Sporting: Rúben Amorim, Hugo Viana, Benfica e a quebra com as claques… tudo o que disse Frederico Varandas

NACIONAL20.10.202423:15

Em entrevista à RTP, o presidente dos leões abordou todos os temas da atualidade leonina e do futebol português. Os elogios ao treinador, a saída do diretor-desportivo para o Manchester City, o caso dos e-mails, nada ficou por responder

– Vamos olhar pelo retrovisor da memória e olhar para 2018, 2019: quais foram aquelas duas/três medidas decisivas no arranque para que o Sporting não morresse?

– Resumia essas três medidas a uma só: fazer o que era necessário fazer pelo clube. Não pensarmos em nós, Direção e administração, e pensarmos o que era, de facto, necessário fazer pelo clube. E isso foram ‘n’ medidas.

– Mas o clube estava no caos.

 – Sim. Utilizou o termo refundação, eu não sei se é também demasiado forte, mas de facto hoje vivemos uma fase que eu em 45 anos nunca vivi e pessoas mais velhas também têm dificuldade em se lembrar. E de facto estamos, por factos, falando nos últimos quatro anos, com dois títulos nacionais, várias taças, nos últimos cinco anos quatro vezes o clube deu lucro, o único ano que não deu lucro foi em ano de Covid, recuperámos o clube financeiramente, recuperámos e garantimos a maioria do capital da SAD, reforçando em 88%, investimos e requalificámos no património, no nosso património, estádio e academia, como nunca antes, e temos o maior número de sócios de sempre, com quotas em dia, e hoje, para este estádio, mais de 8 mil pessoas em espera para adquirir um lugar. Por isso, de facto, lembrando o ponto de partida e pensando que apenas passaram seis anos, o trabalho da minha equipa é extraordinário.

– Ainda se lembra como é que era contratar um jogador em 2018 e 2019, ou como passou a ser, não diria só esta época, mas desde 2022, 2023?

– Relembro-me bem que para fechar o Nuno Santos, estamos a falar de um valor de 3,5 milhões de euros, à data, foram quase cinco dias para fechar o negócio e onde o Rio Ave, e o seu o presidente da altura, exigia garantias do pagamento do IVA… isto é para as pessoas perceberem a credibilidade que o Sporting tinha, aliás, que não tinha à data, e a dificuldade que tínhamos só para contratar um jogador de 3,5 milhões de euros. Foi um percurso a chegar até hoje, até 20, foi um longo percurso.

O PAPEL DE RÚBEN AMORIM

– E contratar Rubén Amorim foi a decisão mais marcante da sua presidência? Foi um ato racional ou foi uma loucura?

– Foi um ato 100 por cento racional. E quando muito se elogia Rubén Amorim também muito se critica o que estava para trás e hoje já estamos com quase seis anos de distanciamento dessa fase, posso dizê-lo…

– Mas hoje é fácil aplaudir, o que eu digo é: era um treinador com enorme potencial, não era um consagrado e era preciso pagar 10 milhões…

– Posso dizer aqui, sem qualquer problema: Leonardo Jardim, Abel Ferreira, Rui Jorge, Quique Setién, Unai Emery, com quem o Viana tinha uma ótima relação, todos, por diferentes razões, agradeceram, mas não queriam vir. E a verdade é que, estamos a falar nisso de 2018 a 2020, e de facto, em 2020, quando desponta Rubén Amorim, e temos, do ponto de vista racional a decisão mais acertada no nosso entendimento, Rubén Amorim não hesitou, ao contrário dos outros. E aí eu também tenho de reconhecer a coragem de um jovem treinador, que viria, teoricamente, para um cemitério de treinadores.

Rúben Amorim em sintonia com Varandas (MIGUEL NUNES)

– A dupla Frederico Varandas/Rubén Amorim, em 2024, representa no futebol português o que representou a dupla Pinto da Costa/José Maria Pedroto no final dos anos 70 começo dos anos 80?

– Sabe, um dos exercícios que faço para mim mesmo, desde que sou presidente do Sporting, é ligar muito pouco ao que dizem de mim. Já fui insultado de tudo, durmo bem com isso, mas, de facto, essa comparação com o senhor Pinto da Costa/José Maria Pedroto se calhar é a um nível mais difícil de superar. Não por falta de inteligência, não por falta de competência, não por astúcia, mas sim por uma razão muito simples, do meu ponto de vista, e não quero magoar ninguém: para mim, toda a competência que uma pessoa possa ter, toda a inteligência, vale zero, para mim é uma fraude se não for alicerçada em valores e na ética. E por isso, para mim, seria na minha conceção de ser, horrível se eu fosse comparado a esse presidente. Em relação à comparação Rubén Amorim/Pedroto, isso não me diz, isso é mais para o Rubén Amorim responder.

– Estamos a falar de Rubén Amorim e se no final da época tiver de perder um de dois e esses dois forem Rubén Amorim ou Gyokeres, o que é que prefere?

– Sabe que uma das maravilhas de ser adepto e sócio é poder desfrutar o presente, é o papel deles. Eu não desfruto o presente.

– Porque tem de pensar no futuro…

– O nosso papel enquanto administradores é estar a viver no futuro e eu, quando estou a viver no futuro, estou já há vários anos preparado para, se aquela peça sair, que peça é que vai entrar. Com uma garantia para mim, a qualidade do processo de trabalho interno tem de se manter. Por isso, quando é que vou perder Rubén Amorim, se é este ano, se é para o próximo… ouço essa pergunta há mais de quatro anos, o que para mim, e acho que isto devia orgulhar todos os sportinguistas e até para toda a comunicação social, é questionar como é que um dos melhores treinadores do mundo está há 5 anos no Sporting, isso é que é fantástico.

– Não respondendo, continua a dizer-me que é a peça principal das suas peças todas, Rubén Amorim?

– O treinador, numa estrutura onde todas as peças são importantes, é a peça mais importante daquela estrutura, é a minha conceção.

O FUTURO DE GYOKERES

– É impossível Gyokeres sair no mercado de inverno?

– Eu diria que é muito, muito, muito difícil. Impossível não há na vida, agora eu diria que é muito, muito, muito difícil.

Varandas apresentou Gyokeres no verão de 2023 (SPORTING CP)

– Mas quanto mais golos marcar, mais próximo pode estar de sair, não é?

– Já marcou muitos, continua a marcar, seria muito, muito, muito difícil, muito difícil.

HUGO VIANA NO CITY

– E terá mais força o Frederico Varandas a segurar Rubén Amorim ou o Hugo Viana a convencê-lo a ir para o City? Isto não será um triângulo amoroso, mas será um triângulo que foi importante para o sucesso recente do Sporting, não é?

– Foi um triângulo fundamental para o crescimento e para o retomar do verdadeiro Sporting, isto é história, ficará para sempre. Rubén Amorim e Hugo Viana foram fundamentais neste arranque. Obviamente o Hugo Viana é o assunto do momento. O Hugo Viana, obviamente, e aqui do ponto de vista pessoal, merece tudo, não só do ponto de vista profissional, da parte humana. Provavelmente a par do Real Madrid, vai para um dos clubes mais poderosos do mundo, algo que nunca aconteceu em Portugal, um dirigente português a ir para o patamar máximo dos máximos. Isso é mérito dele. Mas também é muito mérito de como o Sporting é visto lá fora. E muitas vezes cá em Portugal há muita trica, aquela telenovela, mas lá fora os clubes bem organizados, os clubes vencedores, olham e veem um clube que se reinventou, veem um clube que dá lucro financeiro e veem um clube que ganha títulos e que valoriza seus ativos. Por isso, obviamente, este é o patamar de excelência que o Sporting é visto lá fora. E para nós Sporting é muito importante que o Hugo Viana tenha sucesso no Manchester City, porque é isso que nós queremos, ser vistos lá fora desta maneira.

– A resposta foi interessante mas não respondeu à minha pergunta.

– Qual?

– O Rúben Amorim será mais facilmente convencido por si a continuar ou mais facilmente convencido pelo Hugo Viana a voar para o norte da Inglaterra?

– Hoje temos uma relação de amizade, os três. Hoje é um facto que Rúben Amorim tem contrato com o Sporting até 2026 e hoje é um facto que o Hugo Viana, para o ano, será o diretor desportivo do Manchester City. Amizades, amizades, com os à parte. O caminho segue e para mim isso não é um assunto. Vivo do que eu controlo e do presente e do futuro.

– E o que vê para o futuro? E por isso tem um plano B, já para uma eventual saída do Ruben Amorim, como teve um plano B para a organização da direção desportiva do Sporting?

– Dá-me um certo gosto pessoal hoje ver muita gente a alertar de uma forma até de certo ponto dramática, como é que vai ser sobre a saída do Hugo Viana e etc. Gosto de relembrar que essas pessoas há seis anos criticavam o Hugo Viana, porque não sabia fazer planeamentos, não sabia organizar o plantel, etc. Fico muito reconhecido, até pelo Hugo, que essas pessoas hoje, sem o dizerem publicamente, fazem uma certa confissão que estavam enganadas. O que eu lhe posso garantir, e o Hugo Viana naquela altura tinha trabalhado poucas semanas como diretor desportivo do Belenenses... Mas nós acreditámos no Hugo Viana e eu sabia o potencial que ele tinha. Da mesma forma que as pessoas que o vão substituir, eu tenho a certeza que daqui a quatro, cinco anos está a vir um City da vida a querer contratá-las. Isso eu também não tenho qualquer dúvida!

– Houve aqui, naturalmente, mudanças na estrutura e também ouvi algumas vozes em público a dizerem que podemos ter um presidente do Sporting que acumule com as funções de diretor desportivo. As coisas vão ser diferentes ou não?

– Estrutura diferente, o resultado será o mesmo. Ficou muito claro que vamos ter um diretor-geral e um diretor de scouting/diretor-técnico. O diretor-geral será sempre a pessoa, mais o diretor operacional de toda a máquina e depois o diretor de scouting/diretor-técnico será a pessoa que continuará a fazer o que fazia e também aconselhará e será o braço direito do treinador na elaboração do plantel juntamente com o presidente. Nada alterou.

– E não entra aqui nenhum jogador sem a palavra final do presidente?

– Nenhum.

– Mas também não entrava?

– Também não entrava. Treinadores, jogadores, obviamente tudo que entrou e tudo que vai entrar tem que ter sempre o acordo. A decisão final é sempre do presidente.

– Tem havido, segundo o julgo saber, alguma cooperação entre o Sporting e o City, algumas sinergias. É provável que o City entre de forma expressiva no capital da Sporting SAD?

– A primeira parte é totalmente verdade: temos uma ótima relação com a administração do City Group, não só a nível desportivo mas também a nível do CEO e da administração. Mas não, essa segunda pergunta nunca foi tema entre o City e o Sporting. O Sporting já foi claro no nosso plano estratégico, o que é que pretendemos, mas não está identificado qualquer parceiro.

Hugo Viana trabalhará com Varandas até final da época (A BOLA)

– A sua relação inicial com as claques, aquela demarcação que o seu mandato trouxe, foi o primeiro carimbo de liderança/autoridade que trouxe ao clube ou não?

– Sabe, a mim não me preocupa muito a relação que as claques têm comigo. Preocupa-me sim a relação que as claques têm com o Sporting. E quando nós chegámos aqui não podia haver quem quer que fosse que estivesse acima do Sporting, do que É o melhor para o Sporting. Seja uma claque, seja um grupo de sócios, seja quem for. E teve de ser feito o que nós entendíamos o melhor para o Sporting, defender o Sporting. As consequências disso, depois se ficam a gostar muito de mim, a gostar pouco de mim, isso é para o lado que durmo melhor.

PORTIZAÇÃO DO BENFICA

– Acredita que o Benfica pode ser suspenso?

– Hoje acredito pouco. Hoje acredito pouco.

– Porquê?

– Pelo que eu vi do futebol português, como adepto, como diretor clínico e hoje como presidente. Penso que, independentemente da decisão judicial que venha a acontecer, é inegável que a mancha está lá. É inegável. E isto é mais um sinal, mais uma confirmação, do que vem a ser o segundo período negro do futebol português. Houve um período negro chamado o Apito Dourado, hoje não sei se vai ser recordado como o caso dos e-mails ou não, mas é verdade que são duas fases negras do futebol português e onde não há que ter medo de dizer que esses dois períodos têm dois rostos: Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira. Está claro. E, de facto, hoje eu penso que estes casos são patentes de todas as más práticas, toda a falta de ética que esteve aqui durante anos e anos e anos. E atenção, enquanto presidente o Sporting, reconheço que há muita culpa própria do insucesso do Sporting nestes 40 anos. Mas isto é a prova, para mim, porque o Sporting acredita nisto, que o jogo estava viciado à partida. E era muito difícil.

– O Sporting perdeu porque os adversários diretos viciaram o jogo? Ou também perdeu porque os adversários diretos viciaram o jogo?

– Algum português, ao ouvir as escutas do Apito Dourado, tem dúvidas do que é o Pinto da Costa? E agora há um assunto mais recente: vi, passou quase entre as linhas, que um agente, um segundo agente, vai ser acusado por corrupção ativa dos jogadores do Marítimo para perder em contra do Benfica. Já reparou como o caso do César Boaventura era um caso extraordinário, um caso de amor, onde um empresário decide gastar centenas de milhares de euros para corromper um clube, um jogador, para favorecer o Benfica. E agora apareceu um segundo, isto é ainda mais extraordinário. E de facto, para mim é claro, houve, há um período do Apito Dourado, onde, volto a dizer, Pinto da Costa tinha toda a sua teia, toda a sua estrutura montada, e mais tarde aparece um Luís Filipe Vieira, onde talvez cansado de investir e não conseguir ganhar, faz uma portização do Benfica, onde vai buscar pessoas que só a gente conhece, nomeadamente esta pessoa que é denominador comum em todos os processos, Paulo Gonçalves. Fez parte da sociedade do Porto, curiosamente foi para o Boavista, onde o Boavista foi campeão, curiosamente sai do Boavista quando o Boavista desce de divisão no caso Apito Dourado e ele passa entre os pingos da chuva e o Vieira vai buscá-lo. E é preciso pôr os nomes aos bois. E obviamente, e eu aqui não desresponsabilizo a culpa, a falta de competência, porque houve do Sporting, mas houve aqui muita viciação do jogo. E obviamente, enquanto presidente do Sporting, não digo isto por querer acicatar guerras, não: eu digo isto porque é o meu dever enquanto presidente do Sporting e proteger os direitos do Sporting.

– Falou da portização do Benfica, mas muitos dos atuais dirigentes do Benfica fizeram parte do tempo em que Luís Felipe Vieira era presidente. Iliba-os?

– Esse julgamento será feito pelos sócios do Benfica, pelos adeptos do Benfica, essa parte não me diz respeito, diz-me respeito sim enquanto presidente do Sporting garantir que se faça justiça. E nós acreditamos, nós Sporting acreditamos, que durante estas décadas não houve verdade desportiva.

A reação do Sporting ao caso dos emails

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Em comunicado, clube de Alvalade diz que vai continuar a acompanhar de perto a evolução do processo e reforça a «importância de se garantir que, pelo menos desta vez, a imagem e regularidade das competições desportivas não sejam as únicas partes afetadas»

– E acredita que vai fazer-se justiça?

– Tenho muitas dúvidas, embora haja sempre a esperança quando vejo países lá fora, como Itália, vejo uma Juventus que desceu de divisão, vejo ainda agora recentemente na Premier League clubes a perderem pontos… Mas também entendo a dificuldade do Ministério Público em conseguir provar. Agora, uma coisa é o que é provado, outra coisa é o que para um português com dois dedos testa sabe bem o que se passou.

– Pode garantir aos adeptos do seu clube que acusações como estas de que é alvo o Benfica nunca acontecerão ao Sporting da sua presidência?

– Se isso acontecesse, eu seria uma fraude para o Sporting. Mas mais do que para o Sporting, eu seria uma fraude para mim enquanto pessoa e para os meus.

IMPRESSÕES DE VILLAS-BOAS

Villas-Boas e Varandas na final da Taça de Portugal (MIGUEL NUNES)

– Ao fim de quase meio ano, como é que avalia a mudança de liderança de presidência do Futebol Clube do Porto?

– De experiência pessoal, muito positiva. Para o futebol português, também muito positiva. Também, tenho que lhe dizer que nós, o Sporting, para nós, e esse acho que é o nosso segredo, os valores estão na base do nosso sucesso. A dignidade, a integridade, o desportivismo, para nós estão acima de qualquer título ou acima de qualquer conquista. Também é verdade que na nossa história o Sporting se desviou recentemente desses valores. Mas a verdade é que foi o Sporting também a expelir e a resolver esse problema. Mas nós não negamos essa fase, independentemente das conquistas e dos feitos dessa fase, nós não elogiamos publicamente essa liderança. Porque acho que tem de existir alguma coerência moral. Ou seja, eu se preconizo e se adoto e divulgo que agimos sob determinados valores e transparência, então não faz sentido elogiarmos publicamente quem representa o oposto disso tudo.

O ACORDO COM A BANCA

– Como é que conseguiu convencer a banca a perdoar mais de 100 milhões de euros ao Sporting?

– Aqui foi um trabalho duro, longo, onde o mérito tem que ser todo dado ao meu administrador, Francisco Zenha, e à sua equipa. Mas atenção, isto só foi feito porque no final de contas foi um bom negócio para todos. Eu sei que as pessoas podem dizer: mas o que é que é um bom negócio? A verdade é que foi um bom negócio para o Sporting e um bom negócio para a banca. Se não fosse, não o teríamos feito.

O vice com a pasta das finanças, Salgado Zenha, com Frederico Varandas

– A banca não foi perdulária, nem simpática demais?

– A banca acredita muito na competência dos seus administradores e fizeram o melhor que podiam para defender as suas instituições.

GANHAR PROVA EUROPEIA

– Ganhar uma prova europeia era o desígnio maior da sua presidência. Ou é impossível?

– Tudo o que digo, e tudo o que seja em discursos, é escrito por mim, pela minha cabeça, porque digo o que penso e digo o que acredito. Se me disserem a mim, a um sócio do Sporting, que eu acredito que o Sporting vai vencer uma Liga dos Campeões, estaria a mentir. Não acredito. E não é pela falta de competência que a minha equipa tem, que a minha estrutura tem, mas simplesmente nós temos de ter a consciência do que é que somos, enquanto país e a economia que somos e com quem competimos. Por isso, para um Sporting poder ganhar uma Liga dos Campeões, teria de tudo correr espetacularmente e os nossos concorrentes serem profundamente incompetentes.