Ver e não perceber custou dois pontos: a crónica do Moreirense-Benfica
Roger Schmidt insiste numa fórmula sem presença na área, o que mostra que ao fim de ano e meio ainda não percebeu a nossa Liga
Sem querer faltar ao respeito ao Moreirense, que se organizou primorosamente na defesa e nunca deixou de espreitar o contra-ataque, maximizando os trunfos de que dispunha, não faz o mínimo sentido que o Benfica tenha abordado o jogo de Moreira de Cónegos com o mesmo desenho tático usado em San Siro, ou mesmo nos duelos que já teve com Sporting e FC Porto.
O que aconteceu aos encarnados em casa frente ao Casa Pia, repetiu-se agora no Minho, e voltará a acontecer, noutro campo qualquer, se os campeões nacionais não admitirem que é muito mais difícil ultrapassar defesas muito bem povoadas com ataques de papel, sem presença na área.
Roger Schmidt, que não chegou ontem ao futebol português, tem feito finca-pé em recusar a utilização, em casos onde sabe de antemão que vai enfrentar esquemas defensivos preparados por treinadores que são mestres na matéria - porque só assim, ao longo dos tempos, têm conseguido maquilhar as diferenças exorbitantes de meios entre as suas equipas e as que possuem argumentos muito superiores - que contemplem maior presença na área e que se baseiem em algo mais do que um futebol redondo, que cria pouco perigo, e permite que os adversários nunca entrem naquele tipo de exaustão física e mental que acaba por derrotá-los.
Há que dizer que o Benfica foi mais do mesmo, podia ter ganho como podia ter perdido e acabou a empatar, sem nunca ter dado a impressão de ter esgotado todos os argumentos que tinha à disposição para regressar à Luz com os três pontos.
Treinador congelado
Na noite fria de Moreira de Cónegos, o que fez Roger Schmidt para ajudar a sua equipa a ganhar o jogo? Muito pouco, para não dizer, nada: na segunda parte trocou Florentino e João Neves por Kokçu e Chiquinho e se ainda é possível encontrar algum racional na primeira substituição, a segunda pouco sentido teve, porque a dinâmica de Neves podia ter ajudado a aumentar a pressão sobre o adversário; a seguir, troca por troca, sem um mínimo de audácia, saiu Tengstedt e entrou Arthur Cabral; e foi preciso esperar até aos 88 minutos para Gonçalo Guedes ir a jogo, para agitar a frente de ataque, ficando Musa, o mais panzer dos avançados do Benfica, sem sair do banco. Haverá dúvidas de que os encarnados ficaram longe de esgotar os trunfos de que dispunham?
Moreirense agradecido
Enquanto isso, o Moreirense, que até dispôs da melhor ocasião de golo da partida quando, aos 12 minutos, Madson fez a bola embater com estrondo na trave da baliza de Trubin, foi cuidando de se resguardar, primeiro com Ponck (68) que acabou na prática como terceiro central,. e depois (84), refrescando o meio-campo e tornando-o capaz de dificultar as saídas de bola organizadas do Benfica. Rui Borges inventou a pólvora?_Não. Limitou-se a usar com mestria as cartas que tinha na mão, e agradeceu que a inépcia do Benfica tenha redundada não só num nulo, como também em apenas uns quantos remates encarnados com algum perigo, sem que Kewin tivesse de vestir a capa de Super-Homem. Foi poucochinho este Benfica, onde Di María voltou a deixar defensivamente a direita desguarnecida, e apenas procurou ser mais interventivo no troço final, em iniciativas nunca verticais, mas sempre horizontais, como se estivesse (e estava) à procura de algum colega na área a quem pudesse endereçar a bola, e só visse (como viu) camisolas aos quadrados verdes-e-brancos.
A partida de Moreira de Cónegos foi exemplar para explicar o que tem sido a segunda época de Schmidt no Benfica: apesar de ter perdido Ramos, que garantia pressão alta; apesar de ter perdido Grimaldo, desbloqueador do ataque, e rei da meia-distância e das bolas paradas; e apesar de ter Di María, que joga como um Angel mas não defende; quer jogar da mesma forma que fez em 2022/23. Ou percebe isto, que com os jogadores de 2023/24 a fórmula não pode ser a mesma, ou o caso vai ficar mal parado...