ENTREVISTA A BOLA «Sempre tive as pessoas certas ao meu lado, consegui tomar as melhores decisões»

NACIONAL31.12.202409:00

Pedro Gonçalves contou a A BOLA que o seu percurso não foi fácil, chorou quando, aos 11 anos, deixou a família para trás. Hoje sente enorme orgulho por estar «a jogar a tão alto nível»

Pedro António Pereira Gonçalves, nascido a 28 de junho de 1998, natural de Vidago, vila a 15 quilómetros de Chaves, chegou ao Sporting em 2020/2021 e depressa se tornou num ás de trunfo. Sagrou-se campeão nacional na estreia, foi o melhor marcador da Liga, com 23 golos, conquistou os adeptos e seguiram-se três épocas com bom registo a nível de utilização, sempre acima de dois mil minutos, embora menos golos, mas mais assistências e rótulo de jogador de elite. Em entrevista exclusiva a A BOLA, Pedro Gonçalves fez o roteiro da sua carreira e até cantou a música que os adeptos leoninos lhe dedicaram.

- Podemos recuar no tempo e parar na altura em que era conhecido por Potinho? Passou muitas horas no Campo João de Almeida, em Vidago. Foi uma infância feliz? Era difícil o seu futuro não passar pelo futebol?

- Sim, nessa altura era um miúdo cheio de sonhos. Felizmente estou a conseguir concretizá-los e fico contente por mim e também pela minha família, porque sempre olharam para mim como um jovem prodígio. Fico contente por estar a conquistar o meu sonho e também que eles se sintam orgulhosos de me ver a jogar a tão alto nível.

Em Braga liguei muitas vezes aos meus em pais, a chorar, a dizer que queria voltar para casa. Logo no primeiro dia em que fui à escola liguei-lhes a dizer que não queria voltar

- Mesmo sacrificando o seu irmão mais novo, André, colocando-o na baliza para poder estar horas a rematar?

- [Risos] Mesmo sacrificando. Ele muitas vezes ficava triste. São histórias que vão ficar para sempre. A história dos sete golos que lhe marquei. Chegámos a casa e ele a chorar compulsivamente. Mas foram momentos da nossa adolescência que, certamente, vão ficar para sempre.

- A sua mãe, Maria da Conceição, que era roupeira no Vidago, foi a pessoa que mais o incentivou a jogar?

- Incentivou, mas os meus pais e a minha família nunca me obrigaram, nunca me pressionaram muito pelo futebol. Deixaram-me sempre fazer aquilo que eu quisesse, tal como aos meus irmãos. Os meus irmãos [André e Tiago] hoje em dia são bombeiros, nunca lhes disseram que tinham de estudar, que pressionassem de que tinham de ser doutores ou que tinham de ser jogadores de futebol. Sempre nos deixaram muito à vontade sobre isso e, felizmente, as coisas correram bem. Sempre tive as pessoas certas ao meu lado, consegui tomar as melhores decisões.

- Gostava de comer bem, não era? Dizia a sua mãe, por isso é que era o Potinho.

- Sim, alguns doces [risos].

- Ainda passou pelo Desportivo de Chaves antes de chegar a Braga, onde, porventura, começou a pensar mais a sério no futebol. Mas também aí passou dificuldades, não foi fácil a sua adaptação.

- Não foi fácil, porque o SC Braga hoje em dia tem uma academia excelente, muito mais bem organizada do que há 10 anos. É o normal, as academias, a organização dos clubes vai sempre evoluindo. E foi difícil para mim, porque tinha pouca gente a acompanhar-me diariamente. E liguei muitas vezes aos meus em pais, a chorar, a dizer que queria voltar para casa. Logo no primeiro dia em que fui à escola liguei-lhes a dizer que não queria voltar. Mas sempre me incentivaram a tentar mostrar que as coisas iam mudar, que eu ia conseguir singrar e ia dar o meu melhor todos os dias e ainda bem que foi assim, porque foi uma história não perfeita, mas quase perfeita.

Dizia que eu era muito molengão, que tinha o aspecto mesmo de um pote, que corria pouco, mas depois quando a bola chegava aos pés que fazia a diferença

- Tinha 11 anos, não era fácil ficar longe da família, não é?
- Muito difícil, muito difícil.

- Foi em Braga que passou a ser Pote, mas depois teve um treinador, Agostinho Oliveira, que disse ‘nem Potinho, nem Pote, vais ser Pedro Gonçalves'. 

- Foi nos juvenis, nos sub-15 ou 16, penso eu, dizia que eu era muito molengão dentro de campo, que tinha o aspecto mesmo de um pote, que corria pouco, mas depois quando a bola chegava aos pés que fazia a diferença. Ele sempre me dizia que quando era para defender pedia um café e uma cadeira e sentava-me e esperava que os outros defendessem, mas depois quando era para atacar que fazia a diferença. Então queria que eu mudasse esses aspectos de jogo e disse que não ia ser mais Pote, que ia ser Pedro Gonçalves. Acabei por ficar um bocado triste, porque era a minha alcunha, claro que os meus amigos e toda a gente mais perto nunca me deixou de chamar Pote, nem Potinho. A minha família que me viu crescer ainda me chama de Potinho. Fiquei triste, mas acabou por não passar a alcunha, acabou por não deixar de existir e hoje em dia ainda me chamam.

- Apesar de usar o nome de Pedro Gonçalves na camisola ainda é muito identificado por Pote.

-
Sim, quase toda a gente me chama Pote no mundo do futebol. Claro que na televisão não fica bem estar a chamar Pote, gosto mais de Pedro Gonçalves, mas é o que sai no momento.

AMADURECEU COM FERRÁN TORRES E RAFA MIR

- Teve a possibilidade, ainda em idade de júnior, de ir para a Espanha, para o Valência. Mas não foi uma época fácil?

- Não estava inscrito. A FIFA, na altura, tinha apanhado alguns casos em que os jogadores que não tinham a idade que diziam que tinham e iam para a Espanha e a FIFA acabou por estar mais atenta a esses casos e não deixavam inscrever jogadores abaixo dos 18 anos. Então tive de esperar até fazer 18 para poder ser inscrito pelo Valência.

- Ainda assim, foi uma boa experiência? Apanhou Ferrán Torres nesse plantel.  

- Sim, o Ferrán Torres, o Carlos Saler, o Rafa Mir, o Fernando Navarro, o Toni Martínez. Muitos bons jogadores que estão por aí, estão a fazer as suas carreiras, muito boas carreiras. Tinha uma equipa muito interessante e fiz algumas amizades que ainda mandamos aquelas mensagens no Instagram, no WhatsApp e falamos mais sobre a vida pessoal.

- Seguiu depois para Inglaterra, para o Wolverhampton, onde apanhou a armada lusa.

- Fui vendo oportunidades para melhorar no meu futebol, no meu desenvolvimento de cultura, conhecer novas pessoas, falar outras línguas. Eu não sabia nada de espanhol, não sabia nada de inglês [risos] e tive de ir aprendendo. E foras as melhores decisões, porque senti que me faltava um bocado de ginásio, em Inglaterra gostam de focar mais no ginásio, gostam de focar mais no pré-treino alguma ativação e mesmo depois do treino algum ginásio mais de força e potência. Senti que melhorei nesse aspeto e foi uma decisão muito boa para mim. Não tive as oportunidades que queria na equipa principal, mas soube esperar pelo meu momento.

- Mas estreou-se pela equipa principal, com Nuno Espírito Santos no comando técnico.

- Sim, numa taça da Liga. Entrei aos 60, 60 e pouco minutos. E lembro-me do jogo como se fosse ontem [n. d. r. foi lançado aos 62, num jogo em que o Wolverhampton perdeu, por 0-2, com o Sheffield].

- O regresso a Portugal estava na sua mente?

- Foi uma decisão do meu empresário. Eu era por renovar mais dois anos pelo Wolverhampton, só que não me deram certezas de que ia poder ter minutos na equipa principal. Então, acreditei no projeto de Famalicão e sinto que foi uma decisão muito acertada.

- Fez 40 jogos, sete golos, outras tantas assistências e o passaporte para Alvalade.

- Sim, foi uma época inesquecível para mim e para o grupo. Tínhamos um grupo incrível. A única coisa que nos faltou foi poder ter ido à Liga Europa, acabámos por perder com o Marítimo, na Madeira, e foi uma desilusão para nós, porque tudo aquilo que conseguimos fazer ao longo do ano não foi concretizado no fim. Mas ficaram muitas ligações, temos um grupo ainda do Famalicão no WhatsApp e falo com a maior parte deles, ficou aquela ligação boa entre todos.