Exclusivo Ronnie a A BOLA: «Mentalizado para a hercúlea tarefa pela frente!»

Snooker Exclusivo Ronnie a A BOLA: «Mentalizado para a hercúlea tarefa pela frente!»

SNOOKER15.04.202310:01

Número um do ranking e heptacampeão mundial, o inglês Ronald Antonio O’Sullivan, de 47 anos, começa na manhã desde sábado, a partir das 10 horas, e com conclusão às 19 horas, no Mundial, diante do chinês Pang Junxu, a busca do oitavo título, e de desempatar com o escocês Stephen Hendry, também heptacampeão mundial, nos anos 90 do século XX.

Em exclusivo nacional para A BOLA, o ‘Rocket’ garante estar preparado e mentalizado para a dificuldade das duas primeiras rondas do Mundial, embora não coloque demasiada pressão sobre si próprio, como nos disse numa roda de imprensa europeia reservada a um jornalista de cada um de cinco nações promovida pelo EuroSport, para quem faz outra das coisas que o preenche e realiza: comentar o desporto que ama.

- Diversas vezes já elogiou o documentário sobre um dos seus ídolos do desporto, Michael Jordan, ‘The Last Dance’. Já defronta jogadores como Stan Moody, de 16 anos, que podiam ser seus netos. Já vimos ‘a última dança’, ou ainda tem gasolina no tanque para nos surpreender?

- Michael Jordan foi único, o maior no seu desporto. Como gosto muito, ainda de jogar, sei que sou um privilegiado por fazer o que amo, e estou bem resolvido com a vida. Mas seria triste, não certeza, não jogar. Mas agora é sem pressão: uma coisa social, diverte-me, conhecer sítios novos, onde nunca fui ou pensei ir, a estrada, os aviões… revejo-me um pouco em Jimmy White [inglês seis vezes vice-campeão mundial, que aos 60 anos ainda compete]. Adoro jogar, não me imagino sem jogar… ainda. A paixão e o entusiasmo ainda cá estão, descansem. Agora mais competitivo e menos impulsivo do que nos primeiros dias e anos da carreira, sim.

- Muito reclamou, em mais de três décadas, desde que é profissional, 1992, por os prémios monetários do circuito deverem subir, para patamares próximos do golfe e/ou ténis. Quando ganhou total de €15 M em 31 anos a jogar e vê Cristiano Ronaldo ganhar €500 M em dois anos na Arábia Saudita, o que sente, uma tremenda injustiça, ou que, afinal, é mal pago?

- Pois, é muito dinheiro [risos]. Mas não, não tenho inveja de Cristiano [sorri], fico contente, os melhores de tudo devem ser bem pagos. Penso, ao contrário, nos outros: nas pessoas normais, que todos os dias se levantam cedo, erguem a cabeça e vão trabalhar, para pagar as contas, o teto, criar os filhos e por a comida na mesa. As famílias que, pelo contrário, vivem, nos dias de hoje, situações difíceis, são em muito maior número. Longe de mim queixar-me, estou muito bem, se comparado com os demais. E além disso, repito-te, faço o que amo, o que já não sucede com muita gente na atualidade, infelizmente.

- Dia 11 de maio lança mais um livro, o seu sexto e terceiro autobiográfico, de nome ‘Unbreakable’. É como se sente a maior parte do tempo à mesa, inquebrável? Sente uma aura de invencibilidade, de ‘Super Homem’, sem 'kryptonite' que o atinja?

- Não [risos]. É um título autobiográfico. Toda a minha vida me senti desfeito, partido, por episódios pessoais conturbados. Daí a escolha recair no vocábulo. Espero que inspire outros a, como tive de fazer, recolher os cacos, recolar todos os pedaços e voltar a reerguer-me, sempre, de cabeça levantada. Aprendi e melhorei com os erros, e não os voltei a cometer: posso é ter cometido outros, mas isso faz parte da aprendizagem da vida. Porque todos somos quebráveis, todos temos de levantar a cabeça e continuar. E as minhas expetativas, e exigência para comigo mesmo já não é nem são tão altas, nem tão baixas: aprendi a que sejam realistas. Não sou tão duro e exigente comigo próprio já, como era antes.

- E a lesão no cotovelo, que o levou a desistir a do WST Classic, no último dia 19? Não vai dar para jogar no ‘top… ou já recuperou?

- Sim, estou melhor, felizmente. Fiz fisioterapia, muita! E é o Mundial, o grande torneio, que todos querem jogar, tinha de ser.

«Tenho os pés bem assentes na terra, preparado para o que aí vem»

- Ainda sente a adrenalina e o frenesim especiais do torneio que já ganhou em sete ocasiões, 2001, 2004, 2008, 2012, 2013, 2020 e 2022?

- Claro que sim! Estou muito entusiasmado, mal posso esperar pelo Mundial [olhos brilham, sorri]! Menos entusiasmado do que nos primeiros anos, nos meus primeiros Campeonatos do Mundo, mas mais preparado para a tarefa hercúlea que tenho pela frente. Dantes, estar no Mundial era meta o fim em sim mesmo, uma meta atingida; agora, tenho os pés bem assentes na Terra e estou mentalizado para o que aí vem. Hoje há 25 a 30 jogadores que podem ganhar aos melhores, não é como nos anos 90, nos anos dourados de Stephen Hendry [escocês e único heptacampeão mundial, além de Ronnie, na era moderna do snooker, no Crucible, desde 1978], em que só um, talvez dois, pudessem bater o grande jogador dessa era.

- Quer muito desempatar com Hendry e chegar a um inédito oitavo título mundial, e 40.º em provas de ranking? Repisa que não é obcecado por recordes e números, mas ‘quem desdenha quer comprar’… e luta por eles, em especial nas provas da Tripla Coroa, como ainda o Masters e o ‘UK’, como um náufrago se debate nas águas pela vida…

- Claro que adorava chegar ao oitavo [título mundial]! E ao nono, se possível… e ao décimo, depois. Mas um de cada vez [risos]. Mas mantenho as minhas opções em aberto: se ganhar dois ou três Campeonatos do Mundo, Masters ou UK Championship em cinco anos, está ótimo para mim. É assim que faço planos, nesta fase da vida: a cinco anos. Então ganhar dois ou três vezes o Mundial em cinco anos é mau? Bem, ganhei dois dos últimos três, é verdade… mas não tenho de ganhar sempre! Essa exigência já a tirei da minha cabeça, sei que não é possível. Mas também já estive sete anos sem ganhar o Mundial [2014 a 2020, ano do ‘hexa’]. É a prova de que é muito mais difícil ganhar o Mundial hoje, do que há 40, 30 ou 20 anos, há um grande lote de jogadores de grande qualidade que pode ganhar, é muito mais difícil ganhar quase tudo. Mas isso não me impediu de trabalhar no duro e voltar ao meu nível normal.

- Nos últimos 11 Campeonatos do Mundo, Bingham em 2015, Williams em 2018 e Judd Trump em 2019 foram exceções: Ronnie e Mark Selby ganharam… oito desses 11, quatro cada um, significativa hegemonia. Considera-o «grande competidor», mas é raro incluir o número 2 do ranking entre maiores rivais. Mas é?

- Claro que há que contar sempre com Mark Selby. Para este ano, nos favoritos, tenho de apontar, além de Judd Trump, [Shaun] Murphy, está em enorme momento de forma, ganhou os dois últimos torneios, Players Championship e Tour Championship, e ainda o Neil [Robertson] e Mark Allen. Há 15 anos, se ganhava aí 20 por cento dos torneios que jogava em cinco anos, contentava-me. Mas agora quero mais.

- A determinação para novo título mundial é reforçada por uma época em que, apesar das vitórias na Champion of Champions e no Hong Kong Masters, e sendo líder da hierarquia, tendo amealhado logo no início da temporada gordo pecúlio nesses dois torneios, não venceu… uma única prova pontuável para o ranking?

- Comecei a temporada de forma decente, foi fantástico ganhar a ‘Champ of Champs’, prova só para os melhores dos melhores, e depois em Hong Kong, jogar para aquelas multidões [9 mil pessoas no Coliseu, recorde mundial de assistência em snooker]. Depois, é simples: não joguei o suficiente nas provas pontuáveis para o ranking… e ainda não voltaram a realizar-se torneios na China. Jogos curtos, à melhor de sete ‘frames’ [até 4, de 4-0 a possíveis 4-3] não me entusiasmam muito, e qualquer um pode bater outro e ganhar. Como me sucedeu a mim. Joguei bem esses dois. Mas conheço-me, e sempre foi assim: se o ambiente entusiasma, os fãs empurram-te para jogares mais e melhor ainda. Esforço-me mais para os entusiasmar, transcendo-me um pouco, sim. Não é defeito, é feitio. No meu caso, adoro os adeptos, é a bancada que carrega o jogador. E o snooker é o meu ‘pão com manteiga’, rotina diária, embora vá tendo outros ‘hobbies’ e interesses, cada vez mais, à parte.

- Após época sem títulos, chega ‘esfomeado’ ao Mundial? Podemos esperar que nos surpreenda? Quando o subestimam nos favoritos, costuma ganhar…

- No Mundial, o mais difícil é passar a primeira ronda, ou as duas primeiras: se chego aos ‘quartos’, desfruto em pleno. São as mais difíceis de vencer, mas estou preparado e mentalizado para a dificuldade. Ser competitivo dá sempre mais vitórias, jogue bem ou não, tem de estar lá. Sei que consigo aguentar a pressão: estou confiante e imune à pressão. O primeiro jogo [16avos de final] é sempre o mais importante para, no fim, poder ganhar. E a segunda ronda [oitavos de final] também: mas ao fim de tantos anos aprendi que tenho de as vencer para ser campeão. Separam os homens’ dos ‘rapazes’. Ninguém consegue jogar sempre bem, mas as minhas expetativas são boas: sei que sempre serei competitivo, mesmo não jogando bem sempre, o que ninguém consegue todo o tempo.

«Hendry Steve Davis e Higgins, os maiores de todos os tempos»

Ronnie sorri quando o questionamos sobre quem é, para si, o maior de todos os tempos. «[Stephen] Hendry foi o maior na sua era, como Steve Davis antes, nos anos 80: para mim são os dois maiores de sempre, sem contar com Ray Reardon [hexacampeão mundial galês nos anos 70]. Mas tenho de incluir aí John Higgins [tetracampeão mundial, escocês] e Mark Williams [tricampeão mundial, galês]. Por esta ordem. Para mim, é assim. Mas se recuarmos a Joe Davis [inglês 15 vezes campeão mundial consecutivo, de 1927 a 1946, quando o campeão só jogava um jogo/época, defesa do título] então vemos que hoje é muito mais difícil um só jogador, seja eu ou outro, dominar: hoje, repito, há 25 a 30 capazes de bater os maiores deste tempo».

Tema quente é, também, o estado do snooker e a mancha da alegada manipulação de resultados de que foram acusados dez chineses - que se irão defender numa comissão independente, em audiência, no dia 24 - além dos prémios de provas, que não ‘descolam’ para maiores montantes, além de a China continua muito cética a voltar a organizar torneios pós pandemia Covid-19.

Ronnie foi muito crítico da World Snooker, sobre a falta de provas e de aumento dos prémios de provas, e recebeu como troco do ‘Chairman’ da organização, Steve Dawson, e do presidente da Associação dos Jogadores Profissionais, Shaun Murphy, que em vez de entrevistas «vá às reuniões» realizadas entre as partes. «Não contem comigo para isso, tenho mais o que fazer na vida. Espero que consigam melhorar o nível do nosso desporto para o que desejo. Essa não é a minha função».

Quanto ao escândalo dos alegados resultados manipulados, que levou a World Snooker a suspender preventivamente e acusar dez profissionais, todos chineses, por alegado benefício próprio ou de outrem nas apostas, é uma mancha que Ronnie sabe ter conspurcado o desporto que elevou como poucos. Dia 24, os acusados vão defender-se ante Comissão Independente.

 «Espero que tudo se apure, o snooker tem de ultrapassar isto, como o golfe, o ténis e outras modalidades em que houve escândalos assim ultrapassaram. Espero que Zhao [Xintong] volte, é meu amigo e grande talento; os outros, não os conheço. Não gostava que perdessem as carreiras», concluiu.

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