O dilema do Chelsea: como gerir plantel de €1155 milhões e que dá para fazer três 'onzes'?

INTERNACIONAL04.09.202409:14

É um caso de estudo ao nível do tamanho do 'balneário': 36 jogadores! Um desafio enorme para Enzo Maresca, num emblema que não conquista um único troféu desde o Mundial de Clubes em 2022 e que vê o título de Inglaterra fugir desde 2016/17

O tamanho do plantel do Chelsea um dos mais curiosos casos de estudo do futebol europeu e, nos últimos anos, em particular em tempos mais recentes, tem merecido centenas de publicações a ironizar com a situação, desde imagens do autocarro da equipa com quatro ou cinco andares, passando pelo aumento exagerado da dimensão do centro de estágios ou pelo espaço necessário nos bancos de suplentes ou na sala de refeições. Dá para tudo.

Contas feitas e à luz dos dados oficiais dos jogadores inscritos para disputar a Premier League 2024/2025, o plantel dos blues de Londres tem um total de 36 jogadores, cujas contratações em diferentes janelas de mercado ascendem a 1155 milhões de euros (!) e nos quais se incluem os três portugueses João Félix, Pedro Neto e Renato Veiga, contratados este verão e pelos quais o emblema de Stamford Bridge pagou 126 milhões de euros – neste ponto, só como curiosidade, o valor que o Atlético Madrid teve de dispender em julho de 2019 para contratar Félix ao Benfica

O que levanta desde logo duas questões. A primeira: com um plantel tão extenso que até permite construir três onzes (sim, três equipas e ainda sobram alguns suplentes…) e tendo desembolsado quase 1,5 mil milhões de euros em reforços só nos últimos três anos, como é possível que o Chelsea precise de continuar a contratar?

E a segunda e talvez mais relevante no que respeita à atualidade: sabendo-se que a maioria dos treinadores gosta de trabalhar com plantéis com 24 a 26 jogadores, fazendo uso, aqui e ali (nos casos de maior necessidade), de jovens da formação, como consegue um técnico, neste caso o italiano Enzo Maresca, gerir um balneário com 36?

Enzo Maresca «com tarefa hercúlea» (foto Imago)

«NÃO FOI, DECERTO, ISTO QUE MARESCA EXIGIU OU SONHOU»

Para nos ajudar, sobretudo, a responder a esta última pergunta, apelámos aos conhecimentos de João Henriques, antigo treinador de Vitória de Guimarães, Santa Clara, Moreirense e Olimpija Ljubljana, da Eslovénia, entre outros. E que, desde logo, nos deixou duas visões para um mesmo desafio…

«Por um lado, Enzo Maresca tem ingredientes mais do que suficientes para construir uma grande equipa, mas, por outro lado, tem pela frente a árdua missão de gerir expectativas de todos os 36 envolvidos neste projeto», disse a A BOLA João Henriques.

Um treino do Chelsea tem sempre muita gente... (Imago)

«Enzo Maresca sabia que teria uma tarefa complicada e ao mesmo tempo aliciante face à exigência do clube, dos fãs e da Premier League. Tudo natural. O que não imaginava, com toda a certeza, era a tarefa hercúlea com que se está a deparar. A gestão dos recursos à sua disposição [36 jogadores] e o investimento astronómico em reforços fazem, por um lado, com que tenha ingredientes para construir grande equipa, mas, por outro, deixam-lhe nas mãos a árdua missão de gerir as expectativas de todos. Não foi, decerto, isto que o treinador exigiu ou que sonhou, até porque já tornou público que olhará só para cerca de 21 jogadores», considera o técnico português de 51 anos.

João Henriques, antigo treinador de V. Guimarães, Santa Clara e Marítimo, entre outros

«E é aqui que tudo começa a complicar-se, porque o que um treinador pretende é equilíbrio no grupo, rendimento e qualidade individual e coletiva, um número razoável de jogadores face às necessidades e, por fim, resultados rumo ao sucesso, tudo isto inserido no projeto desportivo do clube. Mas qual é o projeto? Com certeza haverá resposta, até porque é um dos maiores clubes mundiais. Mas não na perspetiva do treinador, que terá de gerir, em todos os jogos, 25 jogadores que não serão titulares naquela partida», continua João Henriques, sublinhando que «esta é só a ponta do iceberg de várias situações problemáticas que podem surgir com este numeroso plantel»,ainda mais «numa equipa que nem é favorita ao título».

CHELSEA NADA VENCEU DESDE 2022

Maresca, como refere João Henriques, já fez saber que não pretende olhar para mais do que 20 ou 21 jogadores, restando saber como irá gerir os equilíbrios de um balneário já muito marcado por tensões e, em boa parte, também desmoralizado pelos maus resultados do Chelsea nas últimas temporadas: não conquista qualquer troféu desde a gloriosa época de Thomas Tuchel, quando entre maio de 2021 e fevereiro de 2022 venceu Champions, Mundial de Clubes e Supertaça Europeia; a nível nacional, sublinhe-se, o Chelsea nada ganha desde 2017/18, quando, com Antonio Conte no comando, ergueu a Taça de Inglaterra, um ano depois de se ter sagrado campeão inglês.

Nas últimas duas temporadas, os londrinos, apesar do investimento estratosférico, terminaram a Premier League em 6.º (2023/24) e em 12.º lugar (2022/23), ocupando atualmente o 11.º posto, estando longe de serem apontados como um dos favoritos ao título.

Mourinho na segunda passagem pelo Chelsea em 2014 (Imago)

Quo vadis, Chelsea? (ou, em português, para onde vais?) É a grande pergunta que paira nas mentes dos adeptos do clube do oeste de Londres, do bairro ali nas margens do Tamisa e que, no meio de gigantescos plantéis, viram, só nos últimos dois anos, partir estrelas como Lukaku, Kovacic, Kai Havertz, Mount, Pulisic, Jorginho, Rudiger ou Gallagher. Os mesmos adeptos que veem cada vez mais longínquos os tempos de Mourinho e de figuras como Drogba, Fàbregas, Salah, John Terry, Courtois ou Cech…