Há cinco anos que o Sporting não somava três derrotas seguidas, e há 21 que não perdia em Moreira de Cónegos. Até parece que não levaram a sério revezes de Benfica e FC Porto frente aos ‘cónegos’
Do Sporting imponente, que goleou o Manchester City, e irredutível, que virou o jogo em Braga, nem sombra. Os desígnios do futebol são insondáveis e bastou que uma peça da engrenagem saísse, aquela que, pelos vistos, segurava as pontas e transmitia confiança, para que a equipa ruísse como um baralho de cartas. Perder com o Arsenal, mesmo de goleada, acontece; perder com Santa Clara e Moreirense é que é um pouco mais difícil de entender.
Daniel Bragança 'reforçou' tridente ofensivo, mas sem resultados práticos, com Trincão desinspirado e Gyokeres só lá foi de penálti. Gonçalo Inácio começou na esquerda, acabou na direita e ainda foi à frente
Especialmente porque os leões perderam identidade, ao deixarem de apostar na largura atacante, que era a forma mais expedita de criarem espaços para Viktor Gyokeres, como ainda se tornaram monolíticos a meio-campo, onde a dupla Hjulmand/Morita, perante uma zona central muito preenchida pelo adversário, foi previsível e vulgar, facilitando o trabalho da equipa da casa, que teve em Kevin um esteio, em Alanzinho um motor, e em Schettine o rasgo para ‘inventar’ um golo, mas sobretudo teve um treinador que leu bem o jogo, percebeu exatamente as dificuldades do adversário, e deu um verdadeiro xeque-mate ao seu homólogo quando lançou Ponck, deixou o 4x2x3x1 e passou a 5x4x1, e fechou a sete chaves a baliza, garantindo os três pontos. Do ponto de vista tático, enquanto João Pereira andou às apalpadelas, César Peixoto foi pragmático e assertivo, e foi por aí também que foi escrita a história deste jogo.
Para que não subsistam quaisquer dúvidas, sejamos absolutamente claros: ao deixar Quenda e Maxi no banco, João Pereira liquidou a largura atacante que era ex-libris de Amorim; quando quis que Bragança fizesse de Pedro Gonçalves perdeu a lucidez que o talentoso jogador podia dar-lhe a meio-campo; e para tornar as coisas ainda mais dramáticas, foi Catamo, a sua escolha para a direita, a protagonizar uma reposição lateral infantil que acabou com o 2-1 para o Moreirense. Houve muita coisa que correu mal ao Sporting em Moreira de Cónegos e a maior parte foi culpa exclusiva dos leões que, de qualquer forma, podiam ter empatado em duas cabeçadas que embateram no travessão, já na segunda parte. Mas a verdade é que a equipa mais assertiva foi sempre o Moreirense, mesmo quando se viu a perder.
VANTAGEM E ‘VIRADA’
O jogo até começou bem para o Sporting, que logo aos 12 minutos viu Gyokeres transformar uma grande penalidade cometida por Marcelo sobre o sueco. Parecia que o mau olhado ia fazer ninho para outras paragens, mas os leões não fizeram o suficiente para que isso acontecesse. A vantagem não foi sinónimo de controlo, antes pelo contrário, e não houve ninguém, no banco ou dentro do campo, que visse que Alanzinho era o ‘playmaker’ dos cónegos que estava a esfrangalhar a equipa de Alvalade, conduzindo transições rápidas e perigosas. Com tanta liberdade dada às suas unidades nucleares, o Moreirense cresceu em atitude, não se intimidou, e na primeira parte, não só virou a desvantagem, como ainda teve mais três jogadas de grande perigo, perante um Sporting que dava a ideia de não estar a perceber muito bem o que lhe estava a acontecer.
Do ponto de vista atacante, os leões parece que recuaram meia dúzia de anos, procurando fazer pelo centro do terreno o tinham vindo a fazer pelas alas, e a consequência está patente no resultado.
É impossível fazer a crónica deste jogo sem falar dos minutos 64 e 65, quando Peixoto e Pereira mexeram nas equipas com alguma profundidade. O antigo campeão europeu pelo FC Porto e campeão nacional por dragões e águias, não teve dúvidas e, nem raramente, se enganou: Ponck para terceiro central, e mais pulmão na direita da defesa com Fabiano e a meio-campo com Gabrielzinho. Já João Pereira foi mais conservador ao trocar Bragança por Maxi e St. Juste por Quenda que foi fazer a ala direita, passando Catamo para a esquerda e Matheus Reis para central do lado esquerdo.
Foi curto para aquilo que o Sporting precisava, e foi preciso esperar mais 12 minutos até que Harder entrasse para apoiar Gyokeres e Maxi passasse a fazer a ala esquerda, ou seja, foi tarde e a más horas, porque há muito se via que a equipa tinha de ser reforçada no centro do ataque e na largura atacante, mais cedo. Azar de uns, sorte dos outros, neste caso o Moreirense, que acabou a defender de forma compacta, perante um Sporting que cada vez mais fazia do desespero uma forma de estar em campo.
Será que Ruben Amorim levou na bagagem o ‘seu’ Sporting e deixou cá outro, que tem escassas parecenças? Porque aquilo que se tem visto não foi a evolução na continuidade esperada, mas uma alteração de 180 graus na confiança, nos automatismos, na filosofia e nos processos de jogo. Provavelmente, João Pereira precisa de uma vitória que reponha o comboio leonino nos carris. Só que, entretanto, já perdeu seis pontos frente a adversários valorosos mas que não são do seu campeonato.