Silvino casou-se com uma muçulmana, aderiu à religião da esposa e diz que não sente qualquer problema em cumprir o Ramadão
-Como foi a sua passagem pelo Real Madrid?
-Estar num clube como este é um sonho que qualquer profissional gostaria de ver realizado, eu tive essa sorte, ganhámos um campeonato batendo todos os recordes de golos marcados e quando o Barcelona estava no top dos tops, chegámos em três anos seguidos às meias finais das Champions, a primeira contra o Barcelona, a segunda o Dortmund e na terceira contra o Bayern que perdemos nos penáltis que parece que me perseguem, os três grandes especialistas que então tínhamos, o Cristiano, o Kaká e o Sérgio Ramos, chutaram para fora e de nada valeram as duas defesas do Casillas.
-Era o Iker um bom guarda redes?
-Foi um dos grandes, mas poderia ter sido ainda melhor se tivesse trabalhado mais alguns aspetos, era muito rápido, mas tinha algumas dificuldades nos cruzamentos e nisso insisti muito com ele. Creio que se agora lhe perguntássemos ele reconheceria que tenho razão, mas, de qualquer forma, ter sido seu treinador foi um autêntico privilégio.
-Constou, na altura, que o Silvino e o Casillas estiveram um tempo sem se falarem…
-Pura mentira, isso foi uma notícia dada por um jornalista, mas sem qualquer fundamento, trabalhávamos todos os dias e era impossível que não nos falássemos, quando ele estava no Porto e teve o problema de saúde, telefonei para o Dr. Puga para me interessar pelo seu estado e para lhe pedir que lhe transmitisse os meus votos de boas melhoras. Há muito tempo que não o vejo, mas se nos encontrarmos, de certeza que nos damos um abraço.
MADRID - Em plena forma e com um aspeto jovial quase impróprio dos seus 65 anos, Silvino Louro, antigo guarda-redes, campeão pelo Benfica e pelo FC Porto, vive feliz em Madrid, onde teve a amabilidade de conceder esta entrevista, em que fala do passado e dos seus projetos:
-Também se dizia que o Silvino era o “bufo” do Mourinho, o que lhe contava o que sucedia no balneário…
-Outra mentira que não vale sequer a pena comentar, o Mourinho não precisava de nenhum confidente, ele sabia tudo, estava lá a todas as horas e isso permitia-lhe estar muito bem informado sobre o que passava à volta da equipa, dentro e fora do balneário.
-Qual vai ser o seu futuro?
-Sinto-me bem e espero poder treinar dois ou três anos mais, se não estivesse em condições era eu o primeiro a dizer que até aqui tinha chegado, já me surgiram oportunidades, mas nenhuma suficiente atrativa para a querer aceitar. Trabalhar em Portugal? É uma opção, tudo depende do projeto.
- Diversos guarda-redes portugueses passaram pelo futebol espanhol. Quais o marcaram mais?
- Vítor Baía e Vítor Damas foram os maiores. Ao Damas unia-me uma amizade especial e até tenho uma camisola que ele usou numa final da Taça que o Sporting ganhou. Quando nos encontrávamos, estávamos horas e horas a falar de futebol. Lembro-me dum almoço em Setúbal que começou às duas e acabou às oito. No Sporting-Benfica dos 7-1, ele defendia a baliza do Sporting e eu a do Benfica e, no final, veio ter comigo para dar-me um abraço e dizer-me que continuasse assim, que estava a fazer as coisas muito bem. Era grande jogador e excelente pessoa. Também outros passaram por Espanha, como o Nuno Espirito Santo e o Beto; agora estão o Rui Silva, o Luís Maximiano e o André Ferreira, mas o primeiro de todos foi o Carlos Gomes. Logicamente, não o vi jogar, mas sei o grande papel que ele desempenhou no futebol. Aliás, todos dignificaram e estão a dignificar o nosso pais e o nosso futebol.
- Esta entrevista foi toda feita sem que Silvino Louro bebesse um golo de nada. Alguma razão especial?
- Sim. Foi pela minha mulher do meu segundo casamento. Ela é muçulmana, filha de mãe espanhola e de pai sírio. Conhecemo-nos em Madrid e a família recebeu-me de braços abertos. Eu era católico, mas quase nada praticante. Tenho o maior respeito pelas duas religiões e não vou às mesquitas porque não sei rezar. O Ramadão não é para mim qualquer problema. Às vezes, fora do período obrigatório, também o faço. No fundo, o mais importante é ser feliz e é isso o que sinto quando estou com a minha nova família ou quando estou com os meus netos e jogo à bola com o mais velho. Sou um pouco como o Muhammad Ali. Vi há pouco um filme sobre a vida dele e impressionou-me tudo o que ele passou. Sinto-me quase na mesma situação que ele em termos da decisão que tomei. Pode haver gente que não compreenda, mas estou orgulhoso e feliz de a ter tomado.»