terceiro. Só se correr muito mal é que pode ficar em quarto ou quinto. Mas pode acontecer, atenção.

— E pode ganhar o ouro?

— Se tiver uma pontinha de sorte, pode ganhar. No ano passado, venceu os dois húngaros [Bálint Kopask e Ádám Varga], sendo que um deles era indiscutível que ia ser campeão do Mundo. Quantos acreditavam que venceria o Mundial? Poucos. Diziam-me, professor, [o húngaro] é de outro planeta, os seus colegas diziam-me: 'Vimos as meias-finais do outro, é de outro planeta'. O Fernando chegou ao dia da final e... pimba! Campeão do Mundo! Toda a gente falou da melhor prova de sempre. Não foi, a prova foi boa, dura, já fez melhores, mas sagrou-se campeão do Mundo.

Fotografia Aleksandar Djorovic/Imago

— Nesta última fase dos treinos que é que se exige mais. Físico ou cabeça?

— Acho que é um bocadinho de tudo. Nos Jogos Olímpicos são batidos recordes, quase sempre, todos os atletas vão estar num ponto um bocadinho acima. É lógico que, a nível mental, tem de estar confiante, e a nível físico tem de estar no seu auge.

— Mudou algo na preparação e no treino?

— Estivemos a treinar com a equipa, com um atleta espanhol e um argentino, seus adversários. Teve e terá companhia de treino e vai treinar sozinho. Há coisas que mudam, muda porque com a idade há coisas que temos de trabalhar mais, outras menos. A recuperação é diferente, pede mais tempo. Já não tem 18 anos, nem 25. Preparámos uma estratégia para que se sinta confiante: bicicleta, corrida ao fim de semana, trabalho de força, mobilidade, trabalho específico na água, velocidade, a tolerância láctica, faz variadíssimas coisas. Para nós, já não é segredo nenhum, tenho os registos dos últimos anos todos e quase não é preciso escrever numa folha a preparação, tenho tudo na cabeça e sabemos o que queremos.

— Tem usado muito a palavra desfrutar. É a palavra-chave?

— Claro. Costumo dizer que desfruto um bocadinho da forma como o vejo a treinar. O empenho. E sei que ele também desfruta, porque, às vezes, se não desfrutámos, é um sacrifício. Acho que desfrutamos pouco, estamos muito centrados no treino, treino, treino. As medalhas, se trabalharmos bem, se estiver tudo direitinho, é ir lá buscá-las. É mesmo isto. Depende do dia e da cor.

— Se o atleta não for a uma final, o treinador explode... por dentro?

— Não, não explode. Nunca discuti com ninguém por não ir a uma final. Agora, por dentro, sim. Vamos lá ver. Cada vez que somos terceiros, no ano seguinte temos de trabalhar para ser primeiros. Temos de ser segundo ou primeiro. É lógico ... Mas agora com o passar do tempo também vamos moldando as coisas.

— Sem diminuir a exigência, ficou mais bonzinho, digamos assim?

— Claro. Agora o Fernando já está com dois filhos. E, por exemplo, já me custa muito vê-lo todos os dias a fazer as chamadas de vídeo para os filhotes.

Digo-lhe para tentar desfrutar ao máximo deste bocadinho que falta. Tem uma longevidade em termos de resultados. E não falo só de medalhas.

— Como treinador, diria ao Fernando Pimenta que o trajeto olímpico termina em Paris?

— Não diria que são os últimos. Digo-lhe para tentar desfrutar ao máximo deste bocadinho que falta. Tem uma longevidade em termos de resultados. E não falo só de medalhas. Acho que não há nenhum desportista igual, em Portugal e a nível mundial.

— Mas há uma data para terminar?

— Não vale a pena pôr-lhe essa pressão. Também não é dizer: olha, vais acabar a carreira. Não, não é. A carreira dele vai terminar quando achar que é o momento, quando achar que já é difícil estar onde gosta de estar e que se habituou.

Os limianos que gostam de um bom bife

— Tem uma relação de vida com o Fernando Pimenta?

— Como treinador são 20 e tal anos de carreira com ele. Poucos atletas atingem esta longevidade. Venho com o Fernando desde os 13 anos. Vou ser sincero. Ao longo destes anos, a pessoa a quem mais me dei foi ao Fernando. Não trabalhei só com o Fernando, trabalhei com campeões do Mundo, da Europa, com a equipa masculina, as raparigas, trabalhei no clube durante muitos anos. Habituei-me a estar um bocadinho na parte de trás, menos no palco de frente. O Fernando Pimenta está mais habituado a isso, vibra muito e desfruta com as medalhas, gosta desses momentos.

— Quantas vezes se zangaram ao longo destes 20 e tal anos juntos?

— Ui, muitas, muitas. Sou muito exigente. Ele sabe que eu tenho um feitio terrível.

Às vezes, quando vejo que as pessoas não têm aquela ambição, se não são tão exigentes e se para eles não há problema de não irem à final, digo, olha, é melhor procurar outra ajuda.

— Quem é que tem o pior feitio?

— Eu. Ele também tem o feitio dele. Um colega meu disse-me: 'Vocês têm resultados porque tu és obcecado pelo milésimo'. Tem de ser. E isso também é cansativo.

— Nunca facilitou?

—É lógico que não. Às vezes, quando vejo que as pessoas não têm aquela ambição, se não são tão exigentes e se para eles não há problema de não irem à final, digo, olha, é melhor procurar outra ajuda.

Fotografia Aleksandar Djorovic/Imago

— A que horas acorda o Fernando Pimenta?

— Depende. Às sete e pouco. Dorme oito, nove horas, às vezes sete, embora gostasse que dormisse nove. É uma pessoa que tem horas certas para tudo, tudo. Controla e organiza, é bem orientado e é disciplinado.

— Onde é que ele se perde?

— Somos os dois limianos. De Ponte de Lima. E é uma terra em que se come bastante bem. E é lógico. Ele sempre disse que gostava de comer bem, gosta de boa comida, de um bom bife e de um bom doce. É normal. Agora, nesta altura, está a cortar os açúcares, tem de ser. Chega o momento da competição e é uma máquina de controle.