«Ruben Amorim vai conseguir?» — eis a pergunta que se faz em Manchester

A estreia do português em Old Trafford vista de um local diferente e com diferentes intervenientes. Entrada de sonho, primeira parte (quase) de pesadelo e final feliz do homem de quem todos falam

O romance entre Ruben Amorim e os adeptos do Manchester United em Old Trafford não podia ter começado melhor. Logo no início do jogo, minutos depois de ouvir uma tremenda ovação ao entrar no relvado, vê Garnacho colocar a equipa em vantagem. Mas o treinador português não descansa, ver-se-á daqui a pouco que com razão.

«Ele nunca se senta?», pergunta um adepto inglês na bancada oposta aos bancos de suplentes. Não, nunca se senta. Vai apenas, amiúde, repousando de cócoras durante uns segundos. As áreas técnicas no Teatro dos Sonhos são substancialmente mais pequenas que em Alvalade e têm a particularidade de colocar os treinadores adversários quase lado a lado se ambos se aproximarem da linha de meio-campo. Aos 19 minutos já faz muito tempo que Amorim caminha entre os limites dessa área, em movimento típico da linha filosófica peripatética ateniense. Ou melhor: como leão enjaulado que dá quatro ou cinco passos e logo tem de caminhar na direção contrária. Pressente algo e está certo. O Bodo Glimt, sempre atrevido e organizado, empata o jogo. O português esboça um gesto de irritação e apanha a garrafa de água que tem sempre por perto.

A ansiedade

Desde as 17 horas, num local corporate de Old Trafford, cerca de três centenas de associados vão jantando e conversando. Estão ansiosos por ver a estreia de Amorim, confiantes de que será bem recebido e muito, muito expectantes quanto ao que poderá vir a fazer ao leme dos Red Devils. A pergunta que repetem entre si e que colocam, com curiosidade, a um visitante português não varia em relação ao que já sucedera em conversas soltas pela cidade durante o dia: «Será que ele vai conseguir?»

A dada altura, o chefe de cerimónias faz essa mesma pergunta, mas com o microfone em punho e o som a sair pelo PA da enorme e luxuosa sala, na qual entra cada vez mais gente que bebe um aperitivo, come e daqui a pouco vai sentar-se na bancada Alex Ferguson a roer unhas

A reviravolta

De sapatilhas brancas, calças beges e casaco de inverno azul-escuro (em Manchester, sobretudo nos meses frios, é difícil conjugar a orientação de um jogo com a elegância das sweat shirts com que quase sempre se apresentava em Portugal), Ruben fica ainda mais inquieto. Aumenta a cadência de instruções e aos 26 minutos coloca três jogadores em aquecimento. Agora já está a perder. Os noruegueses — que bateram o recorde de adeptos visitantes em competições europeias, com 6700 apoiantes a viajarem até Inglaterra — deram, em apenas quatro minutos, vida extra à enorme mancha amarela da bancada Leste de Old Trafford. Estão melhor no jogo, confiantes.

Numa aparição da famosa estrelinha, Amorim vê Hojlund empatar em cima do intervalo. E aqui festeja. São três segundos, mas efusivos, aos quais se seguem outros tantos de cócoras e o agarrar da garrafa de água com veemência. É muito melhor sair para intervalo empatado que a perder, enquanto o pessoal do corporate come e bebe mais qualquer coisa no quentinho da sala. Pouco depois do descanso, novo golo do dinamarquês. Desde então é ver Rúben sempre em pé (ou de cócoras) e a dar cada vez mais instruções. «Habituem-se ao facto de ele querer sair em construção mesmo quando a bancda exige mais golos para ficar descansada», avisa o convidado português.

Há sobressaltos até final, mas a vitória não foge. E Ruben só se senta meio minuto já na compensação, quando dá a Carlos Gonçalves o palco para orientar a equipa num livre perigoso a favor do Bodo Glimt. Termina o jogo e Amorim vai célere para o balneário, como de costume. Mas o caminho dura meio-campo e é tempo de ouvir um aplauso retumbante, que retribui.

A expectativa

Norman Whiteside, médico que ficou na história do United pelo golo que valeu a Taça de Inglaterra em 1985, frente ao Everton, dera o mote antes do jogo: «Sabemos que a equipa não tem sido brilhante, temos mesmo de tentar ganhar hoje.»

Agora, de novo na sala VIP e perante as últimas bebidas da noite, tem a palavra Clayton Blackmore, ex-jogador já do tempo de Alex Ferguson, o grande fantasma de todos os treinadores que voltaram a sentar-se no banco do United. «Foi bom vencer, vamos ver como corre daqui para a frente.»

O Manchester United não é campeão inglês desde a saída de Ferguson, em 2013. Sabe-se que o clube (a própria história do lendário escocês prova-o) tem paciência para esperar frutos do trabalho dos treinadores. Mas a pergunta vai ficar a pairar: «Será que Ruben Amorim consegue?»