Quando o maior caos nasce de dentro: a crónica do Estoril-FC Porto
O desespero de Francisco Conceição (Foto: Miguel Nunes)

Quando o maior caos nasce de dentro: a crónica do Estoril-FC Porto

NACIONAL30.03.202423:59

Se o árbitro perdeu o chão, o FC Porto perdera a ambição muito antes; Estoril volta a ser a besta amarela, e com muito mérito

Muita cólera, decisões erradas dos protagonistas (de árbitros a jogadores) e mais um final de jogo vergonhoso, novamente marcado pelos protestos do FC Porto, que perdeu o jogo por culpa própria.

Não se pode dizer, sequer, que tenha havido um antes e depois do penálti inicialmente assinalado sobre Francisco Conceição aos 57’. A decisão de reverter o lance é altamente discutível (e a partir daí o árbitro António Nobre começou a perder o controlo das ações), mas a verdade é que o jogo continuou como começou e se os dragões tivessem uma ideia clara de como ferir o adversário teriam seguido o seu caminho em vez de cair num caos emocional que ficou à vista na forma como Otávio provocou a expulsão de Diogo Costa (passe atrasado pelo ar que obrigou receção sob pressão e falta imediata sobre Cassiano).

Vergado à lei de Murphy, o FC Porto sofreu o 0-1 na sequência do livre, num lance que juntou todos os males: azar no desvio em Wendell e erro de Cláudio Ramos na formação de uma barreira que abriu demasiado o primeiro poste, a convidar o remate para aquele lado com bola molhada.

O jogo mudou a partir daí. Tornou-se mais caótico, embora mantendo um traço comum: o de um FC Porto incapaz de pôr Marcelo Carné à prova. Porque até ao lance do tal penálti as únicas oportunidades dignas desse nome tinham pertencido ao Estoril, e sempre a partir do lado esquerdo: Tiago Araújo cruzou para Cassiano rematar na pequena área para grande defesa de Diogo Costa (7’) e, já no segundo tempo (52’), Rodrigo Gomes rompeu pelo flanco, colocou a bola na pequena área, mas Cassiano, ao tentar em esforço o remate, acabou por tirar um golo certo a Heriberto.

Em contraponto, o único real perigo dos azuis e brancos foi traduzido numa bola colocada em profundidade para Evanilson (33’) que Mangala salvou a dois tempos e um remate fora da área de Varela (28’) que desviou em Mangala e passou muito perto do poste direito.

‘Némesis’ de amarelo

Foi surpreendente esta exibição tão pálida do FC Porto que não pode ser explicada apenas pelo facto de ser o primeiro jogo após as seleções. A equipa vinha de três vitórias consecutivas na Liga e se vencesse na Amoreira conseguiria lograr a melhor série da época. E Sérgio Conceição apostou na continuidade, colocando o mesmo onze pelo quinto jogo seguido.

Só que do outro lado estava a sua némesis em 2023/2024, uma besta negra mascarada de amarelo que esta época já tinha ganhado duas vezes (uma no Dragão, para a Liga, também por 1-0 e também de livre direto) e outra na Taça da Liga, que afastou os portistas na Final Four. Mesmo sem a estrela Rafik Guitane (chegou lesionado da seleção argelina), Vasco Seabra montou a equipa num 5x4x1 mordaz nas transições ofensivas e eficaz nas defensivas. Rodrigo Gomes e Mateus Fernandes têm um pulmão proporcional ao seu talento e ambições, os alas Wagner Pina (direita) e Tiago Araújo (esquerda) souberam interpretar o momento certo de vestir a pele de extremo ou lateral, os três centrais foram donos do pedaço e Cassiano é um daqueles avançados a quem o tempo o ensinou a definir os tempos de jogo.

Mais uma vez, a formação da linha de Cascais exibiu o seu lado bom (o de ter apenas menos sete golos marcados que o FC Porto) e não a face negra (uma das piores defesas da Liga), diante de um adversário que parece ter um bloqueio mental sempre que tem de apanhar pela frente vários homens de amarelo (em Arouca também foi assim).

Antes de o árbitro perder o chão já antes o FC Porto havia perdido a ambição e desta vez nem as jogadas individuais de Francisco Conceição disfarçaram. A ira que se viu após o apito final com novas cenas degradantes contra a equipa de arbitragem foi muito superior à vontade de ganhar. Tivessem os jogadores injetado metade daquela adrenalina nos duelos individuais durante o jogo e não estariam neste momento a dizer adeus ao título.