«Será que as pessoas se esquecem da realidade e dos objetivos dos clubes?»
Percurso do treinador português já foi trilhado do outro lado do Atlântico, no caso, ao serviço do Cruzeiro

ENTREVISTA A BOLA «Será que as pessoas se esquecem da realidade e dos objetivos dos clubes?»

NACIONAL15.06.202409:00

Pepa não esconde a revolta pela mentalidade de alguns dirigentes quando são tomadas decisões que levam à saída dos treinadores quando as metas estão a ser cumpridas

Abrem-se, depois, as portas do estrangeiro. Al Tai, da Arábia Saudita, Cruzeiro, do Brasil, e até há cerca de dois meses no Al Ahli, do Catar. Estes projetos terminaram antes do previsto, mas tiveram muito do que não passa cá para fora. Entradas muito fortes nas competições, passos seguros rumos aos objetivos… O que terá faltado? Outro tipo de estruturas?

É para refletir. É ingrato. Quase que revoltante. Só que é tudo tão rápido que uma pessoa fica incrédula. Saio do Vitória na altura da pré-época e olhava para o meu passado com a certeza de objetivos alcançados em todo o lado. Quando assino no Vitória, a minha ideia era terminar o contrato. Para depois, com naturalidade, chegar a um clube que lute por títulos. Acho que era um pensamento legítimo. E a minha saída do Vitória, que eu não digo que me impossibilitou disso, porque tenho 43 anos e ainda tenho esse objetivo/esperança, fez-me sentir como que um desvio na estrada. Mas surgiu uma coisa muito rápida, um convite da Arábia Saudita, que eu, na altura, rejeitei. Mas passado 24 horas eles voltam à carga. Com uma proposta praticamente irrecusável. Tenho noção de que a ideia que tinha para chegar a um clube que lute por títulos, ir para lá não me beneficiava naquela altura, mas acabei por ir. No Al Tai, um clube que tinha acabado de subir de divisão e que depois tinha permanecido por um ponto, mandam-me embora quando estávamos em 8.º lugar. Só porque tivemos duas ou três derrotas. É isso que me faz muita confusão. Será que os bons arranques fazem aumentar a fasquia e as pessoas esquecem-se da realidade e dos objetivos do clube?

Pepa esteve no emblema saudita na época 2022/2023

Tal como aconteceu no Cruzeiro. Pode considerar-se que os responsáveis, a partir de determinada altura, passam a ter uma espécie de ambição desmedida?

No caso do Cruzeiro acredito até que seja muito por pressão externa. O Cruzeiro tem 12 milhões de adeptos! 12 milhões de adeptos! É um mundo. O Cruzeiro é gigante, mesmo. Tal como eles dizem, o clube estava um caco. E eu confirmei isso quando lá cheguei. Depois, o que a equipa começou a produzir, tanto ao nível dos resultados como das exibições, fez com que as pessoas se esquecessem… Mas eu acredito em jogar bem, que é diferente de jogar bonito. Depois perdemos jogadores importantes, um por causa dos problemas das apostas e dois por lesões graves, mas isso é que o é e eu não vou lamentar.  Demorámos um pouco a engrenar, mas, por incrível que pareça, quando as coisas voltaram a correr bem, aconteceu-nos de tudo em vários jogos, tanto com o Palmeiras, como o Botafogo ou com o Corinthians, por exemplo. Isso tudo, junto com o ruído de fora… Mas nesses momentos é preciso ter a capacidade, com as chamadas bolas grandes, para tirarmos a água do barco e seguirmos o nosso caminho. Um Benfica, um FC Porto ou um Sporting é que conseguem fazer uma sequência de 10, 15, 20, 30 jogos sem perder. Mas não é necessariamente porque o treinador é melhor. Há dirigentes em alguns clubes cuja mentalidade não lhes permite perceber que cada clube tem os seus objetivos e, por vezes, é normal passarmos por fases menos boas.

Técnico abriu as portas de sua casa à reportagem de A BOLA

E no Al Ahli?

Parecido, mas pior ainda. O clube estava em último, tivemos impacto na nossa chegada e tirámos o clube do último lugar. De repente, a quatro jornadas do fim, estamos a poder lutar pelo 5.º lugar, perdemos dois jogos e… fomos despedidos. É duro. Eu lido bem com isso, mas depois também me preocupo com a imagem que fica. A três jornadas do fim, com a manutenção garantida, objetivos traçados já assegurados e somos despedidos? Faz-me lembrar a tal situação no Sacavenense, logo no início da carreira. Eu não posso fazer nada perante as decisões de quem manda.