Conquista foi tão inesperada que não havia bandeira; Foi necessária intervenção de Pierre de Coubertin… com paninhos quentes
Paris, 27 julho de 1924.
Cidade e data inscritas em letras douradas na história do desporto português.
Foi ali, na capital francesa, há 100 anos, que a história lusa foi pela primeira vez inscrita no medalheiro olímpico.
Doze anos depois da primeira participação, em Estocolmo 1912, Portugal ganhava uma medalha, numa história que mete donativos do Presidente da República, cavalos alimentados a açúcar, atrasos na cerimónia de pódio após a recusa lusa em receber a medalha e… paninhos quentes de Pierre de Coubertin.
Tudo à boa maneira portuguesa, pois claro.
Mas comecemos pelos heróis.
Aníbal Borges de Almeida, Hélder Sousa Martins, José Mouzinho de Albuquerque e Luís Cardoso de Menezes.
Esses quatro cavaleiros foram os primeiros a representar o hipismo português em Jogos Olímpicos, numa altura em que nem sequer havia ainda Federação Equestre (foi fundada em 1927), e marcaram com uma medalha de bronze a estreia nacional.
O quarteto foi selecionado pela Sociedade Hípica Portuguesa a cinco meses da competição, e era composto por dois militares – José Mouzinho de Albuquerque e Hélder de Sousa Martins – e dois civis – Aníbal Borges e Luís Cardoso de Menezes. Os atletas tiveram apenas oito dias para se prepararem para as provas em Paris, mas só foram batidos pelas equipas da Suíça e da Suécia, na prova de obstáculos por equipas, que teve a participação de 15 países.
E a bandeira, Pierre?
Em 1924, Portugal atravessava uma grave crise económica que era agravada pelo anormal aumento do custo de vida e, naturalmente, o desporto não era a prioridade governativa. Ainda assim, a participação do país nos Jogos Olímpicos era vista como importante, numa altura em que se tentava fomentar cada vez mais a prática dos ‘sports’.
Isso percebe-se pelo facto de pela primeira vez ter sido atribuída uma verba no Orçamento do Estado para a participação olímpica, mas sobretudo pelo movimento que permitiu que a presença lusa em Paris fosse uma realidade: uma subscrição pública nacional.
E a primeira doação partiu do próprio Presidente da República, Manuel Teixeira Gomes, que entregou um donativo de 10 libras de ouro.
Manuel cresceu no meio dos cavalos a ouvir as histórias da primeira medalha olímpica portuguesa, conquistada pelo avô; agora vai ele às olimpíadas, mas quase parece… que não conta
Numa edição em que muitos dos atletas portugueses pagaram do próprio bolso as despesas inerentes à participação, os cavaleiros lusos chegaram a Paris apenas oito dias antes de entrar em prova e com os cavalos… doentes.
Aquele que ficou em pior estado com a viagem foi o Hebraico, que era montado por José Mouzinho de Albuquerque e foi alimentado apenas com açúcar e luzerna (uma erva), tendo sido proibido de comer ração durante seis dias, conforme viria a explicar o chefe de equipa, Manuel Latino.
A equipa portuguesa
Anibal Borges de Almeida – 25 anos – 5.º lugar (Reginald)
Hélder Sousa Martins – 22 anos – 12.º lugar (Avrô)
José Mouzinho de Albuquerque – 28 anos - 16.º lugar (Hebraico)
Luís Cardoso de Menezes – 22 anos – 21.º lugar (Profond)
Mas se na prova, apesar das dificuldades, as coisas correram bastante bem aos cavaleiros e aos cavalos portugueses, o mesmo já não se pode dizer daquilo que se passou após a competição.
É que no momento de subir ao pódio, os cavaleiros perceberam que não havia bandeira portuguesa. E perante esse cenário, recusaram-se a ir receber a medalha, o que fez atrasar a cerimónia.
A solução foi… improvisar. Um pano verde. Um pano vermelho, e paninhos quentes do barão Pierre de Coubertin, que falou com Manuel Latino na tribuna de honra sobre o sucedido.
Uma história que deu cor à conquista da primeira medalha olímpica portuguesa. Exatamente há 100 anos, razão pela qual o Comité Olímpico de Portugal (COP) assinala neste sábado a data com uma pequena cerimónia em Paris.