Até já, Telma Monteiro!
A miúda que chegou tarde aos tatamis, com uma bola de futebol debaixo do braço, anunciou o ponto final na carreira após conquistar 94 pódios, sendo a primeira judoca portuguesa a ganhar uma medalha olímpica
Desde que a menina de Almada pisou pela primeira vez o tatami, ainda com a bola de futebol, que tanto gostava, colada aos pés, passaram 24 anos. Foi pela mão da irmã Ana que chegou ao judo, demasiado tarde diziam alguns entendidos.
Porém, aos 14 anos, Telma sabia que dessa janela podia espreitar o mundo que sonhava conhecer e que ficava muito para lá do bairro social onde cresceu.
Não demorou a surpreender toda a gente. E começou a ganhar. E a ganhar. E a ganhar. Ganhou tanto que rapidamente percebeu que esta era uma das melhores formas de viajar. O que nunca imaginou, provavelmente, foi que essas viagens pelos diferentes países se tornassem praticamente numa volta ao Mundo recheada de sucessos.
Uma volta ao Mundo que durou mais de duas décadas, distribuídas por milhares de quilómetros numa aventura que nem sempre foi fácil.
Das pedras que lhe apareceram fez, como diz o ditado, o muro que a protegeu ao longo destes anos e que subiu até chegar ao lugar mais alto, tornando-se a maior referência nacional do judo. Ontem, anunciou o ponto final na carreira de atleta e recebeu palmas e vénias.
Termino a carreira como queria, com a sensação que dei tudo o que tinha de dar, e foi como tinha de ser. Uma gratidão eterna
«As mulheres choram muito… Acho que toda a gente chora, os fortes também choram. Talvez agora não chore por todas as lágrimas que já chorei antes. Foram 24 anos muito especiais, 17 anos também de Benfica numa história também muito especial que me orgulha e honra muito. Neste momento penso em todas as pessoas que contribuíram para a minha carreira, todas as pessoas que viveram comigo cada ippon, cada vitória, cada derrota, cada queda, cada vez que celebrei ou que não consegui celebrar o que queria», contou no site do Benfica, clube que representou nos últimos 17 anos e ao qual vai continuar ligada como coordenadora da judo encarnado.
Seria preciso um daqueles dicionários à moda antiga para escrever as centenas de histórias que Telma leva da vida de atleta. Afinal, conquistou 94 medalhas!
Entre os tantos títulos que fizeram dela a melhor judoca portuguesa de todos os tempos, na memória de todos ficará sempre a forma como celebrou a conquista da medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, com uma explosão de alegria não deixou ninguém indiferente.
Mas este foi só um dos muitos momentos marcantes da sua carreia, ao qual se somam cinco medalhas em Campeonatos do Mundo [quatro de prata e uma de bronze], 15 em Europeus [seis de ouro, duas de prata e sete de bronze], o que faz dela a melhor atleta de sempre em Europeus. A este currículo é preciso ainda juntar um ouro e um bronze individuais, além da prata por equipas, em Jogos Europeus.
Ao todo, a judoca, que celebra 39 anos este mês, subiu 42 vezes ao lugar mais alto do pódio [22 vezes foi segunda classificada e por 30 vezes terceira]. Pódios distribuídos pelos principais palcos da modalidade: Jogos, Mundiais, Europeus, Grand Slams, Grand Prix, Taças do Mundo e Taças da Europa.
A miúda do carrapito ao lado, que se tornou imagem de marca, esteve em cinco Jogos e só com uma coragem e determinação peculiares conseguiria reinventar-se tantas vezes. Começou nos -52 kg, foi obrigada a subir para os -57kg, teve de mudar a maneira de combater quando mudaram as regras da modalidade, teve lesões graves nos joelhos, cotovelos, ombros e pelo caminho ainda perdeu um dos seus maiores apoios, o selecionador António Matias.
Foram tantas as batalhas que travou que, quando a 8 de agosto de 2016, gritou: «Eu vim para ficar!» Ninguém duvidou de que sairia dos Jogos do Rio com o bronze. Havia apenas uma adversária entre ela e a medalha que lhe fugia desde os 18 anos [Atenas-2004]. Agora, com 30, operada há seis meses, seria capaz? Claro que foi. «Provei que vale a pena não desistir dos nossos sonhos. Persigo esta medalha há 12 anos. Não interessa a idade, não interessa o tempo que temos de esperar, o mais importante é não desistir», disse naquele fim de tarde no Brasil.
Telma Monteiro não se despediu do judo, Telma Monteiro vai continuar, por certo, a escrever mais umas quantas páginas de ouro da modalidade. Até já!