Sofia Araújo saiu do país há quatro anos para perseguir um sonho. Hoje é a número 9 do mundo, mas quer chegar a número 1
Os números mostram que o padel é o desporto que mais cresce em Portugal nos últimos anos, com mais de 250 mil praticantes lúdicos. Mas para Sofia Araújo é muito mais do que um hobby, ou um passatempo com os amigos.
Há quatro anos, a jogadora de 29 anos trocou Portugal por Madrid, para estar onde está a elite da modalidade. Os sacrifícios feitos desde então compensaram. Hoje, a lisboeta é a número 9 do mundo. Mas quer muito mais do que isso: quer ser a número 1!
Um salto grande para alguém que aos 19 anos, depois de ter entrado no quadro principal do Estoril Open, decidiu deixar o ténis por não querer mais nada com a alta competição. Em conversa com A BOLA numa visita a Lisboa, Sofia Araújo fala disso e de muito mais.
Portuguesa de 29 anos é a n.º 9 do ranking mundial, mas só descansa quando for líder; Chegou a participar no Estoril Open como tenista, mas deixou a modalidade aos 19 anos
- Aos 15 anos queria ser o tenista profissional e ganhar um Grand Slam…
- Sim, isso ficou um bocadinho para trás. Eu joguei ténis durante muitos anos e um dos meus sonhos era ganhar um Grand Slam. Infelizmente, por vários motivos não consegui seguir a carreira de tenista. Hoje, o sonho é ganhar um torneio. Já tenho não sei quantas finais e falta-me esse próximo passo.
- Parece algo que está muito perto para ser “o” sonho…
- É o meu sonho mais real agora. Mas obviamente que toda a gente que joga um desporto de alta competição quer ser número um do mundo e participar nos Jogos Olímpicos.
- Mas ainda não é modalidade olímpica.
- É verdade, ainda não é. No ano passado já tivemos uma simulação nos Jogos de Inverno, acho que daqui a uns anos vamos conseguir entrar. Mas ainda temos um longo caminho pela frente.
- O facto de ser ainda um desporto muito centrado em alguns países, principalmente os hispânicos, contribui para que não tenha chegado ainda aos Jogos Olímpicos?
- Eu acho que um dos grandes problemas do padel é que ainda não se joga nos EUA nem na China. Quando chegar a esses países, aí sim vamos conseguir que tenha uma explosão. Que já teve, mas acho que vai ser o boom geral. E aí sim vamos conseguir chegar a todos os países para conseguir entrar nos Jogos Olímpicos.
- Voltando ao ténis: acredito que para quem queria ser profissional e ganhar um Grand Slam, não tenha sido uma fácil decidir deixar.
- Sim. O ténis é um desporto individual e muito difícil. E eu, sinceramente, já estava muito cansada psicologicamente. É um esforço muito, muito grande que temos de fazer e, nesse caso, sozinhos dentro de um campo. Depois também tive alguns problemas que não me deixaram continuar a perseguir esse meu sonho. Mas é um desporto muito solitário, e acho que foi por aí.
- Em termos de pressão, a grande diferença para o padel é que agora não está sozinha no campo?
- Cada desporto tem suas coisas boas e coisas más. Agora digo que tenho saudades do ténis porque se joga sozinha [risos]. Sinceramente, acho que o padel é muito mais divertido, a parte dos pares sem dúvida que ajuda muito, e para mim jogar a pares é melhor. Temos mais ajuda dentro do campo, mesmo fora do campo estamos sempre acompanhados pelos nossos parceiros, e acho que é mais fácil nesse sentido.
- Mas sente que a pressão do padel é menor do que no ténis?
- Para mim, não. Sempre que me dedico a alguma coisa, dedico-me a 100 por cento. Portanto, obviamente que vou ter sempre pressão incluída neste sonho. Se queremos ser os melhores do mundo, temos de saber lidar com a pressão, porque é óbvio que ela existe.
- Deixou o ténis mais ou menos na altura da entrada na faculdade…
- Sim. Eu deixei com 19 e foi nesse ano que fui para a faculdade. Tirei fisioterapia em Alcoitão e também já estava um bocadinho com essa pressão em mim. Não foi imposta por ninguém, mas acho que temos sempre que ter um plano B. Sentia que precisava de ter uma alternativa caso as coisas não corressem bem no ténis. Por isso, senti a necessidade de ir estudar. Fui e acabei o curso de Fisioterapia em quatro anos.
- Acha que a Sofia de hoje, aos 29 anos, teria tomado a mesma decisão de deixar o ténis?
- [suspira] Ui, essa pergunta é difícil… É difícil porque eu tinha muitas condicionantes na altura. Se calhar, hoje, gostava de ter tentado mais um bocadinho. Mas não me arrependo.
- Saltando para o padel: o primeiro torneio que fez foi com a sua mãe. Dar para levar a mãe é uma das coisas boas do padel?
- Sem dúvida, uma das grandes vantagens do padel é ser tão social. Além do facto de ser muito fácil para começar. Acho que qualquer pessoa que nunca tocou numa raquete consegue ir para um campo de padel e acertar na bola, o que não acontece no ténis. Há muitas senhoras que nunca fizeram qualquer tipo de desporto e chegam ao padel e jogam todos os dias. Como há senhores mais velhos que só gostam de copos e que chegam ao padel e veem uma oportunidade para fazer desporto. Essa é sem dúvida uma das grandes vantagens do padel.
- Quando deixou o ténis disse que não queria voltar ao desporto de alta competição. Entretanto é a número 9 do mundo no padel…
- [risos] Sim, é verdade, eu disse que nunca mais queria voltar à competição. Estava de costas voltadas à competição, mas eu sou muito, muito competitiva. Quando estou em casa a jogar às cartas ou outra coisa qualquer, seja com quem for, eu quero sempre ganhar. Esse bichinho da competição voltou e hoje é a minha vida.
- Joga o circuito mundial desde 2017…
- Exatamente. O meu primeiro grande torneio foi o campeonato do mundo em 2016 aqui em Cascais, foi onde me lançaram aos bichos. Mas comecei a jogar no circuito em 2017, na altura era o World Padel Tour (WPT) e tive de passar pelas pré-prévias, pelas prévias e todos esses momentos. Hoje em dia, quem está nas prévias diz-me “ah mas já estás no quadro, já estás aqui e ali”. E eu lembro sempre que tive de passar também por todos esses passos. Acho que foi isso que me levou a chegar onde eu estou e onde quero chegar. Todos esses passos são importantes, é fundamental no nosso percurso. Acho que é sempre importante fazermos todos os passinhos e não querer dar um passo maior.
- Foi logo nessa altura que sentiu que podia ser jogadora profissional?
- Não, não. No último ano da faculdade comecei a jogar e aí não sabia se ia para a fisioterapia ou se ia para a competição. E quando acabei a faculdade começaram a correr-me um bocadinho melhor as coisas no padel. E disse aos meus pais: vou apostar um pouco e se as coisas correrem bem, vou continuar. E as coisas correram bem, eu continuei, continuei e estou aqui.
- E como é que foi para eles verem-na a voltar à competição?
- Estavam um bocadinho de pé atrás, mas como eu já tinha essa segunda opção, caso as coisas não corressem bem, disseram “já tens um curso, podes fazer o que quiseres”.
- Entretanto mudou-se para Madrid para ser profissional de padel. Porquê Madrid?
- Este é o meu quarto ano lá. Fui porque o centro do padel está em Madrid. Embora hoje em dia já se veja um bocadinho mais espalhado, em Barcelona, Málaga, Alicante… mas acho que a maior parte dos jogadores e os melhores jogadores estão em Madrid. E se eu queria dar o salto tinha de estar onde estavam os melhores do mundo. E gosto muito de viver em Madrid. Obviamente que se me perguntarem, prefiro estar em casa, em Lisboa, mas é um esforço que tive de fazer e que se notou, sinceramente.
- O ano passado foi o seu melhor ano. O que é que aconteceu, foi só a experiência acumulada?
- Sim, claro que com o passar dos anos começa a acumular-se experiência e isso começa a notar-se. Também tive das melhores jogadoras ao meu lado e isso fez-se sentir.
- Foi o melhor ano, apesar de quatro mudanças de dupla…
- É verdade [risos]. Isso não foi fácil. Porque cada vez que trocamos de parceira temos de voltar a habituar-nos a todas as rotinas da parceira, temos de viver tudo outra vez. Nos torneios, por exemplo, dormimos sempre com os nossos pares e foi preciso recomeçar tudo outra vez. Mas é o que eu digo: essas mudanças não são fáceis, mas fazem-nos crescer. E acho que consegui adaptar-me a todas as parceiras. É algo que não aconselho a ninguém, mas acho que isso também me fez crescer e dar um passinho um bocadinho maior.
- O que aconteceu para ter mudado tantas vezes de parceira?
- Infelizmente, não foi escolha minha. Sempre que eu estava com alguém, havia alguma jogadora de ranking superior que vinha buscar a minha parceira e eu ficava um bocadinho lesada. Mas é o que é. Temos de nos adaptar sempre às circunstâncias e acho que o consegui fazer.
- Este ano iniciou a época com a argentina Virginia Riera. Conta ter sempre a mesma parceira?
- Este ano espero ter a mesma parceira durante o ano inteiro! Não sei se vai ser possível, mas esse é o objetivo [risos].
- A época tem vindo em crescendo...
- Sim, os nossos últimos torneios têm sido muito positivos. Começámos a época com algumas dúvidas, e a minha parceira teve alguns problemas. Teve uma conjuntivite que a deixou com uma alergia gigante, nem conseguia ver a bola. Não são desculpas. Essa lesão fez-nos treinar ainda mais e os últimos torneios correram bem e acho que tem tudo para correr bem esta parceria.
- Quartos de final, meias, final…
- Campeã…! [mais risos].
- Esse título está perto de se tornar realidade?
- Espero que sim, espero que sim! Eu já tenho algumas finais. Infelizmente ainda não consegui ganhar um dos grandes torneios. Já consegui ganhar em alguns torneios, mas o grande torneio que eu realmente quero ganhar ainda não consegui. Mas acho que vou chegar lá. Esse é o objetivo e vou continuar a lutar por ele.
- É a atual nona do ranking mundial e tem vindo sempre a subir. Onde ambiciona chegar?
- E em quanto tempo é que acha que isso pode acontecer?
- Aí é que eu já não consigo responder. Não consigo dizer em quanto tempo. É o meu objetivo. Não sei se a curto, médio ou longo prazo. Mas é para isso que luto todos os dias: chegar ao número 1 do mundo.
- Olhamos para o ranking e até ao número 24 só há espanholas, argentinas e a Sofia. Ainda é a outsider?
- Sim, sou um bocadinho a outsider. Obviamente temos a [Ana] Catarina [Nogueira], a Patrícia [Fernandes]… e algumas jovens a começar a jogar também: a Catarina Santos, a Margarida Fernandes, a Mafalda Fernandes. Ainda somos um bocadinho as outsiders, mas isso não nos impede de nada.
- Como é ver a bandeira portuguesa ali?
- É um orgulho! É um orgulho e espero levá-la ainda mais longe?
- É possível viver confortavelmente do padel?
- Sim. Claro que nem toda a gente consegue. O meu ranking permite-me isso. Os meus patrocinadores ajudam-me nesse sentido. Mas é o que eu digo sempre: as coisas não aparecem de mão beijada. Temos de lutar e trabalhar para isso. Hoje em dia, posso dizer que vivo do padel.
- E os seus patrocinadores são sobretudo portugueses?
- Sim, são patrocinadores quase todos portugueses. E isso é um orgulho também. Poder ser a única portuguesa no top 10, com as parcerias que eu tenho, é um orgulho.
- Assistimos há pouco ao fim da carreira do João Sousa. A mudança do ténis em Portugal teve muito a ver com o facto de ele começar a aparecer em níveis mais altos. Acredita que pode "ser" o João Sousa do padel português?
- Sim, acho que sim. Claro que... quantos mais formos, mais fácil será. Obviamente que eu quero chegar lá. Já temos alguns canais, como a Sport TV, a Eleven... Também já saiu uma reportagem sobre mim na SIC. E eu acho que isso dá-nos maior visibilidade. Por isso, sim: claro que quero fazer pelo padel o que o João Sousa fez pelo ténis. Mas quantos mais formos, mais visibilidade vamos ter.