João Almeida: «Vou ao Tour fazer estragos e um bom lugar»
João Almeida confiante e motivado para a estreia na Volta a França (foto IMAGO)

ENTREVISTA A BOLA João Almeida: «Vou ao Tour fazer estragos e um bom lugar»

CICLISMO27.06.202418:22

O corredor da UAE Emirates estreia-se na Volta a França, que arranca este sábado de Florença, com o objetivo de ajudar o líder da equipa Tadej Pogacar a reconquistar a camisola amarela. Integrado numa formação recheada de estrelas, o português também assume metas pessoais

Ao quinto ano de profissionalismo no WorldTour, o principal escalão do ciclismo mundial, João Almeida estreia-se na Volta a França. Após quatro participações consecutivas no Giro de Itália, com destacados resultados (quarto lugar à geral em 2020 e terceiro em 2023), e duas presenças na Vuelta a Espanha (4.º em 2022 e 9.º em 2023), o corredor, de 25 anos, apresta-se a um novo desafio na ainda breve carreira, a mais prestigiada e competitiva corrida de bicicletas do planeta, o Tour, cuja edição 111 arranca este sábado, em Florença, em Itália.

Às vésperas dessa ambicionada participação, em entrevista a A BOLA, o ciclista português da equipa UAE Emirates transpareceu leveza de espírito, convicção e confiança. Sabe-se de João Almeida, que é descontraído e simpático, mas na iminência de debutar na Volta a França, integrado numa formação recheada de estrelas com objetivos máximos de triunfo, o tom do discurso e a linguagem corporal do jovem atleta são os de quem se crê pronto e preparado a 100 por cento para enfrentar a exigente tarefa.

- Após os desempenhos e os resultados na Volta a Suíça, será correto crer que se irá estrear no Tour provavelmente na melhor forma física e anímica de sempre? Juntando, portanto, o útil ao agradável, por assim dizer.

- Na Volta à Suíça senti-me muito bem e estive muito bem. Obviamente, pelos resultados, que são muito promissores. Creio que foi excelente, enche-me de confiança também por ver os frutos do trabalho que tenho vindo a fazer, são bons indicadores. Por outro lado, o facto de ter ficado agora um ligeiramente adoentado no último dia da corrida na Suíça foi um bocadinho chato, mas à partida creio que vou ficar bem e que não fará muita diferença, penso.

- Não receia que possa ter atingido um pico de forma na Suíça e que eventualmente por isso ficou fragilizado e adoeceu? Logo agora pouco antes do Tour…

- Não, não, não! São corridas bastante duras, o sistema imunitário fica sempre em baixo, é normal de vez em quando ficarmos um pouco doentes, mas neste caso não é nada de especial, é uma constipaçãozita, que não deve fazer grande diferença.

- Como é que correu a temporada até agora? O planeamento forçosamente diferente dos anos anteriores, em que o primeiro grande objetivo, o Giro, foi mais cedo, em maio. O planeamento parece-lhe ter sido o mais correto? Sem resultados relevantes no início, depois com alguns desempenhos sólidos e a culminar com uma Volta à Suíça de grande nível.

- Sim, diria que sim. Infelizmente estive doente no início da temporada, o que me custou uma boa parte da preparação. Nessa altura, os resultados não foram os que pretendia. Mas nunca esmoreci, trabalhei sempre a fundo, a dar tudo o que tinha, para atingir o mais rápido possível a melhor forma, para tentar recuperar o que tinha perdido para os meus adversários. Acho que fizemos um excelente trabalho, trabalhei no duro, e creio que estou numa forma bastante boa, bem preparado e assim ansioso por começar o meu primeiro Tour.

Não sou líder, será diferente

- Essa convicção é de quem está consciente de que o Tour, além de ser a corrida mais prestigiada, é a mais competitiva, para a qual todos se preparam para chegar no pico de forma e a querer vencer? Exigência máxima em todos os dias, e nesta edição desde logo na primeira etapa, complicada pelo relevo do percurso e pela batalha madrugadora que se perspetiva entre corredores da classificação geral?

- Sim, exatamente, já vou preparado para isso. Tenho noção que é, como disse, é a corrida mais competitiva do calendário, e que toda a gente quer vencer pelo menos uma etapa e vestir a camisola amarela. Toda a gente quer estar bem, todas as equipas procuram ter sucesso…

… Também há o facto de que não irei como líder da equipa, o nosso líder é o [Tadej] Pogacar, por isso será um bocadinho diferente dos outros anos, em que estive no Giro com líder. Mas, pronto, vou feliz… Vou numa forma muito boa… E espero fazer uma boa corrida, estar com os homens da frente e também fazer estragos, assim como fiz na Catalunha. E alcançar um bom lugar na classificação não estará fora de hipótese, eu diria.

- Esse ‘bom lugar’, qual seria? Dependendo da sua posição na equipa, em termos de trabalho e de proteção ao líder Pogacar, o que poderá ambicionar conquistar, a nível individual, neste primeiro Tour?

- Depende também dos meus companheiros de equipa, dos adversários… É tudo um bocado relativo, das situações de corrida, e de tudo o mais… Desde que estejamos saudáveis, não adoeçamos, não haja azares, com quedas ou outros incidentes, as coisas irão dar sempre ao sítio certo.

Não há plano B

- O líder incontestado da UAE Emirates para este Tour é Tadej Pogacar, e sua vitória à geral o objetivo principal, é sabido, mas com tantos e tão bons segundas linhas na formação, já perspetivaram, no seio da equipa algum plano B?

- Não temos plano B, não falámos sequer sobre isso. O nosso líder é o Pogacar, vamos lá com a ambição de ganhar com ele, e se alguma coisa mudar será devido a azares, quedas, etc., que espero que não aconteçam. O plano da equipa é muito claro, é irmos com o Tadej para ganhar o Tour.

- E já falaram sobre a estratégia, em particular para as primeiras etapas, que são logo duras, considerando que subsistem dúvidas sobre o estado de forma daquele que é apontado como o vosso principal adversário, Jonas Vingegaard?

- A nossa estratégia vai ser a mesma, independentemente dos adversários. Independentemente de que como estes estejam, bem ao mal, temos a nossa estratégia global e está bem definida. Sobre qual será a tática nas primeiras etapas, ainda não sei, devemos conversar sobre mais perto do início, mas claro, se houver oportunidade de endurecer a corrida, iremos fazê-lo, e daremos sempre o nosso máximo para ganhar tempo aos adversários, seja na primeira etapa, seja na última.

«Quero ganhar uma grande Volta, sei que esse dia vai chegar»

- Quais sãos os adversários que destacaria como os principais?

- Vingaarde, Roglic, Evenepoel… São estes três os que podem dar mais luta. Mas poderá haver outros. Há muitos que estarão presentes, e por vezes os que normalmente são mais fortes acabam por não se apresentar na melhor forma, ou alguns que estão mais assim, na sombra da equipa, digamos, mas que também fizeram uma preparação muito boa e encontram-se num momento de forma excelente, podem surpreender. Mas lá está, nós vamos focar-nos na nossa tática, nos nossos números, e fazer a nossa corrida, e depois, a partir daí, sabermos o que fazer perante os adversários, aqueles que estarão melhores e os se estiverem piores. Também é isso que faz uma grande equipa, é saber reagir aos adversários, no momento, saber o que fazer com naturalidade. Creio que isso todos na equipa conseguimos fazer. Portanto, estamos confiantes e vamos fazer uma grande corrida. Estaremos lá para ganhar!

- Já têm tarefas atribuídas entre os corredores da equipa? Os que terão missões mais específicas na montanha, no relevo misto e nos percursos mais planos...

- Sim, claro! Desde dezembro que os nossos diretores planearam a equipa para o Tour com esse intuito. Temos o Nils [Politt] e o Tim Wellens, que vão trabalhar mais no plano, para ajudar na colocação, etc., porque nas montanhas não conseguem estar na frente connosco. Temos o [Marc] Soler, o [Pavel] Sivakov, eu, o [Juan] Ayuso e o Adam] Yates. Temos uma equipa muito forte e que é excelente em qualquer tipo de etapa, em qualquer percurso, para proteger o nosso líder, o Tadej, para fazer diferenças e fazer a corrida dura.

- Como disse, está no primeiro Tour com um objetivo prioritário de ajudar o líder da equipa a vencer. Até ver, no Tour deverá estar sempre Tadej Pogacar como candidato preferencial da equipa para visar a vitória. Não tem a ambição de um dia vencer a Volta a França?

- Um dia, sim, claramente que sim. Qualquer grande Volta, Tour, Giro ou Vuelta, uma das três. Tenho essa ambição, esse objetivo. Não é um sonho, é um objetivo, quero ganhar uma grande volta. Sei as minhas capacidades, também sei as capacidades dos adversários e sei que quando treino bem e as coisas correm bem, sei que é possível e acredito em mim próprio. E sei que um dia vai chegar. Obviamente, também depende das circunstâncias. Nesta edição, vou estar com Tadej Pogacar, que é um superciclista, se calhar o melhor de todos os tempos. E tendo-o como colega de equipa na Volta a França, claramente ele é mais forte e reconhecê-lo, sempre, e fazer tudo o que seja necessário.

Voltarei ao Tour como líder

- O que motivou a pretensão férrea de se estrear no Tour este ano, que assumiu, de forma bem explícita, após a participação no Giro de 2023?

- Fui um bocadinho de algumas coisas. Fazia a Volta a Itália há quatro anos, já quatro anos consecutivos. Não mudava o calendário, era sempre um bocadinho mais do mesmo. E este ano, independentemente de ser ou não líder da equipa, queria mudar os objetivos, fazer outras corridas. Fiz as clássicas das Ardenas, nas quais, embora tenha tido um bocado de azar com quedas, fica a experiência, a conhecimento daquelas corridas. Consegui fazer as três [Amstel Gold Race, Flèche Wallone e Liège-Bastogne-Liège], consegui fazer a Volta à Suíça, que não seria possível se tivesse feito o Giro, e que correu lindamente. É buscar outras corridas, mudar ligeiramente de ares, para não ser repetitivo. E agora, estar na Volta a França a primeira vez… não sou um ciclista que quer ir para ganhar logo à primeira participação. Prefiro ir uma vez com os meus colegas, integrar-me no trabalho coletivo, não me importo com isso. Ganho a experiência e tudo o resto. Hei-de voltar, como líder certamente, e de numa forma ainda melhor.