ENTREVISTA «Quando vim para a FPF não foi com nenhuma ambição de ser presidente»
José Couceiro no 'Conselho de Estádio' de A BOLA
Com uma experiência que lhe permite ter uma visão de 360 graus sobre o futebol, José Couceiro, vice presidente da FPF e Diretor Técnico Nacional, foi o convidado do Conselho de Estádio de A BOLA e afirmou que, apesar de poder ter condições pessoais, suceder a Fernando Gomes não faz parte do seu projeto de vida...
JOSÉ MANUEL DELGADO (JMD) – O José Couceiro já foi futebolista profissional, presidente do Sindicato dos Jogadores, administrador, diretor desportivo, selecionador nacional, treinador de clube, e é agora Diretor Técnico Nacional (DTN) e vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Falta-lhe fazer alguma coisa no futebol?
— Bom, nunca fui árbitro, mas acho que é um percurso normal…
JMD — Não, não é normal, porque não há mais nenhum assim.
— Fui fazendo sempre aquilo de que gosto, consoante as oportunidades foram surgindo. Inclusivamente colaborei com A BOLA [José Couceiro foi, durante um ano, comentador-residente da Quinta da Bola, em A BOLA TV], com muito gosto, e todas essas experiências marcaram-me e deixaram-me ensinamentos. É por isso que vou continuar, enquanto puder, a funcionar desta forma.
VÍTOR SERPA (VS) — Para si, cada um desses lugares, como treinador, como dirigente, como presidente do Sindicato, foi sempre uma maneira diferente de olhar e perceber o futebol?
— Eu não olho para o jogo de uma maneira diferente e aquilo de que gosto mais, realmente, é precisamente do jogo. Como treinador, foi a experiência mais intensa, ser jogador é ter menos responsabilidades e mais divertimento, e nesse aspeto é melhor, e até costumo brincar com os meus colegas treinadores, dizendo-lhes que quando vou ao estádio não os vou ver, vou ver é os jogadores.
JMD — Mas há algum tempo que se dedicou ao dirigismo…
— Nós trabalhamos para que haja melhores condições, para potenciar a qualidade do jogo. Na circunstância em que me encontro, o que me dá mais gozo é ajudar a que possa haver mais qualidade no nosso futebol.
VS — Ter jogado ajuda-o nas outras áreas ligadas ao futebol?
— Sim, mas nunca fui um jogador de primeiro plano. Mas ser treinador ajuda muito, e ser dirigente dá-nos outras valências. Enquanto fui diretor-geral ou administrador, brincava com os meus treinadores, e perguntava-lhes: ‘Vocês pagam salários? Preocupam-se em arranjar dinheiro para cumprir com toda a gente? Eu é que tenho de me preocupar com isso…’, logo, estamos perante componentes diferentes, com todas aprendemos, e depois é possível ter uma visão do todo, que nos aumenta o bom senso no momento da decisão.
OS CLUBES DE CIDADE
VS — O jogador, ou o treinador, têm uma relação próxima com o clube, algo que se perde quando se está na FPF…
— A relação direta com um clube é uma relação que se torna, por vezes, íntima. Recordo a minha passagem pelo Vitória de Setúbal e costumo dizer que fui adotado. Aliás, há muita gente que pensa que eu sou de Setúbal, e a verdade é que não tinha nenhuma relação com a cidade ou com o clube, até o Quinito me convencer e me levar para lá. Depois criou-se uma ligação extraordinária e francamente nunca vivi nada assim. Toda a gente sabe qual é o meu clube, mas mantenho-me sócio do Vitória, de onde saí como treinador por divergências com a administração da altura. Eu queria reduzir o plantel, queria ter a equipa de sub-23, e não era essa a ideia dos dirigentes. Mas tenho orgulho em ser o terceiro treinador com mais jogos oficiais do Vitória, depois de Fernando Vaz e José Maria Pedroto, que marcaram os anos de ouro do clube.
JMD — O que aconteceu ao Vitória, ao Belenenses e a outros históricos, deve servir para, pelo menos, se refletir?
— Creio que sim. O Vitória, por exemplo, está a 40 minutos da capital e de um grande aeroporto internacional, e não consegue potenciar o triângulo cidade, autarquia, clube. E isto não é mau apenas para o Vitória, é negativo para o futebol no geral. Precisamos de grandes clubes de cidade. Os chamados três grandes, têm mais de 90 por cento do mercado. Portanto, somos completamente diferentes dos outros mercados europeus e precisamos de soluções diferentes para a realidade que temos.
VS — Será que a solução, por exemplo, para clubes como o Beira-Mar, o Vitória de Setúbal, a Académica, a UD Leiria, deve passar por uma nova política das autarquias?
— Não vou tão longe. Mas as autarquias são elementos fundamentais para o desporto em Portugal, sem elas estávamos consideravelmente piores e não tínhamos feito muitas coisas, inclusive no futebol.
JMD — E o que está a fazer a FPF?
— Num dos programas que temos implementado, que agora é designado como ‘A Hora dos Superquinas’, estamos a trabalhar com o primeiro ciclo. O nosso principal conselheiro é o professor Carlos Neto, e deve frisar-se que não estamos a falar de futebol, mas sim de desenvolvimento motor, de conseguirmos que as crianças tenham, de facto, a possibilidade de saberem correr e pular, que se sujem nas brincadeiras, algo que é tão importante como escrever e ler. As autarquias são parceiros fundamentais para este projeto e não têm de, obrigatoriamente, apoiar o desporto de alto rendimento.
MUDANÇAS E INVESTIDORES
VS — Há decisões que deviam ter sido tomadas há 20 anos e não hoje, os direitos televisivos estão um bocadinho, para o futebol, como o novo aeroporto para Lisboa, e se calhar é preciso encontrar novas soluções…
— Vocês, na comunicação social, são das áreas da sociedade que mais têm sentido as mudanças, especialmente a mudança digital. Mas, embora o digital constitua uma oposição ao desporto, temos que aproveitar o digital, e aproveitar o que o tem de bom, para colocarmos mais gente a praticar desporto.
VS — Porque não se pode parar o vento com as mãos…
— Exatamente. Mas a questão de fundo é educacional, tem a ver com a formação e sabermos distinguir o desporto da atividade física. O desporto é inclusivo, tem uma série de valores, que nem sempre são mantidos no alto rendimento, mas que estão presentes na base e são fundamentais para a saúde e para o desenvolvimento. E isto não se faz só com os grandes clubes.
JMD — É possível clubes históricos, e já falámos de alguns, sobreviverem sem investimento externo, sem alienarem parte do seu capital? O Belenenses deve ser, neste momento, o clube das divisões profissionais com o orçamento mais baixo…
— Em primeiro lugar, devo dar os parabéns ao Belenenses pelo que têm conseguido fazer, por não ter perdido a cabeça quando regressou às competições profissionais, e pela cooperação, fantástica, connosco. Quanto ao investimento externo, nunca fui contra. Tudo depende da forma como ele surge, e qual o controlo sobre tudo isso. Porque a marca está no clube, e neste caso só há cinco campeões nacionais em Portugal e o Belenenses é um deles.
VS — Mas não devia estar regulamentado de uma forma mais exigente o acompanhamento desse tipo de investidores?
— Acho que devíamos ser mais exigentes e rigorosos. E com os requisitos para se estar numa competição profissional também. Quando olhamos para as competições, andamos sempre a avaliar binómios, por exemplo, a competitividade e a representatividade. Se quisermos uma competição mais representativa, evidentemente que é o nível baixa. E se, ao nível no Campeonato de Portugal, ou das competições interdistritais, importa ter a representatividade de todo o País nessas competições, quando chegamos ao nível de elite, temos de facto de olhar, fundamentalmente, para a competitividade, e é preciso levar em conta para um conjunto de requisitos, para lá do mérito desportivo, que tem de existir.
A ERA DAS ACADEMIAS
JMD — Treinou na I Divisão da Turquia, quais eram as exigências em termos de infraestruturas?
— Quando estive na Turquia, todos os clubes da I Divisão tinham um centro de treino com capacidade hoteleira. A minha equipa era de Gaziantep...
JMD — A zona mártir do recente terramoto…
— Sim, foram muito afetados, ainda tenho lá algumas pessoas com quem continuo a manter relação. Mas, e estamos a falar de 2009, tinha dois campos relvados só para a equipa principal, quartos para todos os jogadores, cozinheiro, hotel, tinha tudo. E essa realidade era replicada nos outros clubes. Nós tivemos as primeiras academias, tirando o Vitória de Guimarães, que é o primeiro exemplo…
VS — Com Pimenta Machado…
— Sim, com Pimenta Machado, mas as outras a nascerem no início dos anos 2000. Carlos Queiroz dizia muitas vezes isto, com toda a propriedade, que nós temos a paixão pelo jogo, e na verdade três quartos da população portuguesa gosta de futebol, e temos também ADN para o futebol. Pelo meio, precisamos de planeamento, trabalho, e empenho, para conseguirmos potenciar o que nós temos naturalmente. E a verdade é que hoje estamos muito melhores. O SC Braga é um exemplo fantástico, com uma Academia de primeiro mundo. E não é por acaso que temos constantemente equipas na Final Four da Youth League, como é o caso do FC Porto nesta época.
JMD — Na verdade, algumas coisas fazemos muito bem…
— Em várias reuniões com outros diretores técnicos europeus, eles ficam muito surpreendidos por eu ser, simultaneamente, vice-presidente da FPF, e que ninguém que tenha chamado, para a Federação respetiva, tantos ex-jogadores e ex-treinadores como nós.
VS — E o quadro competitivo?
— Ao falar com o meu colega inglês percebo porque razão eles não têm equipas B: da League 1 à Premier League têm 92 equipas. Mas têm sub-23. Hoje, entre nós, a Liga 3 é praticamente tão competitiva como a II Liga, e ao mesmo tempo temos equipas B e também um campeonato de sub-23. E temos duas divisões nos sub-19 e nos sub-17, e há inclusivamente equipas B nos sub-17, onde são utilizados sub-16, preenchendo um gap importante. No ano passado, o Sporting Clube Braga foi campeão nacional da 2ª Divisão sub-17 com a equipa B. E replicamos isto para o Sub-15.
JMD — Na época passada o Famalicão foi campeão nacional de sub-19, uma proeza a que, muito provavelmente, não foi dado o mérito devido…
— Sim, desde o Alverca, no meu tempo de administrador, que um clube dito pequeno não conseguia tal proeza. Hoje em dia o Famalicão tem uma estrutura maior, e é um bom exemplo de um clube que percebeu que a formação é decisiva. E a oferta competitiva é muito importante para o desenvolvimento dos jogadores. Nós só crescemos se, do outro lado, tivermos oponentes de nível, que nos criem dificuldades, e a quem não ganhemos por 10 a 0.
VS — Mas o objetivo na formação deve estar para lá das vitórias?
— Há momentos em que temos de pôr os mais jovens a jogar em competições mais elevadas, porque o objetivo final é jogarem na primeira equipa. Este é o processo que a Federação faz há muitos anos, e que eu continuei, e como diretor técnico incentivo a que possa ser mantido.
OS ‘MAPAS’ DE PORTUGAL
VS — Como é que o futebol pensa resolver a questão do interior?
— Há claramente, uma divisão entre o interior e o litoral. A esmagadora maioria dos clubes profissionais estão no litoral, na zona de maior desenvolvimento económico. Hoje, quem faz a parte principal da ligação técnica da FPF às Associações, com quem tenho relação direta, é o professor José Guilherme, DTN adjunto. Somos uma equipa e estamos em sintonia. Mas passemos à questão estrutural: quando fizemos um estudo piloto, a propósito do desenvolvimento motor no primeiro ciclo, pensava que os resultados entre o litoral e o interior fossem muito diferentes, ou seja, que as nossas crianças tivessem muito mais dificuldades no litoral do que no interior, e isso não é verdade. Os níveis são muito idênticos, apesar de lhe dizer que desse estudo resultou um dado particularmente grave, que é que as crianças fazem muito pouco, em termos de exercício físico.
VS — São essencialmente sedentárias…
— Exatamente. Não sabem saltar, pular, correr, como diz o professor Carlos Neto, um dos autores do estudo.
JMD — E o que pode ser feito?
— A minha opinião muito clara é que o nosso mapa administrativo não deve ser o nosso mapa desportivo. Sou, portanto, muito apologista das competições interdistritais, de forma a partirmos o País de forma diferente. Vou dar um exemplo: há uma equipa de futsal em Ponte de Sor, o Elétrico, da AF Portalegre, que está a 20 quilómetros de Abrantes, da AF de Santarém. Mas como são de Associações diferentes não podem jogar entre si e Abrantes não se desenvolve. E da Sertã, que é, em praticantes, o maior clube da Associação de Castelo Branco, de que distam 40 quilómetros, também não podem. Ou seja, não podemos ser tão rígidos quanto ao mapa administrativo do país. Neste momento, as associações estão a fazer esse esforço, e já há muitas provas interdistritais, nomeadamente no feminino, no futsal. Estamos a desenvolver estes mecanismos, que é a forma de não perdermos talento. Porque a Ana Borges é da Guarda, o Cristiano Ronaldo do Funchal, o Trincão de Viana do Castelo e o João Félix de Viseu. Temos de colaborar com o interior, arranjando soluções alternativas. Precisamos de pensar fora da caixa.
QUADROS COMPETITIVOS
VS — A FPF acabou de reduzir o número de clubes participantes no campeonato feminino para potenciar a qualidade dos jogos. É por aí que se deve ir?
— O equilíbrio é fundamental.
JMD — Esse é um caminho que devia ser seguido também no futebol profissional?
— Obviamente que é duro para alguns, porque ninguém gosta de ficar de fora. Mas temos que perceber que só desenvolvemos uma competição se houver equilíbrio entre os concorrentes. E é preciso criar condições para que haja esse equilíbrio. Não há nenhuma competição no mundo, que tenha grande qualidade, em que não haja concorrentes equilibrados.
JMD — Porque é que os clubes profissionais têm mantido uma resistência tão grande a essa ideia?
— Não sei ao certo. É uma questão que teria que ser conversada. O requisito desportivo, como é evidente, é o mais importante, mas tem de haver incentivos de acordo com a classificação, que vão para além das competições europeias. Neste momento, ficar em oitavo ou décimo quarto é igual, e em termos económico e financeiros deve ser diferente.
JMD — Temos País para tantos clubes profissionais?
— Já quando era Presidente do Sindicato dos Jogadores, nos anos 90, defendi que o emprego no futebol profissional tem de ser de qualidade e não de quantidade. E a competição profissional tem que ser completamente de elite.
VS — Na FPF tem havido uma alteração de quadros competitivos e uma preocupação de adequar a realidade aos tempos. No futebol profissional cada clube continua a olhar para o seu umbigo e nada mexe…
— Concordo que é muito mais difícil na competição profissional, porque tem outro tipo de condicionalismos, e politicamente também é diferente. E não me quero meter numa área que não é a minha. Mas é preciso perceber o impacto de tudo e nada pode ser feito para prejudicar os clubes, antes pelo contrário. Os clubes são a célula base para conseguirmos ter sucesso a todos os níveis, inclusivamente nas Seleções Nacionais. Hoje podia dizer, ok, temos 60 ou 70 jogadores que jogam nas principais cinco ligas europeias e estamos muito bem…
VS — Mas isso deve-se ao acórdão Bosman, que levou a uma rutura e não a uma continuidade.
— Exatamente. Em Portugal, deve-se ser concreto e frio na forma como se olha para todas as competições, sabendo-se que alterando um quadro competitivo acima, isso vai ter consequências no quadro competitivo abaixo, e esse vai ter consequências no outro. Temos de pensar tudo como um todo.
A SUCESSÃO DE FERNANDO GOMES
JMD — Tem trabalhado diretamente com Fernando Gomes, que está a terminar o seu último mandato na FPF. Há um antes e um depois no futebol português relativamente à presidência de Fernando Gomes?
— É claro que há um antes e um depois, a começar pelas infraestruturas…
VS — Antes parecia o novo aeroporto de Lisboa…
— Hoje temos condições que não tínhamos, que vão ser melhoradas até ao final do ano, com a inauguração da terceira fase da Cidade do Futebol. O número de Seleções Nacionais aumentou consideravelmente, nomeadamente no futsal, no futebol feminino e no futebol praia. Houve claramente um crescimento, devido a uma visão muito ampla.
VS — Quantos praticantes tem atualmente o futebol português?
— Temos 228 mil e 28 Seleções Nacionais.
JMD — O futebol feminino tem ajudado ao crescimento e possui uma grande margem de progressão…
— Claro que sim. E como parte de uma base mais baixa, o crescimento em termos percentuais é impressionante, algo que se passa também com o futsal. Estes três mandatos de Fernando Gomes foram importantíssimos para esta rutura, para melhorar as condições. A marca que Fernando Gomes deixa é indelével.
JMD — Fernando Gomes vai acabar o mandato e seguirá para a FIFA. Alguém irá substituí-lo. Vê-se no lote de pessoas de onde pode sair o próximo presidente da FPF?
— Quando vim para a FPF não vim com nenhuma ambição. Aliás, por isso é que tenho a carreira que tenho, tão variada. Mas não coloco a questão dessa forma. Ter condições, minhas, intrínsecas, e de percurso, poderei ter. Mas não é um objetivo de vida. Há alterações que se fazem na rotura e eu nunca fui um yes man do regime, nem deste, nem de nenhum outro, apesar de poderem pensar que sou um elemento de continuidade.
VS — Mas relativamente a uma candidatura à presidência da FPF?
— Em relação a esse futuro, os sócios da FPF e os clubes é que têm de decidir, têm que perceber o que querem para o futebol. Eu apenas posso garantir, muito abertamente, que nunca entrarei em negociações de grelha, porque sou contra esse tipo de procedimentos. Isso, de certeza absoluta, não farei.
VS — O cargo de presidente da FPF tornou-se ainda mais apetecível depois de Fernando Gomes. Há o perigo de algum envolvimento político nas próximas eleições?
— A mim, o que me dá gozo não é o cargo que ocupo, é fazer coisas. Ocupar uma posição e não ter essa possibilidade, sinceramente, não vale a pena. Estar num cargo só para dizer que estive lá, para ter mais uma linha no currículo, isso não.
O ESTADO E O DESPORTO
VS — Há uma questão que normalmente não é muito falada, e que me parece essencial, que é a alteração do estatuto do dirigente voluntário, nomeadamente ao nível dos pequenos clubes, dos clubes do interior, e daqueles que têm o foco sobretudo na área da formação. Qual é a sua opinião?
— Sem esses dirigentes estávamos muito mal. Não têm a exposição que nós temos e são fundamentais para o desenvolvimento do desporto. Porém, há duas vertentes: por um lado, era bom que todas as estruturas pudessem profissionalizar-se, e eu estou muito à vontade nessa matéria, porque fui o primeiro dirigente profissional de todos os sócios da FPF, como presidente do Sindicato dos Jogadores. As pessoas têm que viver de alguma coisa e é preciso clareza. Depois, no processo de certificação da FPF, temos feito formação na Portugal Football School, o que é garantia de dirigentes mais bem preparados. Este processo de certificação é decisivo para a qualidade do que podemos oferecer. Agora, vai toda a gente poder ser profissionalizada? Não, não há capacidade. Nós precisaremos sempre do dirigente benévolo, que veste a camisola e gosta do clube.
JMD — Devia haver outro tipo de apoio institucional ao Desporto?
— Obviamente que sim, mas isso já tem a ver com uma visão nacional. A Cultura é fundamental e acho muito bem que se aumente o valor que lhe é atribuído no Orçamento de Estado, porque temos de criar condições para que as pessoas sejam melhores, sejam mais capazes e tenham mais conhecimento. Mas, ao mesmo tempo, é importante que essas mesmas pessoas saibam correr, saltar, pular, jogar, que aceitem a inclusão, que sejam solidárias, e esses são valores que o desporto está vocacionado para transmitir.
JMD — Em Portugal, vê-se demasiadas vezes o Desporto como uma despesa e não como um investimento?
— Basta olhar para o PRR e perceber que ao desporto, em Portugal, são atribuídos €10 milhões, (menos de 10% do orçamento da FPF) e em Espanha o valor é de, pelo menos, 600 milhões.
VS — Haverá o perigo do próximo presidente da FPF vir a ter o foco no futebol de elite e não ter consciência da importância do desenvolvimento da formação, das instituições, dos clubes de interior, faltar-lhe, enfim, uma visão integrada do País?
— Não me parece que possa haver outro tipo de possibilidade. Mas quem faz as instituições são as pessoas. Se nós hoje estamos a falar da FPF como estamos, deve-se a Fernando Gomes. Mas não posso responder para além disto, porque não sei quem será o próximo presidente da FPF e quais as suas ideias.
JMD — Como é a sua relação com os clubes?
— Excelente, sejam eles quais forem. Falamos constantemente, a via está sempre aberta, porque só pelo diálogo é que se consegue fazer alguma coisa. Por exemplo, os clubes, muitas vezes, não libertam os jogadores para as Seleções jovens. E aí conversamos e avaliamos o que é melhor para o jogador. É melhor ficar no clube? Ou disputar uma fase final? No fim do dia, o nosso objetivo é comum: formarmos melhores jogadores.