«O Vitória neste momento pode ser um monstro adormecido»
Paulo Martins assumiu o cargo de treinador principal decidido a subir um degrau de cada vez; «O nosso posicionamento, enquanto equipa técnica e jogadores, é que estamos na 2.ª Divisão Distrital. Para onde queremos ir? Para a 1.ª Distrital», diz a A BOLA
O que sente por treinar um histórico como o Vitória numa fase tão particular?
Estar eu a comandar o barco nesta altura difícil para o clube é para mim um motivo de orgulho muito grande, sendo eu setubalense e tendo feito aqui nesta casa a minha formação. Vi sempre o Vitória na primeira Liga, a ganhar Taças de Portugal, outras vezes na segunda e a subir de divisão, e vemos sempre que sempre que joga, em casa ou fora, os adeptos acompanham-no sempre e continuam, mesmo na 2.ª Divisão Distrital. Há muitos clubes na primeira Liga que não têm a massa associativa presente no estádio que o Vitória tem e isso é, para mim, um motivo de orgulho e de responsabilidade.
Este é o momento desportivamente mais baixo da história do Vitória. Por outro lado, o desafio é ainda maior?
Comigo, todos os projetos são desafiantes. No ano passado, talvez tenha dito o dia mais bonito da minha carreira, pois entrei no Jamor como colaborador do Zé Pedro, e vi o Vitória em força nas bancadas, para no dia a seguir talvez ter tido o mais triste desportivamente que já vivi. A minha vinda para o Vitória veio com lealdade, o sentimento de servir o Vitória e não me servir do Vitória. Não vamos ser hipócritas, sei que com um bom trabalho ao serviço do Vitória posso vir a crescer como treinador, inquestionável, mas a minha vinda para o Vitória foi para servi-lo, porque é muito difícil para mim, que sou da cidade, enquanto adepto viver o sonho de estarmos esta época numa Liga 3 e, no dia a seguir, estarmos numa distrital.
Vivi esse sonho e ponho-me um pouco desse lado do adepto, porque também o senti e sinto, quando entramos em campo, e vemos aquela moldura humana toda. Quando digo que venho para o Vitória com um sentimento de responsabilidade e orgulho enorme, foi baseado nesses pontos todos e quando tudo o que está à volta desta administração, o profissionalismo que põem, sinto que também estou a crescer porque estamos habituados, no mínimo, ao que foi o ano passado e a exigência que há no Vitória este ano é a mesma que estava no ano passado. Tem tudo para correr bem? Tem, mas também sabemos que, como o Carlos disse, por vezes a bola bate na barra e não entra e teremos de saber ultrapassar essas dificuldades.
Plantel com três jogadores com experiência de Liga
Um olhar atento ao plantel do Vitória de Setúbal versão 2.ª Divisão Distrital permite aferir que, apesar de competir numa divisão secundária, os sadinos conseguiram cativar jogadores com algum cartel, três deles com passado com passado de Liga principal, tal como o clube: são eles Miguel Rosa, Nuno Borges e Léo Chão. Um facto que muito apraz ao treinador, Paulo Martins.
«Para aqueles que estão em final de carreira [Rosa e Borges], saber que terminar a jogar num estádio mítico, para 2.000 pessoas, é diferente de acabar a jogar num sintético para trinta, quarenta ou cinquenta. Se existe essa oportunidade, então vão agarrá-la», argumenta o técnico, que vislumbra no Vitória uma oportunidade irrecusável para aqueles que, em sentido oposto, ainda estão a começar. «Para aqueles mais novos, jogar no Vitória sem nunca ter passado por esses patamares… não vou pegar no exemplo dos outros, porque para mim são todos iguais, mas obviamente que esses jogadores nos vão dar mais experiência, mesmo em termos de balneário e de jogo», admite, feliz por contar com esse perfil de atleta.
Aqueles que estavam habituados a jogar para as cinquenta pessoas, todos querem vir para o Vitória e a sua grande riqueza é o seu património, que são os adeptos. Isso é importante para que um jogador queira jogar no Vitória, porque é um clube mítico, em Portugal toda a gente conhece o Vitória pelo seu historial, pelas Taças de Portugal, pela Taça da Liga, e poder vestir a camisola, para eles, num projeto que foram eles que começaram de levar o Vitória de volta à primeira, faz todo o sentido para que queiram vir», considera, determinado em iniciar o primeiro ano com o sucesso que todos os vitorianos ambicionam.
Fazia parte da equipa técnica anterior, como adjunto de Zé Pedro, e assumiu a equipa como treinador principal. Ponderou acompanhá-lo rumo, na altura, ao Alverca? Considera que trazer continuidade ao clube neste momento pode fazer toda a diferença?
Nunca se proporcionou eu acompanhar o Zé, nunca se pôs em equação. Quanto ao facto de a escolha para treinador principal ter sido pela minha pessoa, obviamente que fica mais fácil quando já se ganhou. Já fui duas vezes campeão, e já tinha subido a outra equipa [equipa B], portanto o conhecimento sobre esta divisão existe. É tudo muito mais fácil quando já se está cá dentro e se tem conhecimento, apesar de se ter saído durante uma época para o Campeonato de Portugal e não ter acompanhado tanto a 2.ª distrital. Tínhamos a equipa B e ao conseguirmos observar alguns jogos da equipa B tornar-se-ia muito mais fácil a alguém da casa poder, com este perfil, ficar, pois conhece os cantos à casa, a maneira de trabalhar da direção. E notei isso: houve muitos jogadores que, quando se criou este projeto no Vitória, devido a já terem ouvido falar do Paulo nesta divisão e de o Paulo já ter ganho, também gostariam de um dia trabalhar com ele.
Houve, por isso, energias que começaram a juntar-se aqui e fica mais fácil, quando se conhece os cantos à casa, ser-se o responsável por levar o barco.
Têm sido anos muito atribulados para o clube, que da Liga passou para o Campeonato de Portugal, depois integrou a Liga 3, depois foi despromovido ao Campeonato de Portugal, na época passada conquistou desportivamente o acesso à Liga 3 mas acabou remetido à 2.ª Divisão Distrital. Como se mantém o Vitória levantado no seguimento de tudo isto?
Acompanhei por fora as descidas administrativas, exceto a do ano passado. Não é fácil, pois uma descida de divisão em qualquer clube ou qualquer clube que não atinja os objetivos não é fácil e continuo a dizer que, se o Vitória está vivo, é graças aos adeptos porque é muito difícil que um clube caia para uma 2.ª Divisão Distrital, vai jogar a 50 km e os adeptos vão ao lado do autocarro, a buzinar. Chegamos ao estádio e eles estão à nossa espera – isso faz com que o Vitória esteja vivo.
O Vitória neste momento pode ser um monstro adormecido, porque a força que existe em Setúbal tem de ser alavancada. Agora, para nós que estamos mais ligados ao que é o treino e o jogo, jogar no Vitória é uma responsabilidade grande por tudo isto que estávamos aqui a falar e há que transmitir a quem joga, pois nós temos as nossas ideias mas eles é que decidem lá dentro, que eles têm de assumir a responsabilidade e todos nós temos um lema, que é saber onde estamos e para onde queremos ir.
Não vale a pena nós, equipa técnica e jogadores, estarmos a pensar que o Vitória daqui a seis anos está na primeira Liga; se este ano não subirmos, daqui a seis anos será impossível, portanto o nosso posicionamento, enquanto equipa técnica e jogadores, é que estamos na 2.ª Divisão Distrital. Para onde queremos ir? Para a 1.ª Distrital. E o que temos de fazer? Ganhar. E desde o início, quando começámos com oito jogadores, quando houve jogadores que entraram no balneário e olharam uns para os outros, havia mais espaço que jogadores.
E eu dizia-lhes: calma, as coisas estão a ser trabalhadas. Estejam descansados, porque vamos ter um plantel competitivo. Porque aqueles que vinham com nome podiam olhar para o lado e pensar: onde me vim meter? Mas não, acreditaram e o que é certo é que as coisas estão a correr de encontro com o que esperamos. Todos nós sabemos que cada um tem uma responsabilidade dentro do grupo e tem de levá-la ao máximo, porque se todos eles tiverem esse foco, o bem-estar no balneário vai sair bem mais forte. Se houver um a baixar, os outros terão de o levantar, pela exigência que existe.