Estado Novo: a barreira política e mental no desporto feminino
Futebol foi dos desportos femininos que mais se desenvolveu em Portugal desde o 25 de abril (IMAGO)

Estado Novo: a barreira política e mental no desporto feminino

MAIS DESPORTO24.04.202410:15

Tradicionalmente separadas dos rapazes, incontáveis foram as raparigas que não seguiram a veia desportiva por questões sociais, estruturais ou culturais, durante o regime salazarista. Mas alguns dos destes problemas marcantes dessa época continuam presentes na atualidade

António Gomes Ferreira refere no seu texto - “O ensino da Educação Física em Portugal durante o Estado Novo” - que só era permitido às crianças de todas as idades praticarem desporto em conjunto até aos 10 anos, altura em que era desincentivado às raparigas continuarem por esse caminho, devido a uma «prevalência moral conservadora».

Hoje, é impossível avaliar as consequências que essa atitude teve no desenvolvimento do desporto feminino, mas tal nem é a questão mais relevante para o Presidente da Sociedade Portuguesa de Educação Física, Nuno Ferro: «Isto teve mais impacto na perspetiva cultural. Elas podiam praticar desporto, mas muitas coisas eram mal vistas. Havia vários preceitos morais que faziam com que o papel da mulher não fosse encarado da maneira que é nos nossos dias.»

As mulheres que ainda seguiam o sonho desportivo eram rotuladas de «marias rapazes», como indica Luís Bom, professor e investigador universitário, uma vez que as barreiras que enfrentavam não eram fruto do acaso: «Era a missão de inibição, de contrariar a plena expressão da prática desportiva das raparigas que não correspondiam ao estereótipo de mulher caseira.»

Nuno Fialho, vice-presidente do Conselho Nacional das Associações de Professores de Educação Física, salienta ainda que este aspeto não concerne só o desporto e que é «um bom exemplo de como o papel da mulher na sociedade ainda não é valorizado».

De facto, as jovens mulheres desistem do desporto mais cedo e com maior frequência do que os homens, como indicam tanto Ferro como Fialho. «Há uma dimensão cultural que não está resolvida entre todos. As mulheres abandonam o desporto muito mais precocemente e isso faz com que não tenham uma continuidade desportiva», indica o primeiro, ao que o segundo acrescenta: «Na entrada do secundário é onde há maior queda nos exercícios dos jovens, que é ainda maior nas raparigas. É necessário mudar essa mentalidade.»

No entanto, os três entrevistados por A BOLA não têm dúvidas, já que todos concordam que a diferença da realidade atual para a do Estado Novo, neste aspeto, é enorme. Não existem entraves estruturais às desportistas… mas sociais sim.

«Ainda hoje há alguns impedimentos nalguns meios, uma mulher desportista não é das coisas mais reconhecidas. Há um certo clima que marca alguns estratos sociais», explica Nuno Ferro.

Claro que, com o desporto feminino a merecer pouca ou nenhuma atenção durante o Estado Novo, várias modalidades neste género só se começaram a desenvolver nos últimos 50 anos – e com algum grau de sucesso, mas ainda é necessária uma aposta maior no desporto feminino.

«Apesar de o futebol e o futsal terem números interessantes, é preciso incentivos extra para haver maior adesão e permanência nessas e noutras modalidades», afirma Fialho, ao que Ferro completa: «Ainda há um caminho a fazer.»

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