Carlos Andrade no Pavilhão Municipal de Albufeira Fotografia A BOLA

Carlos Andrade: «Sempre disse, não quero mais esta vida, e olhe o que me aconteceu...»

Antigo internacional português e múltiplo campeão nacional com passagens por Benfica, FC Porto, Queluz e Portugal Telecom deixou de ser agente de jogadores para passar a ser treinador, seguindo a pegadas da irmã Mery. Está como adjunto estagiário na seleção sub-16 de Lisboa que vai disputar a final do 17.º Festival de Basquetebol juvenil que termina este domingo em Albufeira

Nas mais aguardadas finais do 17.º Festival do Basquetebol juvenil, que este domingo termina em Albufeira após quatro dias de competição entre 72 seleções de associações distritais, enquanto Porto e Santarém (9h00) discutem o título de sub-16 feminino numa final inédita do evento, no sector masculino o embate para o título coloca frente a frente Lisboa e Porto (10h30) pela nona vez, com os primeiros na defesa do troféu ganho em 2024 e os nortenhos à procura de o recuperar após o terem vencido pela sétima e última vez em 2023.

Mas é no banco de Lisboa que está uma cara bem conhecida do basquetebol nacional: Carlos Andrade. Após se ter retirado no fim de 2018/19 com seis títulos de campeão, 8 Taças de Portugal, outras tantas Taças da Liga e uma Supertaça, com passagens a nível nacional por Portugal Telecom, Benfica, FC Porto, Queluz, assim como experiências na Alemanha e Espanha, no final da carreira a aposta foi tornar-se agente de jogadores. Esteve ligado aos primeiros passos internacionais de Neemias Queta e à entrada deste na NBA.

Agora, aos 46 anos, Andrade mudou o rumo da agulha e investe também agora no percurso de treinador, estando a cumprir um estágio, desde outubro, como adjunto de Carlos Martins na seleção sub16 da AB Lisboa.   

A BOLA conversou um pouco com o antigo internacional luso antes deste viver a primeira grande final… sentado no banco e sem hipótese de entrar em campo. Nem sequer de andar muito tempo em pé.  

— Foi jogador, tornou-se agente, tem realizado eventos relacionados com o basquetebol… Alguma vez pensou que um dia estaria a ajudar a liderar miúdos ou era daqueles que dizia: nunca irei ser treinador?

— Claramente foi das coisas que disse sempre: não quero mais esta vida, andar a perder fins de semana e feriados. A família sofreu tanto durante a minha carreira, que dizia que, depois de terminar, só quero estar na parte da gestão e não perder fins de semana. Olhe para o que aconteceu agora… são férias de Páscoa, de Natal… É tudo! Mas é o que gosto. É mesmo o que gosto.

— Descobriu uma nova paixão em ser treinador?

— Sim e não. Já tinha essa noção que era uma coisa que me dava muito gozo fazer. Havia tirado o grau 1 de treinador enquanto ainda era jogador e sabia que desejava trabalhar com jovens depois de me retirar. Foi por isso que comecei com os meus campos de treino, mais assiduamente no verão, com a minha irmã [Mery Andrade], sozinho e trabalho em outros campos. Sabia que pretendia ter uma parte mais individual do treino, de um contra um com os jogadores, por isso desenvolvi um programa, que é o Coast to Coast, que irei lançar dia 30 deste mês. Pretendo transmitir a minha experiência depois de tantos anos como atleta. Não só a vertente técnica e tática, mas também a maneira de pensar como profissional. Aquilo que é necessário para darem o passo para serem basquetebolistas profissionais.

Fotografia FPB

A sua irmã, Mery Andrade, que é treinadora há uma série de anos e nos últimos tem estado como adjunta dos Toronto Raptors na NBA, o que lhe disse quando soube que, após ter sempre fugido desse caminho, também desejava ser técnico de basquetebol? Afinal devem ter falado disso muitas vezes?

— Disse que já sabia, claro! Não foi bem por essas palavras, mas já estava à espera. Nos nossos campos, quando trabalhamos juntos, existe muita química, bastante cumplicidade, por isso ela sabe que também tenho algo para oferecer neste ramo. Foi-me sempre motivando e dando conselhos. Lembro-me perfeitamente de vários campos que fizemos e especificamente um em Espanha a que o Miguel Miranda [treinador do V. Guimarães] também foi. Se calhar foi quando percebi que era o caminho que pretendia. Vê-la ali ao vivo com o Miranda, a trocarem ideias com outros treinadores espanhóis, pois tivemos alguns convidados como o Luís Guil, que é ajudante do Sergio Secariolo. Naquela partilha de experiências e conhecimento comecei cada vez mais a pensar em ser treinador.

— E estar no banco, por vezes dá vontade de ir lá para dentro e mostrar como é que se faz, ajudar os rapazes a resolver o jogo?

— Isso é que tem sido difícil, ainda não mudei o chip [ri-se]. Mas aos poucos vou mudando. Agradeço muito ao Carlos Martins por me ter dado esta oportunidade, e ao José Tavares também, por me permitirem estar a estagiar com eles, estar aqui, e poder ver todo este processo e caminho que pretendo seguir. Assim como dar conselhos a estes miúdos e depois eles ouvirem e tentarem fazer. Às vezes não corre tão bem, mas só eles procurarem fazer, percebo que entendem a primeira mensagem. Agora é uma questão de trabalhar, criar rotinas e repetições até que as coisas saiam bem.

Fotografia A BOLA

Estes jogadores já devem ter menos de metade da sua idade.

— [risos] Sim, podia ser o pai deles. Há dois ou três que têm a idade do meu filho mais velho, o Nicolas, 14/15 anos….

E ouvem e sabem quem foi o Carlos Andrade?

— Sim. Lá vão pesquisando. Acho que desde o primeiro dia, quando cheguei. O Sebastião Faro, o Diogo, o Mário Almeida… alguns lembram-se ou então têm fotografias de  quando eu ainda jogava. O Sebastião mostrou-me uma em que terá seis ou sete anos e estou no balneário com ele. Andar agora a treiná-lo é gratificante. E os que não sabem vão pesquisando e depois picam-me: ‘Então, ainda afundas, como afundavas? Até foi pena porque, há pouco tempo, magoei-me no joelho e havia-lhes dito: lá em baixo no Algarve vocês vão ver. Andava a treinar um bocadinho mais a sério para conseguir afundar outra vez, mas magoei-me no joelho e agora não consigo.

Está a cumprir este estágio desde outubro. E depois, qual é o teu objetivo: ser treinador da Liga, chegar à NBA tal como a minha irmã?  

— Sinceramente não penso ainda muito nisso. Como disse, por agora estou muito focado em estabilizar a minha marca, o meu projeto. Mas sei que depois de fazê-lo, já terei uma ideia mais exata do que pretendo fazer. Sei que pretendo continuar com o desenvolvimento de jogadores. Tenho já alinhados vários campos para este verão, nos quais irei trabalhar com treinadores espetaculares, selecionadores de Itália, adjuntos da seleção de Espanha, e, claro, com a minha irmã. Este ano ainda estou a apalpar um bocado o terreno.

Com os Linces já tenho essa rotina de trabalho com uma equipa, o que adoro. Agora com uma equipa sénior, não sei ainda se é o meu objetivo. Mas adorava continuar na Seleção, de estudar a experimentar um Europeu com a Seleção Nacional sub-18, sub-16, sub-20... E tanto masculina como feminina, quero é jogadores de basquete. Gosto de trabalhar com miúdos e com miúdas no verão, como aconteceu com a Ana Barreto, Matilde Baltazar, Magda Freire, assim como a Joana Magalhães, que foi agora para os Estados Unidos.

Satisfaz-me treinar com jovens e transmitir-lhes o que sei e também aprender com eles. Mas também o faço com profissionais, no player development, este meu novo projeto. irei ter basquetebolistas profissionais, tentar trazer jogadores e treinadores da NBA. Depois, quando terminar o verão, logo vejo se há alguma proposta ou algum projeto que gostasse de abraçar como adjunto de uma equipa profissional.