África do Sul-Portugal: ‘Chico’ pronto a ajudar
Francisco Fernandes, pilar da Seleção Nacional de râguebi. FOTO: D. R.

África do Sul-Portugal: ‘Chico’ pronto a ajudar

RÂGUEBI19.07.202407:30

Francisco Fernandes cumpriu diante da Namíbia a 50.ª internacionalização por Portugal. Um desejo tornado realidade que o pilar esquerdo tinha assumido publicamente querer atingir, logo após a última partida de Portugal no Campeonato do Mundo de râguebi, disputado em França, no ano passado.

Vestindo pele de legionário, o lusodescendente fica a meio caminho de centurião (100 jogos pelas seleções) e inscreve pela 51.ª vez o nome na ficha de jogo de Portugal. E logo diante da campeã África do Sul.

Aos 38 anos, para Chico, diminutivo pelo qual é tratado, a temporada 2023-2024 foi o pináculo de uma carreira profissional de râguebi iniciada aos 23 anos.

Foi totalista nos quatro jogos da Seleção Nacional no Mundial de França, marcou um ensaio, na histórica vitória diante as Fiji. Em termos de clube, ultrapassou a marca dos 300 jogos pelos Béziers, emblema da Pro 2 que representa há 13 anos (desde 2011), sendo um dos jogadores com mais partidas disputadas na segunda divisão francesa.

E, por fim, esteve quase a subir ao top-14, sendo afastado, na meia-final, pelo Vannes, equipa que acabaria por ser promovida à divisão de elite gaulesa ao derrotar o Grenoble do português Pedro Bettencourt, lobo que terminou precocemente a carreira por motivos de sucessivas lesões na cabeça.

Cumprida a longa caminhada, o futuro está bem definido e resolvido na cabeça do pilar de 184 cm de altura. «Jogarei mais um ano e acabo no meu clube (AS Bézier Hérault)», anunciou a A BOLA.

A nível da Seleção, após o período sabático a seguir ao Mundial, as portas estão, do seu lado, abertas para a temporada que se avizinha e que coincide num feliz cruzamento entre a despedida da modalidade e a eventual chamada para o Rugby Europe Championship 2025, torneio europeu de apuramento para o Campeonato do Mundo, a realizar na Austrália, em 2027.

«Se puder ajudar, sim, estou disponível, posso contribuir com a minha experiência para ajudar Portugal a qualificar-se para o Mundial e permitir que outros possam usufruir da mesma experiência que vivi», prometeu.

Um 'lobo' regressado

Imponente figura que desperta parecenças com D’Artagnan e Obélix, Chico representou Portugal pela primeira vez no escalão de sub-18 e, a 5 de fevereiro 2010, estreou-se na Seleção principal, frente à Rússia.

Afastado durante anos das convocatórias dos Lobos, regressou pela mão do francês Patrice Lagisquet, antigo Selecionador Nacional, responsável também pelo regresso de Samuel Marques. Fez a caminhada até ao Campeonato do Mundo, onde acabou por ser um dos esteios do XV nacional.

«O Patrice era um treinador que queria tudo controlado, precisava de tudo controlado. Fora e dentro do râguebi. Dizia que era assim que tinha de ser...», explicou. «O Simon tem uma visão mais ampla e moderna», contrapõe ao comparar passado e presente.

O selecionador de nacionalidade neozelandesa promove «treinos mais curtos», enquanto o francês «era uma hora e meia no campo e se não fosse perfeito, continuávamos», relembrou.

«O râguebi é tudo para mim»

Deixou o tema Seleção e concentrou a conversa em si próprio. Francisco Fernandes encerrará em 2025 a parte competitiva, mas promete continuar de bola oval nas duas mãos. «Vou tirar o curso de treinador, tenho essa oportunidade, e trabalhar em França», antecipou, afastando a possibilidade de seguir os passos do ex-lobo e antigo parceiro de seleção e da Formação Ordenada, Mike Tadjer, que trocou o par de botas pelo empreendedorismo num bar de praia. «Não, não vou abrir um bar», garantiu, a sorrir.

A família de Chico Fernandes vive e respira râguebi. «Todos jogamos e estamos todos envolvidos. A minha mulher (Virgine) trabalha no clube, os meus filhos (Paul e Elvis) jogam e o râguebi é e foi o meu trabalho», sintetizou.

«O râguebi é tudo para mim. Forjou o meu caráter», assumiu, ao relembrar, por instantes, a atribulada vida no seio de uma família portuguesa emigrante em França, país onde nasceu o jogador do AS Béziers Herault e do Tyrosse (2006-2011).

«Foi uma infância difícil», marcada pelo alcoolismo do pai (que viria a suicidar-se) e o cenário de violência doméstica, conforme confidenciou, de coração aberto, ao jornal Sud Ouest, no passado dia 1 de outubro. «Entre a violência do meu pai sobre a minha mãe, a sua morte, o cancro da minha irmã, aos 3 anos, tinha tudo para me afundar na droga e no álcool. Mas encontrei amigos, uma mulher e estabilidade graças ao râguebi», afirmou então ao jornal francês.

Num ambiente que tinha tudo para ter um final pouco feliz, as vicissitudes da vida aceleram o seu crescimento. «Fui pedreiro, trabalhei na construção civil, construí casas, trabalhei para a câmara municipal (Seignosse)», listou na conversa com A BOLA antes da partida para a digressão africana.

«Aos 23 anos tornei-me profissional.» E a partir de então, «no râguebi profissional consegues ter tempo livre para a família, amigos, para outros desportos, jogar golfe (risos), descansar, e é verdade que é uma boa vida», catalogou, sorridente.

O 'pai grande'

«Sou velho, gosto da conquista, da mêlée (Formação Ordenada), mas é verdade que é mais divertido fazer passes, atravessar o terreno e jogar», sublinhou Francisco Fernandes, ao referir a «muita velocidade» a que assiste na nova geração do râguebi.

O mais velho dos Lobos não se importa de vestir a pele «de um pai grande» do pilar António Prim (Direito), 21 anos, ou do médio de formação, Hugo Camacho (Bézier), de 20. «Fui internacional quando eles ainda andavam ao colo das mães», troçou.

De rosto sisudo em campo, transfigura-se fora da ação. «Estou sempre a rir, mesmo aos 38 anos, sempre a meter-me com os outros. Tenho uma atitude de jovem com os jovens. Atitude de jovem, sim. Porque eu sou velho», concluiu, a rir.