Saarbrücken: a incrível e apaixonante história do carrasco do Bayern
Festa nas bancadas depois da eliminação do Bayern pelo Saarbrücken (Foto: BeckerBredel/IMAGO)
Foto: IMAGO

Saarbrücken: a incrível e apaixonante história do carrasco do Bayern

INTERNACIONAL02.11.202314:44

De clube sem pátria a tomba-gigantes; chegou a participar e a ganhar a segunda liga francesa; provocou demissão de Jules Rimet; goleou Real Madrid e Liverpool

O Saarbrücken, que eliminou com estrondo o Bayern da Taça da Alemanha, não é um clube qualquer. A sua história é extraordinária e está ligada a grandes momentos do futebol europeu.

O 1. Fussball-Club Saarbrücken e. V. começou por ser inicialmente, em 1903, o departamento de futebol do Turnverein Malstatt, mas separou-se quatro anos depois para seguir a solo, com o nome de FC Malstatt-Burbach. Em 1909, foi rebatizado FV Saarbrücken. Durante a era nazi consolidou-se como uma das fortes equipas do país e, em 1943, chegou à discussão do título diante do Dresden SC, tendo perdido por 3-0. Nos últimos anos da II Grande Guerra, de 1943 a 1945, aliou forças com o SC Altenkessel e formou uma equipa mista, o Kriegsspielgemeinschaft Saarbrücken, porém foi após o armistício que começaram os verdadeiros problemas. Tornou-se um clube sem pátria.

O agora FC Saarbrücken – depois de forçado pelos Aliados à dissolução como todas as organizações alemãs, foi-lhe permitido voltar à atividade com o novo nome – era então o principal clube da cidade com o mesmo nome no Protetorado do Sarre, região ocupada pelas tropas francesas no Pós-Guerra. Paris pretendia a anexação da região ou que se tornasse mesmo independente da Alemanha e, no desporto, essa vontade política isolou a participação do Sarre nos Jogos Olímpicos de 1952 e na qualificação para o Mundial de 1954 – em que disputou, comandado por Helmut Schön, que se sagraria campeão mundial pela Mannschaft em 1974, a presença num último jogo decisivo precisamente diante da Alemanha (1-3); na fase final, na Suíça, a mesma Alemanha vai conquistar a Taça Jules Rimet perante a poderosa Hungria de Puskas, Kocsis, Hidegkuti, Czibor e Bozsik –, como federação reconhecida pela FIFA. 

Apesar de ainda ter competido durante três temporadas e vencido numa delas a Oberliga Südwest-Nord, a separação da Alemanha impedia que o Saarbrücken continuasse a competir no país e a Ehrenliga, criada no Sarre em 1947, era demasiado pequena, em termos de competitividade, para uma equipa de dimensões nacionais, o que levou a que os dirigentes tenham recusado fazer parte deste minicampeonato.

Em 1948-49, o clube participou por convite da federação francesa, liderada por Jules Rimet, na Ligue 2, agora com o nome FC Sarrebruck, e sagrou-se mesmo campeão numa caminhada com goleadas impressionantes – 10-1 ao Rouen e 9-0 ao Valenciennes, por exemplo – contudo foi-lhe recusada a promoção e até a continuidade na mesma divisão devido ao protesto de vários clubes, incluindo o Estrasburgo, que, a par de outros emblemas da Alsácia Lorena, tinha sido obrigado a participar nas competições germânicas durante a Grande Guerra. Rimet abandonou o cargo e dedicou-se exclusivamente à FIFA, desiludido com o boicote.

Esteve dois anos a competir em particulares e, entretanto, em 1949-50 criou o seu próprio torneio, o Internationaler Saarlandpokal (Taça Internacional do Sarre), que contemplava 15 jogos em casa frente a equipas de Áustria, França, Dinamarca, Suécia, Suíça e Jugoslávia, garantia dois milhões de francos ao vencedor e que pode ser considerado com um dos precursores da Taça dos Clubes Campeões Europeus, que teve a primeira edição cinco anos depois. Inevitavelmente, o Saarbrücken conquistou o primeiro troféu, depois de uma goleada por 4-0 ao Rennes. 

No ano seguinte, juntou-se o vizinho Neunkirchen como coorganizador, desta vez com a presença de outras equipas alemãs, mas a competição foi abandonada em 1952 como parte do acordo para readmitir as equipas do protetorado na federação germânica. Em 1955-56, o Saarbrücken ainda apareceu como representante do Sarre na Taça dos Campeões Europeus, tendo sido eliminado pelo Milan na primeira eliminatória: venceu em San Siro (3-4) antes de cair em casa (1-4). Entretanto, deixou marcas da sua força em dois embates com gigantes continentais. A 21 de fevereiro de 1951, foi ao Santiago Bernabéu golear o Real Madrid num amigável (4-0), depois de, menos de um ano antes, já ter destroçado o Liverpool, no Ludwigpark (4-1), também em encontro particular. O seu futebol dinâmico e técnico deliciava as plateias, de acordo com os relatos da altura.

No ano de regresso à Alemanha, o clube chegou pela segunda vez na sua história à final nacional, que perdeu para o Estugarda por 2-1. Em 1963, foi um dos 16 clubes convidados a integrar a primeira liga germânica, a Bundesliga, não sem polémica. O critério baseava-se na performance recente, saúde financeira e distribuição regional, a fim de que todas as regiões estivessem representadas no campeonato, e o Saarbrücken tinha pior registo de resultados que os rivais regionais Neunkirchen, Pirmasens e Wormatia Worms. No entanto, a relação dos seus dirigentes com o influente Hermann Neuberger, ex-presidente da federação do Sarre e membro do comité de seleção, terá garantido a vaga.

Foi despromovido na primeira temporada, em 1963-64, à Regionalliga Südwest, e só voltou ao primeiro escalão com o segundo lugar na 2. Bundesliga Süd em 1976. Aguentou duas épocas, todavia em 1981 já tinha descido ao futebol amador, com a presença na Oberliga Südwest. Em 1986 e 1993, regressou à Bundesliga, mas desceu sempre e, em 1995, uma grave crise financeira empurrou-o para a Regionalliga West/Südwest. Tornou-se um clube ioiô, com constantes subidas e descidas. Atualmente, é o 15.º classificado da 3. Liga.

Apesar da queda na hierarquia do futebol teutónico, o Saarbrücken sempre teve uma ligação especial com a história. No dia 3 de março de 2020, tornou-se a primeira equipa do quarto escalão a chegar a uma meia-final da Taça da Alemanha ao eliminar o Fortuna Düsseldorf. Acabou afastado pelo Bayer Leverkusen por 3-0. Ontem, foi protagonista de um dos maiores escândalos da mesma competição ao eliminar o poderoso e arrogante Bayern Munique, infligindo ao emblema da Säbener Strasse uma das piores derrotas da história.

Como não esperar que, daqui a uns tempos, volte a fazer das suas? Está no seu ADN.

Vídeos

shimmer
shimmer
shimmer
shimmer