Sunderland-Newcastle: Rivalidade apaixonante tem novo capítulo após oito anos
Lee Cattermole, do Sunderland, desentende-se com Joey Barton, do Newcastle, num dérbi de Tyne-Wear em 2011 (IMAGO)

Sunderland-Newcastle: Rivalidade apaixonante tem novo capítulo após oito anos

INTERNACIONAL05.01.202420:37

É difícil encontrar em Inglaterra um duelo tão distinto como aquele que é protagonizada no norte do país, entre ‘black cats’ e ‘magpies’. Este confronto é uma raridade nos dias de hoje, mas a magia da Taça reanimou um jogo que é sempre disputado com as emoções à flor da pele

Quando foram sorteados os jogos da 3.ª ronda da Taça de Inglaterra, a maior parte das atenções foi para o duelo entre Arsenal e Liverpool. Mas a sorte também ditou um encontro entre dois clubes inimigos cujos caminhos não se cruzavam há quase uma década.

Foi em março de 2016 que Newcastle e Sunderland protagonizaram o dérbi de Tyne-Wear pela última vez, na altura num jogo para a Premier League que ficou empatado (1-1). Desde então, ambos passaram por descidas de divisão, recuperações, mudanças estruturais, novos donos e reinvenções.  

No entanto, algo que certamente não mudou foi a aversão que os adeptos dos dois clubes têm uns pelos outros. Afinal, este trata-se de um dos dérbis mais entusiásticos do futebol inglês, apesar de ser protagonizado por dois emblemas que se habituaram a lutar pela sobrevivência, ao invés da glória. 

Choro, nervos e poças de água

Newcastle e Sunderland estão longe de serem os clubes mais conhecidos em Inglaterra. Há mais de 50 anos que nenhum celebra um campeonato ou uma taça local, têm pouca (ou nenhuma) expressão europeia e já desceram de divisão por várias vezes, inclusive recentemente. No entanto, protagonizam uma rivalidade que é das mais acesas e ao mesmo tempo cativantes do futebol inglês.

É o tipo de rivalidade que faz Jermain Defoe, um avançado que fez 324 golos na sua carreira, ficar sobrecarregado de emoção e chorar de alegria ao marcar um golaço pelo Sunderland contra o rival.

É o tipo de rivalidade que faz Alan Shearer, o melhor marcador da história da Premier League (e do Newcastle), um jogador que esteve na meia-final de um Mundial e que se tornou num especialista na marcação de penáltis, descrever desta forma, ao The Athletic, o momento em que se preparava para bater um castigo máximo contra o Sunderland: «Foram os maiores nervos que alguma vez senti.»

É o tipo de rivalidade que, ao ser jogada sob uma chuva torrencial em 1993, faz com que o treinador-jogador do Sunderland, Terry Butcher, empurre um adversário para dentro de uma poça de água que se formara entre o relvado e a bancada. «Esmaguei-o por completo, dei-lhe um golpe na coxa e quase que o afoguei numa enorme poça de água», disse Butcher no podcast Wise Man Say Sunderland

É, no fundo, uma rivalidade fervorosa, geográfica (os estádios das equipas estão separados por 20km), com adeptos extremamente apaixonados pelo emblema que apoiam e que se mantiveram ao lado dos seus respetivos clubes por muito mais pontos baixos do que altos ao longo das histórias de cada.

Glória distante, paixão constante

Apesar do desdém que existe entre os dois emblemas, estes apresentam algumas semelhanças entre si, começando pelo número de troféus que já conquistaram: 16 para o Sunderland e 17 para o Newcastle. A equipa vermelho-e-branca tem vantagem no número de ligas inglesas (seis contra quatro), mas o Newcastle já conquistou duas provas europeias, ainda que ambas hoje já não existam, a Taça Intertoto e a Taça das Cidades com Feiras. 

No entanto, em solo nacional, já mais de 100 anos se passaram desde que os dois clubes eram dominantes em Inglaterra, e a última vez que algum deles ganhou uma das principais provas do país (liga ou taça) foi o Sunderland em 1973, quando venceu a sua segunda Taça de Inglaterra (numa época em que até disputou a 2.ª divisão). 

A equipa jogou na temporada seguinte a Taça das Taças (onde foi eliminada pelo Sporting), sendo essa a sua única participação numa prova europeia, um campo onde o Newcastle tem muito mais experiência, não tivesse inclusive participado na Liga dos Campeões, pela terceira vez na sua história, esta época. Para além disso, tem ainda outras oito participações na Liga Europa.

Dan Burn marca um golo na vitória do Newcastle sobre o PSG, na Liga dos Campeões desta época (IMAGO)

São, de resto, clubes habituados ao sofrimento, a descidas de divisão e, no geral, a terem mais desilusões do que troféus conquistados. 

O Sunderland passou recentemente pela pior fase da sua história ao disputar a League One (3.º escalão inglês) por quatro épocas consecutivas (entre 2018 e 2022), uma queda que foi acompanhada de perto pelas câmaras da Netflix, que a documentaram na aclamada série Sunderland ‘Til I Die (Sunderland Até Morrer). Essa série acabou por revelar o caos que se viveu no topo do clube, com o antigo dono Ellis Short a vender o clube a Stewart Donald em 2018, só para este fazer o mesmo apenas dois anos depois.

Desde então, o dono do Sunderland é Kyril Louis-Dreyfus, francês de 26 anos e descendente da família Louis-Dreyfus, que possui empresa mercantil envolvida na agricultura e que é multimilionária. 

Kyril Louis-Dreyfus, atual dono do Sunderland (IMAGO)

Estas mudanças de dono claramente prejudicaram o desenvolvimento do clube, tendo o mesmo apenas regressado na época passada ao Championship. Mas o mesmo não se pode dizer do Newcastle.

Fãs do Newcastle celebram a compra do clube pelo fundo saudita (IMAGO)

O Fundo de Investimento Público (PIF) da Arábia Saudita comprou 80% do clube em 2021 por 480 milhões de euros, segundo o The Telegraph. Desde então, os magpies já gastaram mais de 450 milhões de euros na contratação de jogadores, conseguiram a sua melhor classicação na Premier League (4.º) em 20 anos e regressaram à Liga dos Campeões. Tudo isto ocorreu enquanto o Sunderland teve de lutar (e muito) para chegar ao Champioship.

Por isso é que os black cats estão entusiasmados com a perspetiva de encontrarem de novo os seus rivais. No entanto, o contexto atual pouco os favorece.

Quem vence no sábado?

O plantel atual do Sunderland custou cerca de 11,5 milhões de euros a ser montado e os encargos salariais do clube são de 8 milhões de euros por época – sensivelmente o mesmo salário do médio do Newcastle Bruno Guimarães.

A realidade atual de cada clube é pouco comparável, sendo que o Sunderland poderá beneficiar de jogar em sua casa – curiosamente chamado Estádio da Luz – e de ter um registo recente muito positivo frente ao Newcastle, já que não perde há nove jogos com a equipa da Premier League, sendo que pelo meio venceu seis duelos consecutivos – um máximo para qualquer clube na história deste confronto. A última vez que o Newcastle venceu o Sunderland já foi em 2011.

De resto, o frente-a-frente entre as duas equipas é extremamente equilibrado: 53 vitórias dos magpies, 52 dos black cats e ainda 50 empates pelo meio.

Resta agora saber se, este sábado, o Sunderland, que está a lutar pela subida à Premier League, será um tomba-gigantes e aproveitará a extensa lista de jogadores lesionados do adversário, ou se o Newcastle confirmará o seu favoritismo, apesar de apenas ter uma vitória nos seus últimos oito encontros.