Novo treinador dos leões era do Benfica, mas a passagem pelos leões fez dele sportinguista como o pai. A BOLA conversou com dois amigos de infância, Luís Alfândega e João Godinho, que elogiam, acima de tudo, o caráter do novo treinador leonino
Nascido e criado em Lisboa, paredes meias com o problemático Bairro do Casal Ventoso, João Pedro da Silva Pereira cresceu na zona da Meia Laranja, mais concretamente no número 6 da Vila Adélia, um pátio do número 144 da Rua Maria Pia. Filho único, João Pereira começou cedo a dar toques na bola, nas escolas do Desportivo Domingos Sávio, com apenas 8 anos.
Na mesma equipa de Ricardo Quaresma. Foram campeões de escolas em 1992/93, juntamente com Luís Alfândega que recorda aquele que em tempos era goleador:
«O João Pereira naquela altura era o nosso avançado. Ele era muito franzino, mas era super veloz e muito aguerrido. Fartava-se de marcar golos», diz a A BOLA.
João Pereira estudou na Casa Pia e percebeu que as dificuldades da vida podiam ser dribladas com a bola nos pés.
«Eu acho que o que separava muito o João de todos nós era aquela raça que ainda hoje o carateriza e é como o conhecemos. Aquela determinação, aquela vontade de jogar e aquela quase fossanguice. Ele tinha muito isso e isso fazia com que ele também se destacasse de todos nós», conta-nos o amigo de outros tempos.
Cedo se destacou de todos os outros e desde miúdo que se notava que João Pereira, fora de campo, era bem diferente daquele que jogava: «Recordo-me de um João que não tinha nada a ver com o que era enquanto jogador. Era uma pessoa muito tranquila, muito pacata. Quando entrava em campo mudava completamente porque ele sabia que aquela era a maneira que tinha de se destacar. Ele percebeu isso muito cedo e então ficava ultracompetitivo.»
Ultracompetitivo, João Pereira saiu do Domingos Sávio com 10 anos e rumou ao Benfica. No antigo Estádio da Luz partilhou o sonho com Ruben Amorim, um ano mais novo, e encontrou uma amizade para a vida toda: João Godinho.
«A imagem que nós temos do João enquanto jogador, que era desde miúdo na formação, dentro de campo, é de um miúdo reguila e sempre muito energético. Isso era o João que eu conheci quando ele chegou ao Benfica. Eu já lá estava. O João é capaz de ter chegado tímido nos primeiros 10 minutos. Depois mostrou logo aquela personalidade que o caraterizou sempre de liderança, extrovertido com o grupo e com os pares. O João era muito adulto para a idade que tinha e também sabia muito bem a pessoa que era e o miúdo que era. Sabia de onde é que vinha, das origens dele e com o tempo percebeu que estava a chegar a um patamar onde tinha sonhado chegar. Todos os miúdos daquela altura, como eu, sonhávamos estar ali. Estávamos num clube como o Benfica e ele sabia as capacidades que tinha e queria mostrar que quem tinha apostado nele tinha razão», conta A BOLA João Godinho.
O agora técnico de guarda-redes conhece o novo treinador do Sporting como se de um irmão de sangue se tratasse: «Passávamos sempre os dias juntos, porque passávamos a vida toda dentro do antigo Estádio da Luz e nas imediações, no centro de estágio e no salão de jogos. São recordações que nós nunca vamos esquecer. Tornámo-nos homens ali dentro, depois, quando o estádio foi para obras, andámos com a casa às costas, um pouco por todos os campos aqui dos arredores. Foram tempos que nos fizeram crescer.»
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Uma ligação que os fez passar férias juntos e crescer lado a lado, por isso João Godinho conhece o que significa a atitude com que João Pereira construiu uma imagem enquanto jogador: «O João é alguém ferranho por ganhar. Seja a jogar aqui às cartas, seja a jogar snooker em casa dele, seja o que for, ele não gosta de perder. Com ele é que não pode ser. E isso é que fazia a força dele. A força do João não era a parte técnica ou a parte física, era a parte mental e a parte de não gostar de perder e só gostar de ganhar. E a ambição que ele tem vai um bocadinho por aí, porque ele é ferrenho por não perder, por ganhar.»
E ganhou muito. Com a camisola do Benfica, primeiro, mas depois a vida ensinou-o a gostar do Sporting, para orgulho do pai Adelino Pedro. «O pai do João era muito sportinguista e tentava levá-lo a mudar para o Sporting, mas ele em miúdo era do Benfica. Depois teve a oportunidade de ir para o Sporting. Abriram-lhe as portas do Sporting a partir desse momento, e sei até por conversas que eu tive em que ele já me confidenciou que se sente mesmo sportinguista», revela Luís Alfândega, ideia partilhada por João Godinho.
«O pai, o Adelino, sempre o conheci como sportinguista doente [risos]. Levava o filho todos os dias ao treino, ia ver os jogos do Benfica, mas sempre foi aquele sportinguista mesmo, mesmo à antiga. E continua a ser. Já o João o que posso garantir é que sim, crescemos do Benfica e ganhámos títulos, mas desde o primeiro dia que o João entrou no Sporting como jogador, da primeira vez, sempre me disse que começou a gostar tanto daquele clube, pelas pessoas, pela maneira como foi recebido, pelo ambiente que foi criado, que passou a ser um sportinguista ferrenho, a partir do momento que entrou dentro do Sporting. Já falámos sobre isso os dois e sempre me disse isso, muito antes de imaginar que ia chegar onde chegou. Desde que entrou no Sporting o João Pereira passou a sentiu-se parte daquele clube, daquela família e acho que isso nota-se perfeitamente. Hoje ninguém diz que ele jogou tantos anos no Benfica, pois não tenho qualquer dúvida que é sportinguista, muito por aquilo que o Sporting lhe deu», destaca.
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Tornou-se sportinguista para orgulho do pai Adelino. O pai de João Pereira fez carreira como distribuidor de jornais. Acordava de madrugada para pegar na carrinha e bater os quiosques e papelarias a entregar as últimas notícias que nós jornalistas queremos sempre dar em primeira mão. Agora a notícia do momento é a aposta em João Pereira para treinador do Sporting. O senhor Adelino Pedro Pereira não vai distribuir os jornais do dia, com a notícia do nome do filho na capa como o substituto de Ruben Amorim no banco do Sporting, mas tem a certeza de que o filho João vai sentar-se no banco de sonho em Alvalade.
O senhor Adelino vive orgulhoso mais uma conquista do único filho. O filho que o tirou da Rua Maria Pia e o meteu a morar num apartamento em Queijas, juntamente com a mãe Maria Manuela, assim que assinou o primeiro contrato sénior pelo Benfica. João Pereira, dizem-nos, não se esquece do caminho mesmo quando decidiu que queria ser treinador na segunda fase da vida.
«A mim não me surpreende porque fomos falando dessa vontade dele passar de jogador para treinador. Se nós queremos ir para um patamar de treinador com algum sucesso, temos de olhar primeiro para nós e perceber as coisas menos positivas que temos e tentar melhorá-las. Isso é da parte da inteligência que o João tem como pessoa, e neste caso como profissional de desporto. O João é inteligente e sabe a imagem que criou enquanto jogador dentro de campo e que nada tem a ver com a imagem do João Pereira como pessoa. Foi simplesmente a imagem dele dentro de campo, porque ele fazia valer-se dessa garra, desse empenho, para chegar onde chegou como jogador. Nada tem a ver com o mal-educado, tem a ver com a garra e vontade de ganhar. Ele mudou a postura e percebeu que como treinador e líder de homens iria ser diferente», reforça o amigo Godinho.
O João Pereira reguila cresceu, casou com Natacha, numa celebração segundo as tradições da comunidade Ismaili e têm dois sportinguistas ferrenhos como filhos: Gabriel e Daniel. É com orgulho que o padrinho e amigo João Godinho vive este momento marcante na carreira de João Pereira: «Sei que ele vai ser treinador de futebol e vai ter sucesso, porque ele tem capacidades para isso, se ele continuar a ser a pessoa que é acima de tudo. Só tem de continuar com o caráter que tem. Independentemente de ele ter sido capitão muitas vezes, eu acho que ele neste momento é muito melhor líder de homens do que era quando era jogador e capitão.»
Em tempos de felicitações, também o companheiro de infância Luís Alfândega deixa uma mensagem: «Tenho muito orgulho pelo que ele está a construir na segunda fase da carreira dele. Desejo que tudo lhe corra bem e através de A BOLA envio-lhe muita força e o desejo que continue o excelente trabalho que tem desenvolvido.»
Apoio não vai faltar a João Pereira neste novo desafio, o mais alto como treinador de futebol.