«Trubin é muito explosivo para a estatura que tem»
Anatoliy Trubin celebrando um dos muitos bons momentos conseguidos de águia ao peito (Foto: GEPA pictures/IMAGO)
Foto: IMAGO

«Trubin é muito explosivo para a estatura que tem»

NACIONAL21.02.202408:30

Análise de Beto ao guarda-redes ucraniano que já bateu o recorde de penáltis defendidos na Liga pelo Benfica numa só época; entrevista sobre uma arte que é, na verdade, «um instinto»

António Alberto Bastos Pimparel, mais conhecido por Beto, foi um especialista na arte de defender penáltis. Numa noite fria de janeiro de 2010, frente ao Belenenses, parou sete remates dos onze metros, mas na memória dos encarnados estão as grandes penalidades travadas pelo antigo internacional português ao serviço do Sevilha na final da Liga Europa diante do Benfica, há quase dez anos (14 de maio de 2014), o que ajudou a levar o troféu mais uma vez para a Andaluzia. Ninguém melhor que ele para analisar a mais recente arma que as águias dispõem na atualidade: ao parar o remate de Essende, do Vizela, Trubin foi o primeiro guarda-redes da história do clube a parar três penáltis na mesma edição da Liga, superando Vlachodimos, Ederson, Enke e Manuel Bento, cujo máximo foram dois. Não foi por acaso. «Ele é muito feroz», diz o verdugo de Turim dos encarnados.

- Como vê a forma como os guarda-redes enfrentam atualmente os penáltis, com a obrigação de terem pelo menos um pé em cima da linha de golo, e qual o motivo de uns terem mais sucesso que outros?

- Não é de hoje, mas quando se diz que um guarda-redes defende um penálti é porque há demérito de quem marca e não o mérito de quem o defende. Eu digo obviamente o contrário: o grande mérito é do guarda-redes porque hoje em dia os guardiões estão ainda menos protegidos por regras que limitam a sua ação, como o facto de terem de estar pelo menos com um pé em cima da linha de golo, diminuindo o tempo de reação. Não há grande segredo para o sucesso, é um conjunto de causas: tem de haver trabalho físico muito intenso e um estudo dos adversários, mas o instinto é o que prevalece naquele milésimo de segundo. Os guarda-redes têm toda a informação ao seu dispor mas na hora da verdade muitas vezes esquecem tudo o que estudaram e tomam outra decisão. Foi isso que me levou a defender tantos penáltis na minha carreira: o instinto da hora. 

- A expressão corporal do marcador do penálti conta para acionar o instinto do guarda-redes?

- Há muitos estudos que dizem que se o braço do batedor estiver muito aberto ele não vai bater cruzado, mas isso não conta muito. É como aqueles grafismos que colocam nas televisões antes de um jogador bater um penálti: ele pode colocar a bola mais vezes para o lado direito, mas se fizer um remate para a direção contrária essa estatística já nada conta. Isto no fundo resume-se a duas decisões: a do batedor e a do guarda-redes. É puro instinto.

Beto erguendo a bandeira portuguesa depois de conquistar a Liga Europa em 2014, pelo Sevilha (Foto: Paulo Esteves/ASF)

- Para o guarda-redes é preferível ter um batedor que não olha para o guarda-redes ou aquele que fica à espera de uma reação do guardião?

- Quando o jogador não olha para o guarda-redes e só está a olhar para a bola significa que está muito focado e já tomou uma decisão e escolheu o lado antes de partir para a bola. E depois há aquele jogador que prefere o jogo psicológico de confrontar o guarda-redes e decidir abrir ou fechar o pé consoante a movimentação dele. Quem faz isso de forma exímia é Bruno Fernandes, o que deixa sempre os guarda-redes confusos, alguns pregados ao chão, uns até nem se mexem, outros ficam de joelhos a meio da baliza. Do momento em que a bola é batida até chegar à baliza não passa sequer um segundo, a posição do guarda-redes é muito desfavorável, é sempre o mais prejudicado, mas uma coisa é um jogador ter pela frente um guarda-redes de 1,83 metros como eu tenho e outra um guarda-redes de dois metros.

Ele tem um instinto muito forte, ele acredita que vai mesmo defender

- É o caso de Trubin, que tem 1,99 metros. Considera-o um especialista a defender penáltis?

- Sem dúvida. Ele é muito explosivo para a estatura que tem. Não é normal que um guarda-redes com aquela altura tenha tanta explosão. Trubin tem uma capacidade reativa muito elevada e possui um instinto muito feroz. Se a bola for para o lado onde ele vai, é muito difícil que seja golo, a não ser que seja aquele remate para a parte interior da malha lateral, ou que bata no poste e entre. Em tudo isto há a parte física, a parte do estudo, a matemática, mas ele tem um instinto muito forte, ele acredita que vai mesmo defender. Eu defendi muitos penáltis na minha carreira porque acreditava mesmo que era capaz. Há guarda-redes para quem não defender pouco importa porque aconteça o que acontecer o trabalho dele está feito e pouco tem a perder, mas eu acreditava sempre e nota-se que o Trubin também acredita muito. O penálti que ele defendeu frente ao Vizela é muito mérito dele e pouco demérito do avançado [Essende], porque a bola foi bem colocada. Ele tem muita explosão, é muito feroz na forma de se atirar para a bola. 

- Você defendeu muitos penáltis, inclusive ganhou títulos contra o Benfica, como aquela final da Liga Europa pelo Sevilha, percebe-se que se recorda bem de todos os detalhes…

- Tive essa felicidade, sim. Ajudei a ganhar muitos troféus na defesa de penáltis, essa contra o Benfica é marcante, claro, mas também me lembro de num jogo frente ao Belenenses no Restelo, ao serviço do FC Porto, ter defendido sete penáltis, naquela célebre eliminatória que bateu o recorde de penáltis em Portugal. Foram marcados 30 e vencemos o jogo [2-2 no final dos 120 minutos, 10-9 para os dragões, a 20 de janeiro de 2010, oitavos de final].

Momento em que Beto, ao serviço do Sevilha, defende o penálti de Rodrigo na final da Liga Europa, em 2014 (Foto: Paulo Esteves/ASF)
Beto prepara-se para defender um penálti na mais longa série de grandes penalidades registada no futebol português: 30! (Foto: Rui Raimundo/ASF)

- Além de os guarda-redes terem de estar com pelo menos um pé em cima da linha, agora também não podem fazer qualquer gesto para distrair o batedor, para impedir iniciativas como as do argentino Emiliano Martínez…

- O que ele fazia é um exagero, concordo, mas a verdade é que cada vez mais as leis dificultam os guarda-redes.

- Mas por outro lado há a sensação empírica, mas ainda não suportada em números, de que os guarda-redes estão a defender mais penáltis. Concorda?

- Concordo. Falando com muitos jogadores, eles transmitem-me que estão a ficar mais oprimidos na hora de marcar penáltis. É uma conquista dos guarda-redes. Basta que um determinado guardião comece a ter uma taxa de sucesso para que os jogadores se sintam mais desconfortáveis. As balizas não ficaram mais pequenas, as bolas são melhores, a relva é melhor, portanto a justificação para isso não é técnica, tem acima de tudo a ver com o aspeto psicológico. É como se eles tivessem aquele diabinho no ombro a dizer que podem falhar o penálti. Isto é o que eu posso exprimir, ouvindo os relatos de muitos jogadores no ativo.

Imagem de segurança transmitida pelo guardião ucraniano de 22 anos (Foto: Maciej Rogowski/IMAGO)

- Pegando nesse raciocínio, tendo uma taxa de sucesso de 66 por cento de defesa de penáltis na Liga, cada vez que um jogador defrontar Trubin na marca dos onze metros pode sentir esse condicionamento em dose mais elevada?

- Sem dúvida. Saber que Trubin defendeu os últimos três penáltis em quatro ou cinco deixa um peso maior no subconsciente de quem vai bater a próxima grande penalidade. Quando defrontam Trubin e avançam para a bola, os jogadores começam a pensar que podem falhar. Repito: Trubin é muito feroz e isso faz toda a diferença.