O polémico 6x3x1 do Casa Pia e os dois pesos e duas medidas

NACIONAL09.10.202400:15

No Barcelona-Inter da segunda-mão da meia-final da Liga dos Campeões de 2010, Mourinho, com menos um, defende até à exaustão a vantagem (3-1) trazida de Milão e passa à final. Conclusão: 'masterclass' de Mou. Casa Pia joga em 6x3x0 em Alvalade e perde por 0-2. Conclusão: estratégia de João Pereira foi a bandeira do anti-futebol

Podemos ter dois pesos e duas medidas quando analisamos um jogo de futebol? Claro que sim. Dois exemplos. Primeiro: Barcelona-Inter da segunda-mão da meia-final da Liga dos Campeões de 2010 (1-0). Mourinho, com menos um, defende até à exaustão a vantagem (3-1) trazida de Milão e passa à final. Conclusão: masterclass de Mou. Segundo: Casa Pia joga em 6x3x0 em Alvalade e perde por 0-2. Conclusão: estratégia de João Pereira foi a bandeira do anti-futebol. Dois pesos, duas medidas.

Vejamos o que se passou no Sporting-Casa Pia do passado sábado. Sabendo que os seus jogadores não têm arte nem engenho para jogar mais ou menos de olhos nos olhos com o campeão nacional e líder da Liga, o treinador dos gansos abdica de ter posse de bola e planta a equipa em frente à área de Sequeira. Criou uma linha de seis jogadores para fechar a área, mais três para impedir remates de longa distância e um para incomodar os centrais do Sporting.

João Pereira deixou os pudores de lado e tentou, da única forma que achou possível, incomodar os leões para tentar regressar a casa com um ponto. Sem deslealdade, jogo sujo, apenas posições rigídas e muita concentração. Não é novidade. Há duas semanas, no Ittihad, por exemplo, o Arsenal de Mikel Arteta (embora com menos um por expulsão de Trossard aos 90+8) também não teve ponta de vergonha em defender com oito ou nove atrás da linha da bola. Mas saiu com um ponto no bolso.

A verdade é que, pelo menos até agora, não é fácil jogar em Alvalade. Nas últimas três épocas e meia, excluindo Benfica (2-2) e FC Porto (vitória por 2-1), apenas duas equipas somaram pontos em casa do Sporting: três para o Chaves (2-0 na jornada 4 de 22/23) e um para Arouca (1-1 na ronda 28 de 22/23). São 21 vitórias de seguidas e 50 jogos a marcar para a equipa de Rúben Amorim.

Natural, pois, que os adversários tomem inúmeras cautelas quando entram em Alvalade. Foi o caso do Casa Pia de João Pereira, o mais jovem treinador da Liga (32 anos), que entrou na casa do campeão e líder com a ideia clara de reduzir espaço ao Sporting e amontoar jogadores à frente da sua baliza.

Jogando num rigído 6x3x1, de algum modo adaptado da filosofia do andebol, com seis jogadores protegendo a área. No caso dos gansos, três centrais (Goulart, Kluivert, Zolotic), dois laterais bem recuados (Geraldes e Lelo) e ainda a ajuda de um segundo homem (Larrazabal) no lado direito da defesa. Depois, um trio de médios bem junto dos sexteto (Rafael Brito, Kraev e Svensson) e a meio do seu meio-campo um solitário homem (Cassiano).

O jogo passou a ser feito apenas em 20 ou 30 metros, o que complicava imenso a tarefa do Sporting, cuja principal arma é o ataque do espaço vazio. Na antevisão do jogo, João Pereira explicara a sua ideia: «Em termos de plano de jogo, entrega, compromisso, resiliência e termos de nos transcender para conseguir ganhar a uma equipa que está imbatível. O Sporting tem um estilo de jogo bem vincado, mas o objetivo é nós sermos a primeira equipa a tirar pontos ao Sporting esta temporada. Não há equipas imbatíveis e o Sporting, vitória atrás de vitória, está mais perto de perder pontos. Poderá chegar a oportunidade de conseguir pontos.»

O mapa de calor do Sporting-Casa Pia

No final do jogo, analisou assim a aposta no 6x3x1: «Jogámos contra uma grande equipa, que está invencível em Alvalade desde 12 de fevereiro do ano passado [1-2 com o FC Porto]. O Sporting tem dinâmicas de entrada pela largura, por dentro, por fora, gosta de levar o adversário à profundidade, alterámos algumas nuances, olhando para nós e dizer que não temos a linha defensiva mais rápida do mundo, conseguimos travar algumas dinâmicas. Se puxarmos a cassete atrás, na primeira parte temos as três primeiras oportunidades do jogo. Depois, o primeiro golo sofrido é num detalhe e depois um penálti. Tivemos uma abordagem humilde. Quando jogamos com equipas grandes não podemos abandonar o plano de jogo a perder por um a zero. Estamos cada vez melhores em transição e queríamos aproveitar isso, mas não conseguimos. É certo que tivemos com linhas de seis, mas quisemos tentar pressionar os médios. Também tínhamos de respirar. Estivemos muito amarrados no que foi o passe para a frente. Vínhamos de uma série de quatro jogos sem perder, agora temos de voltar a olhar para trás e trabalhar muito diariamente para alcançarmos consistência.»

A verdade é que nem todos gostaram da filosofia de jogo do Casa Pia, ao abdicar, em 90 por cento do tempo de jogo, de atacar a baliza de Israel, limitando-se a povoar as zonas limítrofes da sua área, fechando todos os caminhos possíveis para a baliza de Sequeira, através de organização e esforço, numa estratégia que muitas pensavam estar já fora de moda em plena terceira década do Século XXI.

Porém, terminados os 90 minutos, o Casa Pia perdeu por 0-2 e levou zero pontos para casa. Seria diferente, se apostasse em algo menos defensivo? Provavelmente, sim, até porque se viu, após o 2-0 de Gyokeres, que o Casa Pia sabe ter bola e saber o que fazer com ela. Mas se se abrisse um pouco mais e tentasse zonas de terreno mais próximas da área de Israel, a probabilidade de sofrer mais de dois golos aumentaria quase exponencialmente. Como na época passada: 0-8 em Alvalade!

Assim, João Pereira preferiu apostar num estranho 6x3x1 para explorar, assim, a ténue possibilidade de pontuar em Alvalade. Não teve êxito, saiu derrotado, embora não goleado, mas sem qualquer ponto. Procurou, no fundo, a única forma que achou correta para roubar pontos ao líder. Feio? Sim. Racional? Ainda mais.

Qual o valor do plantel do Sporting? 443,5 milhões de euros. E o Casa Pia? 20,23. Os leões têm sete jogadores cujo valor de mercado é superior à totalidade da equipa do Casa Pia: Gyokeres, Gonçalo Inácio, Hjulmand, Diomande, Pedro Gonçalves, Francisco Trincão e Debast. Ou seja, quanto mais qualidade tiverem as equipas, mais possibilidade há de proporcionarem bons espetáculos. Assim, meus caros, é uma luta desigual.