As quatro empreendedoras lançaram-se na missão de escrever o livro com a história da equipa encarnada que ninguém guardou. Até a Câmara Municipal de Lisboa se esqueceu do prometido
— Agora quase todo o desporto feminino é profissional…
— Maria Teresa: Se não me engano, em 2018, fomos convidadas para estarmos presentes na apresentação da equipa do Benfica, que ia regressar. A primeira pergunta que as jovens nos fizeram era qual era o nosso tipo do nosso contrato. Quanto é que íamos ganhar. Quanto ganhávamos, e por aí fora. Eu não me admirei nada, porque já sabia que ia ser assim. O desporto está profissionalizado.
—O que também pode não ser mau.
— Maria Teresa: Pode, mas os jovens que podem ser captados no âmbito do desporto escolar. Depois, não têm oportunidade de fazer um percurso evolutivo, enquadrar-se e ter o gozo de representar um clube. Porque o clube já se acautelou com jogadoras do Brasil ou de outro lugar.
— Maria José: E esta amizade que se criou foi por amor à camisola. Hoje em dia, se saltam de clube para clube, não há hipótese
Esta amizade que se criou foi por amor à camisola. Hoje em dia, se saltam de clube para clube, não há hipótese de acontecer
— Se as atletas são profissionais… Quando estava a trabalhar, se lhe oferecessem o dobro no outro hospital, se calhar também ia…
Maria José - Pois… É natural.
Maria Teresa - Nós fomos professores de educação física e eu, pessoalmente, a Paula e a Guida, fizemos trabalho a nível de escola. Fomentámos o desporto como os clubes não o fizeram. O Benfica acabou, por exemplo. Até fundámos novos clubes, como foi o caso do Cruz Quebradense e outros que vieram a aparecer. E para facilitar, muitos clubes pequenos, com raízes em escolas, vieram a competir ainda connosco. O Liceu de São João e por aí fora. A realidade é diferente. Mas, olha, deixa-me dizer que tenho uma neta que está no Belenenses e vi um pavilhão cheio de raparigas porque, de facto, apareceu lá um colega que é uma entusiasta de voleibol, mas o clube só está a investir, pela mão dele, no feminino. Não há voleibol masculino.
— É a modalidade que mais cresceu nos últimos anos.
Maria Margarida - Nas escolas, em termos do desporto escolar, penso que era até a modalidade que tinha mais praticantes. E os clubes também vão recolher frutos disso, não é?
— Maria Teresa: Nós professores de educação física, fizemos trabalho a nível de escola. Fomentámos o desporto como os clubes não o fizeram. O Benfica acabou, por exemplo. Até fundámos clubes.
— Maria Margarida: A formação, hoje em dia, em todas as modalidades, está um bocadinho muito virada para o ganhar. É incutido nos miúdos que tem de se ganhar. E eu acho que nos escalões de formação tem de se formar. Certo? Porque campeões não vão ser.
O voleibol feminino encarnado tem feito uma ótima campanha europeia e já está nos quartos de final da Challenge. Passaram 34 anos, desde que as atletas do Benfica enchiam o clube de orgulho. Eram 10, todas Marias. A Câmara Municipal de Lisboa prometeu homenageá-las há três anos e A BOLA foi ouvir as suas histórias
— E como é que voltam a haver Marias?
— Maria Teresa: Tem umas marioscas...
Maria Margarida - Eu vou dar-lhe um exemplo. Há vários anos, na escola sempre tive equipas de voleibol, da formação escolar, equipas muito jeitosas. Houve um ano, em que a certa altura uma jogadora me disse : ‘Professora, posso ir?’ . Eu disse, claro. Foram para os juniores do Benfica e eu disse mas não esperem andar dali para a frente. Quando chegar a altura de passarem a seniores, vocês são preteridos. E assim foi. Da equipa de voleibol da escola vieram uns 4 ou 5, foram juniores do Benfica, com bons resultados, mas depois não andaram para a frente. Porquê? Porque foram preteridos. Outro exemplo que eu acompanho na formação. Os clubes para ganhar vão retirar aos pequenos, aos clubes satélites, miúdos, para o seu clube. O que eu acho que está mal. Mas porquê é que eu, sendo treinadora ou responsável de uma equipa num clube, na formação, para o meu clube ganhar, eu vou retirar o miúdo jeitoso daquele outro clube para jogar no meu? Ou seja, a qualidade na competição vai-se perder um bocadinho. E isso faz-se hoje em dia. Em qualquer modalidade.
— Quantas equipas mais ou menos disputavam o campeonato nessa altura?
Maria Madalena - Nós íamos já às finais. Havia um regional…Três, quatro, quando muito seis.
Maria Teresa - Sim, quando o Braga e o Guimarães já tinham equipas.
Maria José - Havia muito mais equipas no norte do que no sul.
Maria Madalena - Daí o feito de nós termos arrebatado o campeonato nacional para Lisboa. Nós aqui tínhamos duas, três equipas. E houve provas internacionais, que fomos fazer, em fins de um ano civil, portanto, dezembro e princípio do outro, janeiro, sem termos provas nenhumas desde maio.
— Quando vão lançar o livro?
— Maria Teresa: O Benfica decide.
— Maria José: Este livro é prefaciado pelo Dr. José Manuel Constantino. E pelo doutor Luís Lapão. Que fazem um elogio às Marias que nos encheu a alma. E depois tem testemunhos de outras pessoas ligadas ao voleibol que realmente reconheceram as Marias como um fenómeno daquela época. E isso deu-nos muita alegria.Ninguém pode apagar a história. Só não podemos esquecê-la.
À espera da medalha
A Camara de Lisboa votou por unanimidade entregar uma medalha a «As Marias» mas até agora não o fez
— Maria Madalena: Mas há instituições que não deveriam nunca esquecer a história das equipas, das atletas, das jogadoras e jogadores da modalidade. A história não está recolhida. A Federação não tem uma palavra sobre a nossa equipa. A Associação, idem, aspas.
— Provavelmente não tem a história do voleibol feita...
— Maria Madalena: Mas porque não quis fazê-la. Tem obrigação.Tal como a associação. E haver gente que está a treinar hoje em dia equipas no clube e diz que vão para a primeira vez aos jogos lá fora, representar o clube, eu fico pasma. Compete à Federação fazer a história da modalidade.
Maria Teresa - Em novembro de 2022 salvo erro, a Federação fez uma gala nos 75 anos da Federação. No terminal do Matosinhos e só focou os 30 mais recentes. Portanto, nós não existimos. Os outros 45 ainda estão à procura de reconstruir. Nós tivemos já a oportunidade de chamar a atenção mas caiu em saco roto.
Maria Teresa - Enquanto nós existimos a Federação estava sediada em Lisboa. Só foi para o Porto quando as Marias acabaram.
— Então, afinal, a culpa é de quem? A culpa é das Marias.
Maria Madalena - Também deve ser a culpa das Marias a Câmara Municipal de Lisboa ter um voto por unanimidade para atribuir uma medalha há 3 anos. E foi por isso que a Zé Maia há bocado disse que para essa eventual atribuição e receção nós começámos a fazer uns bolsos da nossa história e foi aí que começou a ideia de fazer o livro. Não, eles não têm que recolher nada, eles só têm que dar a medalha que foi votada por unanimidade a nós e a muitas outras entidades e clubes, etc.