As Marias do Benfica: o que o INEF juntou, na Luz vingou

VOLEIBOL13.12.202419:14

Conheça a história de quatro jogadoras com o mesmo nome próprio que brilharam de águia ao peito nas décadas de 60 e 70. Um livro para breve. Enfermeiras, médicas ou professoras não interessava, a paixão pelo voleibol juntou-as

— Todas Marias... Quando é que começaram a jogar e quando é que ganharam essa alcunha ‘As Marias’?

— Maria Madalena: Acho que cada uma começou a jogar em épocas diferentes. Do grupo, eu sou aquela que começou mais cedo, em 1960, em outubro de 60, e terminei em 1975, portanto, joguei 15 épocas.

— Coincidiram em que altura?

— Maria Teresa: De 1966 a 1975.

— Período em que ganharam 9 campeonatos nacionais consecutivos e perderam um set?

—Maria José: Exato.

— Numa altura em que era difícil ser mulher e atleta conseguiam gerir? Como é juntaram o grupo?

— Maria Madalena: Houve uma coincidência feliz: haver um Instituto de Educação Física que formava professores, o único instituto em Portugal, na Cruz Quebrada, para onde se deslocaram algumas jogadoras de outros sítios, nomeadamente a Teresa Fernandes.

— Maria Teresa: Vim de Chaves para o INEF.

— E já jogava voleibol antes?

— Maria Teresa: Mais ou menos, um bocado à revelia, com os rapazes. Não havia professores de educação física. Em Chaves não havia.

— E porquê o voleibol?

— Maria Teresa: Gostava da modalidade.

— E como acompanhava?

— Maria Teresa: Via a televisão espanhola em Chaves e davam muitos jogos e ao sábado muitos programas desportivos.

— E como chegaram ao Benfica?

— Maria José: Comecei no Maria Amália, e o voleibol era patrocinado, era uma das modalidades da Mocidade Portuguesa. A Madalena também passou uma época no Maria Amália e depois foi para o Benfica e levou quatro jogadoras. Eu, a Graça, a Esperança e a Conceição. — E o Benfica nessa altura já tinha uma equipa de voleibol feminino?

— Maria Madalena: O Benfica foi pioneiro no voleibol em Portugal. Com uma equipa que se criou em 51. Uma das pioneiras do voleibol, foi nossa companheira, até há dois anos, quando partiu era a mais velha do grupo. Quando entrei, em 1960, tínhamos um treinador — até 64, 65 — que criou o embrião desta equipa. Foi o trabalho de sapa. Depois, com a mudança para um treinador mais sábio, era jogador da equipa de volei, o José Magalhães, e com os reforços construiu-se o resto.

— E o feminino era tratado da mesma maneira que o masculino?

— Maria Madalena: Sei que muitas vezes, nos momentos mais importantes, tínhamos juniores a treinar connosco e até elementos da equipa sénior que só podiam rematar à esquerda. devagarinho e tal, para não magoar muito. Provavelmente, porque o nosso treinador era da equipa sénior. Mas não sei dizer se o tratamento era diferente…

Ganhávamos zero. E comprávamos as sapatilhas, só tínhamos os equipamentos para os jogos. Para os treinos ia um saco enorme com uma roupa que cheirava pessimamente, que nem tocavamos. A roupa dos treinos era a nossa.

— Hoje as modalidades no feminino queixam-se de que não terem as mesmas condições

— Maria José: Nessa altura, não havia investimento nenhum que era tudo amador.

— Maria Teresa: Agora são todas profissionais.

— Maria José: Nós nem sequer treinávamos na Luz.

— Maria Madalena: Só jogávamos. E os treinos, nas vésperas dos jogos, para nos adaptarmos ao espaço...

Maria Teresa

— Quantas vezes treinavam por semana?

— Maria José: Duas. Um dia de semana e ao domingo.

— Maria Teresa: Os jogos eram ao fim de semana, muitos com jornadas duplas.

— Maria Madalena: Tínhamos de nos deslocar 500, 400, 300 km.Levávamos horas de carro.

— Maria José: Nos nossos carros e nos carros das nossas famílias.

— E era um dia para lá chegar?

— Maria Madalena: Quantas vezes entrámos no campo e começámos a jogar. Nem aquecíamos.

— Maria Teresa: Equipávamo-nos no carro.

— Maria Madalena: E corríamos o risco de falta de comparência porque não havia contemplação por um quarto de hora ou meia hora de atraso, numa altura em que não havia autoestrada para o norte.

— E não ganhavam nada?

— Maria José: Zero. E comprávamos as sapatilhas, só tínhamos os equipamentos para os jogos. Para os treinos ia um saco enorme com uma roupa que cheirava pessimamente, que nem tocavamos. A roupa dos treinos era a nossa.

— Maria Teresa: Pagávamos as deslocações, exceto as idas ao Norte e ao estrangeiro. Tudo o resto, no dia a dia, pagávamos nós.

— E quando jogavam, os pavilhões estavam cheios?

— Maria Margarida: Não. Pouco. Pouca gente, pouca assistência.

— Maria Margarida: Há exceções, no campeonatos e nos jogos internacionais.

Houve um jogo, em 1974, em janeiro, antes da Revolução de Abril, com o Dínamo de Moscovo, que o pavilhão meteu umas 6 mil pessoas quando a lotação, acho que era 2 mil e 500.

— Maria Teresa: Tínhamos nos jogos internacionais, porque eram com equipas de leste, campeãs europeias, olímpicas e mundiais, e elas traziam o público, que não percebia nada do voleibol. E quando tínhamos oportunidade de ter sucesso numa jogada, gritavam «Golo!».

— Maria Madalena: Tínhamos um diretor muito sábio que fazia coincidir os nosso jogos com os de futebol e jogávamos a seguir.

— Maria José: Chegámos a ir à relva e ser apresentadas uma a uma, no relevado, no intervalo do jogo, para captar as pessoas para irem ver o nosso jogo a seguir.

— Maria Madalena: Mas houve um jogo, em 1974, em janeiro, antes da Revolução de Abril, com o Dínamo de Moscovo, que o pavilhão meteu umas 6 mil pessoas quando a lotação, acho que era 2 mil e 500.

— Benfica ou Seleção Nacional?

— Maria Madalena: Benfica! E mercado negro nos bilhetes.

— Maria José: Porque eram as russas. Só se ouvia falar que as russas vinham a Portugal e estávamos em pleno período revolucionário.Mesmo quando as checas vieram não houve aquele entusiasmo todo que houve com as russas. As russas eram assim um papão

— E foi bom o resultado?

— Maria José: Acha?!

— Maria Madalena: Serviu para crescer.