A BOLA NO EURO 2024 No país do Euro há um português que quer mudar o euro

INTERNACIONAL29.06.202409:00

A BOLA esteve à conversa com Henrique Miguel Pereira, professor e investigador português que vive em Leipzig

LEIPZIG – Se, daqui por uns anos, agarrar numa nota de 5 ou 10 euros, por exemplo, e reparar numa ilustração de um rio ou de uma ave, lembre-se que há um português por trás disso.

Henrique Miguel Pereira recebe a equipa de reportagem de A BOLA no iDiv, o centro alemão para a investigação integrativa em biodiversidade, onde integra a direção e dá aulas de conversação da biodiversidade, precisamente. Vive em Leipzig há quase onze anos, com a família, na sequência de um convite absolutamente inesperado, quando era professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

«A certa altura a Alemanha decidiu que queria investir na investigação nas universidade. O país tem uma boa rede de institutos de investigação, mas fora das universidades, e sentiram que precisavam reforçar isso», começa por contextualizar. «Uma das partes desse programa foi criar centros de investigação que fossem líderes mundiais, e escolheram seis áreas, uma das quais a biodiversidade. Fizeram uma competição, na qual competiram várias universidades, e eu fui convidado para o júri. Estava em Castro Laboreiro, no meu alpendre, e recebi uma chamada de uma senhora da fundação alemã de ciência, que me convidou para o júri e disse que eu depois até me podia candidatar a professor catedrático, que iam contratar oito. Fui para o comité, fiz a avaliação, a escolha recaiu nestas três universidades aqui próximas: Leipzig, Halle e Jena. Eu concorri e tive a sorte de ser escolhido para ser um dos professores catedráticos e começar o centro», acrescenta o professor de 52 anos, que chegou a ser diretor do Parque Nacional Peneda-Gerês.

Quadro alusivo ao Parque Nacional Peneda-Gerês, que Henrique Miguel Pereira dirigiu, no iDiv

Henrique Pereira é agora um dos diretores do iDiv, e dá também aulas, em Leipzig e Halle, mas apenas cinco ou seis semanas por ano. A maior parte do tempo é dedicado ao trabalho de investigação, com uma equipa de três dezenas de elementos, entre alunos de doutoramento, investigadores pós-doutoramento e alguns alunos de mestrado e licenciatura . «Estivemos a olhar para os cenários de futuro da biodiversidade, nos próximos 30 anos. O que vai acontecer, como consequência de eventuais alternativas em termos de desenvolvimento sócio-económico, em comparação com o último século? Usámos 15 modelos, demos os mesmos dados de uso do solo, de alterações climáticas, e vimos o que aconteceu. Chegámos à conclusão que, em termos de alterações do solo, a maior parte dos impactos já aconteceu. O século XX foi muito especial, a população aumentou quatro vezes, e tivemos de alimentar esta população. Para o século XXI há alguns desafios de alteração do solo, mas a população está a começar a estabilizar. Agora as alterações climáticas são o desafio que está a acelerar e a ter um impacto na biodiversidade e nos ecossistemas», explica.

Para além do trabalho de investigação, Henrique Pereira abraçou recentemente um desafio que envolve muito dinheiro, o que começou por deixá-lo desconfiado, e só posteriormente interessado. Na véspera da visita de A BOLA tinha estado em Frankfurt, de resto, para mais uma reunião no Banco Central Europeu.

«Aqui há uns meses recebi um mail a convidar-me para um grupo de peritos que vai desenhar as novas notas do euro. Pensei que era um esquema qualquer, para entrarem na minha conta, mas depois vi melhor e pareceu-me verdadeiro», recorda, entre sorrisos. «Depois percebi que havia um estudo, no qual os cidadãos europeus disseram que não tinham relação com as notas, que não percebiam o que estava lá. Perguntaram também às pessoas o que gostariam que viesse lá, e surgiram dois temas, escolhidos pelo Conselho dos Governadores: cultura e biodiversidade», explica.

O edifício do iDiv, em Leipzig

Os dois grupos de trabalho até trocam ideias, mas Henrique, assumindo uma posição parcial, espera que a escolha recaía no tema Rios e Aves: «Seria uma forma de ter a biodiversidade no bolso das pessoas. Mas as aves e os rios representam os valores da União Europeia muito bem, pois não conhecem fronteiras, e essa mobilidade é que dá a resiliência aos ecossistemas, permite que se adaptem às alterações. O grande valor da União Europeia é a mobilidade dentro das fronteiras», defende.

As duas propostas devem ser apresentadas até ao final deste ano, sendo que o Banco Central Europeu pretende anunciar em 2026 o design das novas notas e a data de entrada em circulação. No país do Euro há um português que quer mudar o euro.

Investigador e futebolista em prol da integração

O português integrado na equipa do Leipzig FC 07

Paralelamente à carreira profissional, de professor e investigador na área da biodiversidade, Henrique Miguel Pereira é também futebolista. Joga nos escalões +35 e +45 anos do Leipzig FC 07, um modesto clube local.

«Eu sempre joguei futebol. Quando era miúdo era do tipo de jogador que nenhuma equipa gosta de ter, muito descoordenado. Ainda hoje tenho muitas limitações no controlo de bola, mas sempre gostei, gostava de correr. Quando fui para os Estados Unidos, fazer o meu doutoramento, tive oportunidade de jogar um pouco mais. Quando jogamos com pessoas mais habilidosas, como acontecia quando era miúdo, raramente temos a bola. Nos Estados Unidos comecei a jogar bastante mais e a melhorar um bocadinho», explica o português de 52 anos, que só teve estatuto de jogador federado quando foi viver para a Alemanha.

No LFC07 - onde também jogou a filha, que entretanto voltou para Portugal -, Henrique encontrou também uma espaço de multiculturalidade. «Tivemos aqui, em 2015, um grande influxo de refugiados que a Alemanha recebeu de braços abertos, nomeadamente da guerra do Afeganistão. Veio mais de um milhão de pessoas no espaço de um ano, e concluiu-se que uma das formas de integração era nos clubes de futebol. Há histórias engraçadas de zonas rurais que já não tinham jogadores suficientes, e são agora os refugiados que dão vida a esses clubes», explica este avançado. «O meu clube também não tinha assim tantos jogadores, e fomos recebendo pessoas da Síria, do Irão, do norte de África, da América do Sul… Funciona um pouco como integração. Houve uma reação da extrema direita, como depois também da extrema esquerda, contra a imigração. O nosso clube está situado numa zona de extrema direita, mas integra estes refugiados. A dinâmica social é muito engraçada: politicamente pensam uma coisa, mas no dia-a-dia jogam com essas pessoas e tornam-se amigos», garante.

Conselho à Seleção: «Posse de bola não é tudo»

Com o filho no Portugal-Chéquia

Como português residente em Leipzig, e ainda por cima futebolista amador, Henrique Pereira não podia deixar de marcar presença no jogo que a Seleção Nacional disputou nesta cidade alemã, o primeiro no Euro 2024, frente à Chéquia. Inicialmente nem tinha bilhetes, mas depois lá arranjou.

«Foi muito emocionante. Fui com o meu filho. Foi a primeira vez que ele foi, e sempre quis ir ver um jogo da Seleção e do Ronaldo. Foi excecional ter essa oportunidade», começa por dizer o investigador.

Henrique até acertou no resultado, mas o filme do jogo não foi bem aquilo que esperava, e os capítulos seguintes deixaram-no consideravelmente intranquilo: «Acertei que íamos ganhar 2-1, mas pensava que chegaríamos ao 2-0 e que íamos sofrer o golo no fim. Acabámos por sofrer primeiro, e alguns dos problemas revelados nesse jogo surgiram frente à Geórgia, numa escala muito maior, que têm a ver com a dificuldade em jogar contra blocos mais baixos. Posse de bola não é tudo», acrescenta, em forma de mensagem para o selecionador, Roberto Martínez.

Em aberto fica a possibilidade de assistir a outro jogo da equipa das quinas, sobretudo se a caminhada prolongar-se tanto quanto desejado.

A viver em Leipzig desde 2013, Henrique Pereira diz que a adaptação «foi relativamente fácil». «É uma cidade muito habitável, tem muitos espaços verdes, e é fácil uma pessoa deslocar-se. Costumo dizer que, aqui, quem tem bicicleta é rei. Eu uso carro, às vezes, mas não é essencial. No dia-a-dia uso bicicleta, e com isso é possível chegar a qualquer lado. Tem esta qualidade», elogia. O investigador português acrescenta ainda que Leipzig «é uma cidade que está a crescer em termos sociais e económicos», depois de um «período negro, da Alemanha comunista». «Após a reunificação também perdeu alguma população, mas agora é a cidade que está a crescer mais depressa, e sente-se essa juventude: os artistas, uma comunidade científica dinâmica… sente-se essa efervescência intelectual», explica.