As Marias do Benfica: a dura vida a norte

VOLEIBOL13.12.202419:15

O Leixões era o rival preferido e não só porque era o que dava mais luta, mas porque as intermináveis viagens até ao norte era autênticas aventuras, com direito a palavrões e apalpadelas

— Houve algum ano mais espetacular, em termos de resultados?

— Maria Teresa: Passamos duas vezes aos quartos de final, com a Áustria, em 1970, e a Escócia, em 1973. Em Viena perdemos 3-2. Treinamos mais dias e fizemos um brilharete que ganhamos por 3-1.

— Maria José: Isto era de tal maneira amador que quando foi a Taça dos Clubes Campeões Europeus, na Áustria, eu já estava a trabalhar como enfermeira. Pedi dispensa para poder ir com a equipa. Não me dispensaram e disseram tinham contratado uma enfermeira e não uma jogadora de voleibol. Mas de tal maneira que isto tinha pouca importância em termos de país. E fui sozinha. Fiquei na Suíça porque estava um nevão desgraçado. E depois quando cheguei a Viena, o avião espetou-se na neve. Carros de bombas, ambulâncias, tudo. O diretor de pelouro, que estava na varanda, assustadíssimo. Saímos, metemo-nos num táxi, esbarrámos num candeeiro e eu fui direta para o jogo. Foi só o tempo de me equipar.

Quando foi a Taça dos Clubes Campeões Europeus, na Áustria, eu já estava a trabalhar como enfermeira. Pedi dispensa para poder ir com a equipa. Não me dispensaram e disseram tinham contratado uma enfermeira e não uma jogadora de voleibol

— Maria Madalena: Eu era professora num liceu onde a reitora teve a noção de que realmente era importante aquilo que eu fazia na equipa. E era ela que me perguntava — ao ir para o estrangeiro que nós tínhamos que fazer faltávamos e tínhamos de apresentar a testar o médico. Era ela que me dizia, sabendo que o atestado médico não era verdadeiro: ‘Já arranjou o atestado médico?’ Porque nós não tínhamos direito a nada. Era com estas falcatruas e tive sorte.

—E sentiram que ser mulher ajudava ou não? Ou isso é uma conversa dos tempos dos modernos?

— Maria Madalena: Olhe, entre a assistência no norte, ser mulher não ajudava, de certeza, porque os impropérios eram fortes e feios.

— Maria José: Fora os apalpanços de rabinho, lá em cima no norte, porque não havia espaço entre o fim do campo e de maneira que havia muitas a apalpadelas.

A capitã Maria Madalena

— Fizeram história com os nove títulos seguidos?

— Maria Madalena: Fomos as primeiras. Depois o Leixões

— Então Leixões era sempre o melhor sítio para irem jogar?

— Maria Teresa: O espírito de companheirismo reinava entre as equipas. E prova disso é que ainda recentemente nos deslocamos a Matosinhos no dia da homenagem a uma das jogadoras...

— Maria José: Das inimigas.

— Maria Teresa: A Cristina Costa Pereira. Em campo havia que fazer uma disputa. Claro, amigos e amigos, negócios à parte, não é? Há também o testemunho de uma colega do CDUL que dizia: ‘Era muito bom chegar com vocês, porque quando mudávamos de campo, ainda nos davam o chazinho’.

Fora os apalpanços de rabinho, lá em cima no norte, porque não havia espaço entre o fim do campo e de maneira que havia muitas a apalpadelas

— O voleibol era a modalidade com mais expressão no feminino? — Maria Madalena: Começou a ter... Nessa altura, sim.

— Maria José — No feminino, havia basquetebol e badminton.

—E agora estão a fazer um livro sobre As Marias

— Maria José: Foi após termos sabido que a Câmara de Lisboa ia homenagear As Marias e como havia muita confusão em relação ao histórico, juntámo-nos as quatro, e de há três anos a esta parte, todas as terças-feiras nos reunimos. Começámos pelos nossos caderninhos, cada uma juntou o que tinha. Fomos à Federação e nada. Fomos à Associação e nada. E depois socorremo-nos dos arquivos do Benfica, que vieram completar os nossos e foi uma boa ajuda.

— Estão muitas ainda vivas?

— Maria José: Sim, sim. Já partiram... A Minô, a Isabel Rocha, a Luísa Cruz e a Maria. Muitas das que estão ainda, não estão ligadas à Educação Física. Algumas têm tudo, porque lhes interessava também para a sua vida curricular. Eu só tenho este caderninho. A Madalena tem não sei quê, a Teresa tem não sei quantos caixotes, a Guida tem não sei quantos caixotes. E as outras tinham também assim uns apontamentos, porque a nossa vida profissional era outra.

As Marias no Museu do Benfica

— E quem é que vos baptizou de As Marias?

— Maria Margarida: Foi um jornalista do Record, o Carlos Arsénio. Achou curioso que todas éramos Marias. E a partir daí passámos a ser chamadas As Marias do Benfica.

— E continuam a ver voleibol?

— Maria Teresa: Vejo n'BOLA TV e às às vezes no canal Sporting.

— Maria Madalena: Eu vi nos Jogos Olímpicos e fiquei um bocadinho à nora, com as trocas baldrocas.As regras são diferentes, os equipamentos.

— Maria Teresa: Comprámos uns curtinhos da Le Coq Sportif quando fomos a Cannes!

— Até ao joelho…

— Todas: Não, não! [risos].

— Maria Margarida: É um jogo muito mais dinâmico do que era.

— Maria Teresa: Tem jogadores especializados para determinada tarefa. O serviço é feito ao longo de toda a linha, quando antes havia uma área de serviço, por exemplo. E depois há grande diferença: só há desporto profissional.