Opinião Orelha e rabo para Espanha
Van Gogh cortou a orelha, Dumbo teve as orelhas enormes, Tyson era o morde-orelhas, Trump teve a orelha fissurada e a Espanha deixa a Alemanha com direito a orelha e rabo
A orelha de Vincent William van Gogh, cortada pelo próprio em dezembro de 1888, alegadamente durante um ataque psicótico, tornaria famoso o pintor neerlandês, muitos anos depois da sua morte. Pintou girassóis em vasos, cadeiras vazias ou velhos a chorar em cima delas e múltiplos autorretratos entre dezenas de quadros com o traço característico do homem de Zundert. Num desses autorretratos aparece com a orelha cortada e coberta por uma espécie de gaze. Será uma das orelhas mais famosas do Mundo: a orelha que não se vê.
Anos mais tarde, em outubro de 1941, depois de ter criado filmes de banda desenhada com o rato Mickey ou a Bela Adormecida e os Sete Anões, a Walt Disney idealizou Dumbo, um elefante de orelhas enormes com a capacidade de, mesmo assim, voar por cima de tudo e todos. É a orelha mais famosa do cinema de animação: a orelha que todos veem.
A orelha de Evander Holyfield ficou conhecida meio século depois, em junho de 1997, por ter sido mordida, em pleno combate de boxe, por Mike Tyson. Um acesso de raiva, talvez não propriamente um ataque psicótico, levou o norte-americano de Brooklyn a morder e rasgar a orelha direita do compatriota do Alabama e mais tarde, já após ter sido advertido pelo árbitro, a morder e rasgar a esquerda de Holyfield. Dois dos maiores pugilistas de sempre marcados por um momento louco. Holyfield tem a mais famosa orelha do desporto mundial: a mordida e rasgada. E Tyson, com licença de Luis Suárez, os dentes mais afiados do desporto mundial.
Aanteontem, a orelha de Donald Trump, fissurada pelo tiro de um louco, passou a ser uma das mais famosas de todos os tempos, talvez superando as de Van Gogh, Dumbo, Holyfield, mostrando como escassos milímetros podem separar a vida da morte. É a orelha ensanguentada.
Ontem, em Berlim, esperava-se que o Espanha-Inglaterra fosse uma espécie de passarella para os homens de Luis de la Fuente, talvez com direito a orelha e rabo. Não o foi. Pelo menos até ao descanso. Nico Williams entrou enraivecido no segundo tempo e, numa espécie de ataque psicótico futebolístico, imitou Van Gogh e fez uma obra de arte para o 1-0. Mais tarde, pelo meio de domínio avassalador de Espanha, Cole Palmer olhou para a baliza de Unai Simón, viu uma brecha e rematou com a potência com que Mike Tyson esmurrava os adversários: 1-1. Por fim, mas mesmo por fim, Oyarzabal esticou o pé e fez o 2-1 final. Espanha teve, assim, direito a orelha e rabo. A sua quarta orelha e rabo em finais de Campeonatos da Europa.