Breaking: «Se não pensar muito nas medalhas, posso conseguir»

Breaking: «Se não pensar muito nas medalhas, posso conseguir»

JOGOS OLÍMPICOS23.07.202411:22

PARTE 2 - Vanessa Marina vai ser a representante portuguesa nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 explica um pouco como é a modalidade e revela as suas ambições para o evento.

— A modalidade fará a estreia e sairá da carta olímpica em Los Angeles 2028. Apesar da presença única, entras para a história dos olímpicos portugueses. Que sentimentos levarás para Paris?

— Todo o meu percurso, desde que comecei a dedicar-me mais ao breaking, foi também muito influenciado por mulheres de várias áreas, que me influenciaram no meu método de treino, na minha dança. O facto de estar lá, vou refletir todas as mulheres que me influenciaram.

— Quem é que a inspirou? B-Breakers ou outro tipo de mulheres?

— Todo o tipo de mulheres. Fora e dentro da modalidade. Fora, a 100 por cento, foi a minha maior heroína que é a Ronda Rousey. Foi a primeira mulher no UFC (e medalha de bronze em judo, nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008), dentro de uma modalidade maioritariamente masculina. Temos UFC feminino muito graças a ela. Li a biografia que escreveu [Nossa Luta] e identifiquei-me logo com ela.

Depois, uma das minhas melhores amigas, a Mary, que é portuguesa, faz hip hop, mas também é médica de medicina chinesa, ajudou-me bastante, dentro do seu conhecimento, a transferi-lo para a minha dança e para o meu estado de espírito. Foi viver comigo para Londres, passou muito tempo comigo e dividimos casa. Há também outra rapariga, a Joana Cruz, que faz locking, que é outro estilo de dança, da cultura hip hop, é a minha melhor amiga e que também imigrou, neste caso para a França. Ou seja, são pessoas que têm uma história um bocadinho parecida comigo.

— São próximas da sua área, digamos assim, e que te dão inputs?

— Exato. Uma do UFC, MMA. As outras, estão dentro da dança, mas que não estão na minha modalidade. Elas conseguem ver as coisas um bocadinho de fora, porque há coisas que, como estou dentro, não consigo ver corretamente, e elas ajudam-me.

— Nasceu em Leiria e foi para Londres estudar dança contemporânea. Trabalhou num restaurante e regressou como profissional do breaking. Conte-nos este percurso?

— Estive nove anos a viver em Londres, emigrei em 2014, fui para lá estudar e só voltei o ano passado. Em Londres estava a trabalhar num restaurante.

— Como conciliou o trabalho no restaurante e o resto? Estava na cozinha ou à mesa?

— Era waitress [empregada de mesa] no Meat Liquor. Carne e licor [sorri], traduzindo.

— Ao trabalhar na restauração, sobra pouco tempo para o resto. Dançava nas horas vagas, nas folgas, digamos que não deveria ser uma agenda nada fácil?

— Sempre foram muito bons comigo, super razoáveis. Nos últimos dois anos, basicamente, trabalhava quando queria, era mais em part-time. Normalmente, fazia sexta-feira, sábado e domingo a trabalhar full time, ou seja, das onze da manhã à meia-noite, os três dias seguidos, para fazer o máximo de horas para conseguir ter segunda, terça e quarta mais disponíveis para mim. Fazia a modalidade, normalmente, competia, viajava, fazia workshops, dava aulas, ou seja, era um bocadinho assim a minha vida, até que consegui ter o estatuto de atleta de elite em Portugal. E, a partir daí, juntamente com os patrocinadores, consegui ter um montante razoável para conseguir concentrar-me totalmente na competição.

Algumas curiosidades do breaking

Mano a mano
É um duelo individual. B-girls e É -boys, desafiam-se, em separado, numa batalha [battles], ao som de uma música escolhida aleatoriamente pelo DJ com a duração de cerca de 45 segundos a um minuto. Um ou uma, dançam e saem de cena, o outro (a) responde até cada um (a) dançar três vezes [três throw downs].

Estreia olímpica
Breaking fará a estreia em Paris e desaparece do mapa do olimpismo em Los Angeles-2028. Não deverá regressar em Brisbane 2032.

Vaga garantida na qualificação
Portugal garantiu só uma vaga para Paris2024. E no feminino. Vanessa foi apurada através dos torneios de qualificação olímpica

Os movimentos
Toprock — Movimentos em pé, uso de mãos e pés. Por norma, é a introdução da batalha.
Downrock — Performance feita no chão, usando pés e mão. O rodopiar acontece aqui
Powermoves — Movimentos acrobáticos
Freeze— Momento em que congelam o corpo depois de executar um movimento

— Essa almofada financeira foi decisiva para o apuramento para Paris?

— Foi uma opção que tomei, porque se tivesse outra distração, possivelmente se continuasse a trabalhar, provavelmente não ia ter os resultados que obtive. Optei por voltar a Portugal, porque há uma facilidade maior para me ajudarem aqui, mais do que em Londres.

— E voltou para Portugal no ano passado. Para Leiria ou para Lisboa?

— Nem num sítio, nem noutro. Estou no Porto. Vivo sozinha, felizmente. E pronto, lá está, pelo preço de um quarto [em Londres], consigo pagar aqui uma casa [sorrisos].

— E depois dos Jogos Olímpicos. Regressa a Londres, ao restaurante?

— Se calhar, possivelmente sim, porque como vai deixar de ser uma modalidade olímpica, o meu estatuto de atleta olímpico termina com o ciclo olímpico. Não há apoios para depois. [O COP] Não têm esse poder [financeiro] ainda para ajudar os atletas. Ainda está tudo meio incógnito, se calhar volto para Londres, se calhar vou para Lisboa, não sei. Mas também não me quero concentrar muito nisso.

—Porquê? A concentração total está em Paris, sem distrações. É a receita?

—Exato. Porque se não, acho que nem ia conseguir. Sou muito calculista, por isso, o facto de não saber o que é que vem aí causa-me mais ansiedade. Prefiro não me focar no que vem a seguir. Em Paris, sei que vou lá ter muitas amigas, vai lá estar a minha melhor amiga, a Joana, e vai dar certo.

— E é para conquistar uma medalha?

— Não é impossível, mas, se calhar, sou um pouco ao contrário da maioria das pessoas. Quando quero muito, quando penso muito em que algo pode acontecer, é mais provável que esse algo possa não acontecer. O mesmo se passa com as medalhas. Se não pensar muito nas medalhas, posso conseguir. Se pensar muito, pode não acontecer.