V. Guimarães-Sporting, 4-4 Se é disto que o povo gosta, deem mais disto ao povo (crónica)

NACIONAL03.01.202523:39

Só em sonhos, meus caros, só em sonhos se acreditaria que tão frenético jogo acabaria com oito golos e quatro para cada lado

Talvez os treinadores não gostem de jogos assim. Abertos, frenéticos, intensos. E, sobretudo, com golos. Muitos golos. É natural. Mister que é mister não gosta de falhas. Gosta de rigor e marcações exímias, tudo muito bem encaixadinho. Porém, futebol não é jogo de máquinas, é jogo de pessoas. Há falhas, desencaixes, surpresas e marcações que falham. É disto, como se costuma dizer, que o povo gosta. E futebol sem golos e sem povo é algo insípido. Meus caros, alguém sonharia com tão belo 4-4?!

Se o povo gosta de golos, as duas equipas deram golos ao povo. O início de jogo, então, foi frenético. Logo aos 118 segundos, naquilo a que, em tempos, se chamava de ‘período de estudo mútuo’, rapidíssima troca de bola entre diversos leões levou Gyokeres a fazer aquilo que tão bem fez durante ano e meio e que, no pré-Rui Borges, parecia esquecido: bola profunda da esquerda para o meio, ligeira contenção, remate e golo.

O Sporting entrava em campo como tantas vezes entrara no tempo de Amorim: esfomeado, intenso, rebelde. Mas também descuidado. Num livre direto, ao minuto 7, Tiago Silva foi brilhante na forma como fez a bola descrever parábolas, hipérboles e elipses e entrar, sorrateira, junto ao poste direito. Ainda o sétimo minuto não se completara e já havia dois golos. E nada melhor do que um para cada lado.

Maxi Araújo rodeado por Alberto e Jorge Fernandes (GRAFISLAB)

Não era tempo para respirar fundo e relaxar. Nada disso. Ao minuto 14, num passe falhado de Tiago Silva, Quenda recuperou a bola e lançou Gyokeres. O qual, como nos bons velhos tempos, meteu a quinta velocidade e, de primeira, zás!, fez o 2-1. Se os treinadores não gostam de jogos assim, o povo gosta. Apesar de algumas boas possibilidades de golo para ambos os lados, a intensidade baixou até ao intervalo, aparecendo o rigor, as marcações exímias e os encaixes quase perfeitos. Não passou a ser um jogo insípido, mas perdeu um pouco de sal e pimenta.

Quase logo a abrir a segunda parte, numa recuperação de bola de Trincão, a bola passou sucessivamente por Quaresma, Catamo, Maxi e Morita e chegou a Gyokeres. E quando a bola chega ao sueco a probabilidade de ser golo é altíssima. E foi: hat-trick. Com 3-1 aos 57 minutos e o Vitória a cair de rendimento, pelo menos anímico, o vencedor parecia encontrado. Nenhuma palavra explicaria melhor o que se passava: parecia.

Gyokeres remate e conclui o 3-1 (GRAFISLAB)

Entre o parecer e o ser há uma distância igual à que separa Guimarães de Lisboa. O Vitória, passe a expressão, parecia morto e enterrado. Sem capacidade para encontrar força mental para a reviravolta ou, pelo menos, para o empate. Nada de mais errado. Pouco depois, Arcanjo fura pela direita e vê Kaio César à entrada da área: 2-3.

O remate de João Mendes para o 3-3 (GRAFISLAB)

Rui Borges tenta não perder o controlo do meio-campo e troca Catamo por João Simões. Não perde o meio-campo, mas o Sporting perde a intensidade e a concentração que o Vitória recupera com o segundo golo. Nos últimos largos minutos quase só dá Vitória. Vitória pela esquerda, Vitória pelo meio, Vitória pela direita. E num ápice, no espaço de dois minutos, emerge a figura de Dieu-Merci Michel. Primeiro a mandar a bola à barra antes de João Mendes, a passe de Kaio César fazer o 3-3; depois, numa bola longa de Arcanjo, a desviar para o 4-3 que, minutos antes, se julgava verdadeiramente impensável. Tal como impensável se pensava que ainda houvesse tempo e, sobretudo, força anímica para o Sporting tentar o 4-4. Mas tentou e, quase no último suspiro, golaço de Trincão a colocar justiça plena no resultado. Que 4-4, meus amigos, que 4-4!!

Trincão marcou o golo do 4-4 final (GRAFISLAB)