ENTREVISTA A BOLA Renato Paiva: «Sou um treinador feliz e orgulhoso do meu caminho»

INTERNACIONAL21.11.202411:00

Treinador quer conduzir o Toluca depois de jejum de 14 anos. E as coisas estão a correr bem. Benfica é passado, presente e quem sabe futuro. Fala de Paulinho, Maxi Araújo e muito mais.

O treinador do Toluca goza os louros do bom trabalho no México. Persegue a conquista do campeonato contra adversários com mais capacidade financeira. Fala de Paulinho, Maxi Araújo, Benfica e muito mais.

— Como avalia o sucesso do Toluca e qual o enquadramento que faz deste sucesso na carreira?

— Para a minha carreira, em parte era importante porque a minha primeira passagem pelo México, no León, não foi como queríamos, não teve as condições de trabalho e os resultados que pretendíamos. Regressar ao México não era para provar alguma coisa a alguém, mas era para dar seguimento a uma carreira que tem sido bonita. Queria experimentar um projeto no qual tivesse, de facto, condições para desenvolver o trabalho com o meu cunho e da minha equipa técnica. O projeto do Toluca permitiu que isso acontecesse e estou feliz por isso. Depois, estamos a falar de um sucesso, para já, sem a conquista de títulos, mas um sucesso. Quando chegámos [dezembro de 2023] o Toluca nem sequer se tinha qualificado para os plays-offs, tinha ficado em 12.º lugar, e nós, praticamente só com três reforços, fizemos um trabalho em que colocámos o Toluca no terceiro lugar da fase regular [no campeonato anterior], só perdemos o segundo no último jogo, na única derrota em casa, em que falhámos dois penáltis e perdemos 1-0 com o Cruz Azul e passámos de segundo para terceiro. Fomos o melhor ataque da fase regular, atingimos um número de pontos de jogos em casa que não se atingia há muito tempo. Depois falo de consistência e regularidade. Fomos eliminados nos quartos de final do play-off pelo Chivas, num contexto, não gosto de chamar injusto, mas em fizemos bastante para passar. Em dois jogos precisávamos de fazer um golo, porque perdemos 1-0 em Guadalajara e em casa foi um massacre literal, um ataque à baliza adversária, depois expulsam-nos um jogador e continuamos a gerar oportunidades. Depois desde postes, guarda-redes, golos anulados, bolas perdidas inacreditavelmente… A bola não tinha de entrar nesse dia e acabámos por sair. Entrámos no segundo torneio e acabámos em segundo [lugar], outra vez igualámos o número de golos marcados, 38, e baixámos bastante os golos sofridos. Fomos o segundo melhor ataque atrás do Cruz Azul, a melhor defesa, enfim, e invictos em casa. Em dois torneios temos uma derrota em casa o que é notável. Agora estamos a preparar-nos para disputar os play-offs, aguardar para saber quem é o nosso adversário. Se falarmos em consistência, em regularidade, em manter ou melhorar os números estamos satisfeitos, mas, obviamente, depois, aqui, há outro campeonato a seguir à fase regular, das eliminatórias, play-offs, diferente, a duas mãos, com quartos de final, meias-finais e final e é aí que se decide o campeão. É esse passo que temos de dar.

— Para quem não acompanha bem o futebol mexicano, poderia explicar o contexto do Toluca? É um clube luta sempre por títulos, está na parte de baixo da classificação? Não será um clube que lutará sempre por títulos, poderá explicar-nos isso, porque é que o seu trabalho teve tanto sucesso?

— O Toluca é, em títulos conquistados, o terceiro maior clube, só atrás do América e do Chivas de Guadalajara. A questão é que não ganha um campeonato há 14 anos, o que é bastante tempo. Em termos de popularidade, massa adepta, fica muito atrás de América, Chivas, Pumas, Tigres, Monterrey, para lá das potências financeiras que são América, Cruz Azul, Tigres e Monterrey. O Toluca é um projeto de um dono, que começou com um pai que entretanto faleceu e deixou o legado ao filho. Tem um cunho não só desportivo como também social, também virado para a medicina, educação. O dono tem muitos projetos e tem o futebol. Houve um período longínquo da história do Toluca no qual se ganharam muitos títulos e que permitiu, em número de títulos, ser o terceiro maior clube do México. Mas em termos de popularidade, expressão nos media e massa adepta está muito longo do que são América, Chivas, Cruz Azul e por aí fora. Estamos a tentar o feito de voltar a trazer um título para esta instituição ao final de 14 anos. É uma instituição muito credível, até pelo impacto do dono na sociedade mexicana, e um projeto que nos dá muitas responsabilidades a vários níveis, olha-se sempre para vertente social do Toluca. Mas, de facto, não é um dos grandes. Se formos ver os programas de televisão fala-se dois/três minutos do Toluca e meia hora do América e outra meia hora do Chivas e do Tigres, etc. Esta é a realidade que temos. Em relação ao nosso trabalho, foi possível ter sucesso, primeiro, pelas condições de trabalho que temos, são extraordinárias, um centro de treinos fantástico, um estádio espetacular, massa adepta que não é grande mas é muito fervorosa e muito identificado com aquilo que é o Toluca, que tem a base na cidade de Toluca. Mas há uma coisa importante: não são muitos, mas não há um estádio no México onde não existe adeptos do Toluca. E em muitos deles em superioridade em relação aos da casa. Isso, as condições de trabalho e a abertura de quem manda para ouvir o nosso projeto, dar-nos as condições para que fosse implementado, houve uma abertura incrível e um esforço financeiro bom para podermos melhorar a equipa. Fizemos três contratações para o primeiro torneio assim que chegámos. Foram três contratações cirúrgicas e são três jogadores titulares. E agora a mesma coisa, se bem que foi um bocadinho mais difícil porque os jogadores foram chegando mais tarde, com o campeonato a andar e ainda há dois que chegaram mais tarde, casos do Helinho que veio do Red Bull Bragantino e do Anderson [Duarte] que veio do Uruguai [Defensor Sporting], que ainda estão a aprender o que queremos do jogo. Mas as condições são, de facto, extraordinárias para trabalharmos e cabe-nos fazer o resto.

— Pode dizer-se que este é o seu melhor trabalho ou é muito redutor?

— É redutor. Temos sempre coisas boas e más por onde passamos. Mesmo no León e Bahia, nos quais as coisas não foram tão positivas. O Bahia foi mais positivo que o León, até porque foi mais tempo, ganhámos um título, um Estadual. O Estadual faz-me uma confusão terrível na cultura do Brasil. Quando se ganha ninguém valoriza e quando se perde é para despedir treinadores. Fico-me com o que fizemos e a verdade é que o Bahia, com muito melhor equipa, com um plantel muitíssimo melhor depois de ter saído não conseguiu ganhar o Estadual e perdeu para o Vitória. Conseguimos esse feito. Estávamos a arrancar, tivemos 25 contratações durante o caminho e tivemos de juntar aquilo tudo numa equipa. Conseguirmos ganhar o Estadual e foi um feito importante. Depois não correu tão bem no campeonato. Gostaria de ter naquele momento o plantel que hoje o Bahia tem. Não foi possível. Mas há sempre coisas positivas. Obviamente, o Independiente del Vale vai ficar-me marcado. Na minha e na história do clube. Foi o primeiro título de ambos. Foi o primeiro título nacional do Independiente del Vale, para se ter uma ideia [será] mais ou menos um SC Braga do Equador, e ter sido campeão nacional foi histórico. E, para mim, também, que saio de Portugal… A última entrevista que dei foi à Irene [Palma], a A BOLA, que me perguntou o que gostaria de ter na palma da mão agora que me ia embora e respondi um título profissional. E foi exatamente aquilo que consegui no Independiente del Vale. É um trabalho muito bom, é o primeiro, aquela transição do futebol jovem para o profissional, aquelas dúvidas todas, a tal etiqueta de ser um treinador de jovens e não de seniores. Mas aí foi coroado com um título e com 11 vendas de jogadores. Ainda há três dias estava a ver o Equador com a Bolívia e havia quatro jogadores que estreámos no Independiente del Vale serem titulares, caso do [William] Pacho, do [Joel] Ordóñez… O Pacho está no PSG, vejam bem onde está, o Ordóñez no Club Brugge, o Pedro Vite na MLS [Vancouver Whitecaps], enfim. São marcas que também deixamos. O que diferencia este projeto é que nos dá mais condições para lutar por títulos, que é o que estamos a fazer. Não sendo um grande, como o Independiente del Vale, estão a criar-se condições para ombrearmos, e os resultados indicam-nos, com os maiores do México. O Independiente marca-me por ser o primeiro, coroado por muitos êxitos. E agora vamos ver o que vai acontecer aqui. Só se marca com títulos e falta-nos esse título no Toluca.

— Falou-nos das experiências no Independiente del Valle, León e Bahia. Acaba contrato no fim do ano mas há uma cláusula de renovação automática por mais se chegar às meias-finais. Qual é a sua perspetiva num futuro imediato?

— Isto é sempre um casamento e num casamento há sempre dois. A minha vontade é continuar aqui. Estou muito feliz. Gosto muito do grupo que tenho, que fomos construindo, às vezes surge uma notícia de alguma procura e os meios de comunicação vêm perguntar-me logo… E uso a mesma frase: ‘Não, estamos a construir um bolo muito bonito, não vou deixá-lo pronto para que venha outro comer.’ Estamos com um grupo extraordinário, com condições muitíssimo boas, estou muito feliz, vivo aqui muito bem. Gostaria de continuar. Gosto do campeonato é um desafio treinar um clube desta dimensão e que não ganha há tanto tempo. Quero deixar a minha marca, gosto dos diretores, gosto da forma como se dirige o clube. Portanto, estou muito satisfeito. Para já espero chegar às meias-finais, porque há essa cláusula, mas estou convencido de que se tivermos a infelicidade de não chegar lá temos condições para continuar.

Renato Paiva lançado ao ar pela equipa de juvenis do Benfica que foi campeã em 2018. Foto: Sérgio Miguel Santos

«Espero que Lage seja outra vez campeão»

— Já não se sente aquele tipo com azar que não teve oportunidade de dar o salto da equipa B para a principal do Benfica?

— Não, as coisas são no tempo de Deus. Quando têm de acontecer, têm de acontecer. Se não tinha de acontecer, não tinha de acontecer. Fez-me ir por outro caminho, onde sou um treinador muito orgulhoso e muito feliz pelo que fiz. O azar foi, obviamente, uma ironia que utilizei na altura. Mas as coisas seguiram o seu caminho e o Lage foi campeão no Benfica, espero que seja outra vez. Se algum dia tiver de acontecer muito bem, se não tiver de acontecer… acima de tudo sou um treinador de futebol. O que quero e peço todos os dias é, primeiro, ter saúde, para poder fazer o meu trabalho e, depois, é ter uma equipa, seja ela qual for, ter um balneário para gerir, um plantel para pôr uma equipa a jogar futebol, ver os resultados, ver as pessoas felizes, sentir-me feliz todos os dias quando trabalho, é isso que sinto com a minha equipa técnica. As coisas são como são. A única coisa que quero é que o Benfica seja sempre muito feliz, é o meu clube de pequenino e isso não posso nem vou negar.

As saudades da família e... do peixinho de Setúbal

— Disse-me, antes de começarmos a entrevista, que tinha ido às compras. Quanto custa aí um café?

— A vida é cara, a vida é cara. Um café aqui vai custar uns três euros, à volta disso. A vida, de facto, é cara. Óbvio que há preços para tudo. Mas se formos comer a um restaurante do mesmo nível, se calhar se pagarmos 30 euros por pessoa aqui podermos pagar o dobro, talvez 50/60 euros. Claro que depois há os supermercados mais low cost e os outros para outras bolsas. Mas a vida aqui, no geral, é cara.

— Do que tem mais saudades de Portugal?

— Do peixinho de Setúbal. Tenho muitas saudades dos restaurantes onde ia constantemente comer o meu peixinho grelhado, sou um fanático por peixe, se pudesse só comia peixe. Aqui não é tão fácil, apesar de haver. O restaurante onde vou mais vezes é de peixe e marisco, aí estou mais ou menos familiarizado. Mas eles nunca vão fazer o peixe como fazemos aí em Portugal e muito menos em Setúbal. As maiores saudade são, obviamente, da minha família, dos meus pais, da minha filha, da minha irmã, do meu cunhado, da minha sobrinha, dos meus amigos que aí estão e que tanto acompanham a horas tão difíceis os jogos do Toluca, porque às vezes são às 3 da manhã. O meu pai tem 90 anos e a minha mãe 86 e não perdem a que horas for. Tenho saudades de estar com eles, do abraço, do beijo, do convívio. É o que sinto mais falta. Falar por vídeo todos os dias ameniza mas não é a mesma coisa.

Renato Paiva é muito popular em Toluca. Foto: IMAGO

— Anda bem na rua? Param-no muitas vezes para pedir fotografias?

— Imensas, imensas. Ando bem porque há segurança. Às vezes as pessoas fazem uma ideia de violência do México. Zero problemas. Quer em León, quer aqui. Felizmente, porque é bom sinal, ir a algum lado sem ser reconhecido. Se ganhasse um euro por fotografia já podia ter comprado uma casa em Portugal. Mas isso é óbvio, é resultado do bom trabalho.

— As casas em Portugal estão caras.

— Eu sei, portanto imaginem. Fico feliz porque não é pela foto. É o reconhecimento do bom trabalho que estamos a fazer e dos adeptos, aqueles a quem entregamos o trabalho. Às vezes dizem-me assim: ‘Não recusas uma foto a ninguém.’ Não recuso. Sei o que é ser adepto, ter 10/12 anos e chorar por um autógrafo do Carlos Manuel, do Chalana, do Bento. Não havia fotografias nessa altura, não havia telemóveis, mas ir a algum lado, encontrá-los e ter um autógrafo deles era uma coisa com valor incalculável, tal como vejo hoje os adeptos com os jogadores, as esperas no hotel.

— Qual foi a história que mais o impressionou nesse aspeto?

— Jogámos agora com o América em casa e havia dois casais que vieram de Los Angeles só para ver o jogo. E que há muito tempo não viam o Toluca. Disseram-me que há muito tempo não viam o Toluca ao vivo porque não lhe criava aquele friozinho na barriga, como agora, de gostar de ver o jogo e sentir que podemos ganhar títulos. Entenderam que era o jogo ideal para ver. É uma história que marca, como outras. Aqui as viagens de carro são de muitas horas e há pessoas que fazem esses caminhos para ver o Toluca.