Neto: «O Sporting é um clube diferente, é especial»
Neto conta que teve no filho Rodrigo um grande parceiro rumo à glória (Maciej Rogowski/IMAGO)
Foto: IMAGO

Neto: «O Sporting é um clube diferente, é especial»

NACIONAL29.05.202420:45

Na hora da despedida, o defesa-central desfia o novelo da sua história em Alvalade

Sem filtros. Voz tolhida pela emoção e os olhos em lágrimas. Foi assim que Luís Neto falou sobre o adeus a Alvalade, em entrevista à Sporting TV, falando sobre os melhores e piores momentos de leão ao peito.

- São cinco anos, cinco taças, mais de 1800 dias de Sporting com o número 13 nas costas. Este tempo foi suficiente para perceber o que é que este clube significa para milhões de pessoas?
- Sim. O Sporting é um clube diferente, é um clube especial, com características muito particulares, é um clube que gosta de obedecer a certos valores, é um clube que gosta de ganhar bem, gosta de ganhar justo, gosta de ganhar em campo, gosta de ganhar sem qualquer tipo de subterfúgios, ou seja, sem qualquer tipo de desculpas, e é um bocadinho, talvez até a  história deste campeonato nosso, acho que o maior garante daquilo que conquistámos foi as palavras dos treinadores com quem jogámos, as palavras dos adversários, as palavras de uma série de gente que disse que o Sporting foi melhor. Acho que as vitórias do Sporting são muito assim. Vamos percebendo que é possível ganhar de maneira diferente. É possível ganhar com os valores do Sporting e acho que é talvez isso que levo mais daqui, não fugir do caminho, a mesma equipa e a mesma estrutura que não ganha e que fica em quarto lugar é possível a mesma ganhar e ficar em primeiro lugar, é possível saber ganhar, é possível fazermos a festa que fizemos no Marquês, sem qualquer tipo de incidência, o respeito cívico. É um bocadinho isto do que significa o Sporting, de geração em geração, toda esta Juventude que respira Sporting. Talvez no início não tivesse a noção desta dimensão do que é que abrange o Sporting, não só a nível desportivo, mas também a nível de sociedade civil e agora no final com as festas que tivemos, com tudo que tive de a nível institucional, tudo que visitei, tudo o que conheci, o museu , é história incrível de um clube tão grande como os maiores da Europa.

- Muitos disseram à sua chegada que seria uma missão impossível, que era algo quase cinematográfico, quase impossível alcançar estes troféus. Mas, mais uma vez, conseguiu superar todos os obstáculos.
- Inicialmente, quando cheguei, pensava: ‘se em três anos conseguir ser uma vez campeão, seria algo histórico, o que significaria para mim, para o clube, ou seja, estávamos há 18 anos sem sermos campeões nacionais, acho que partiu muito daí tudo aquilo que está aqui representado, tem muito a ver com a crença, o penar, estamos aqui para fazer algo diferente e, sinceramente, penso que atingimos com muito mérito. Acredito que num futuro próximo estarão muitas mais taças aqui conquistadas pelo futebol profissional.

- Em maio de 2021 escreveu: ‘Podia terminar a minha carreira hoje que consegui a vitória maior que algum dia poderia ter. Consegui ontem não só o troféu, mas vi com os meus olhos o gigante que o Sporting é. O quão gigante?
-  Este gigante não tem limite chegar, tem um potencial enorme. E é bom ver o Sporting a ganhar porque contradiz e deixa cair muita crença que talvez nós tínhamos acreditado que era verdade, mas foi algo diferenciado, que eu jamais poderei esquecer e foi bom poder repetir esse Marquês, pós pandemia, em que tivemos a proximidade das pessoas, tivemos um vínculo ainda maior.

- Na sua despedida o seu filho Rodrigo desabou em lágrimas. Tudo o que fez no Sporting também é muito para ele crescer e ter orgulho?
- O meu filho não tinha muito contato com o futebol. No primeiro ano em que fomos receios, ainda não tinha esta febre que foi ganhando. Este anos, talvez porque mentalmente já aceitava que poderia ser o meu último ano a nível desportivo no clube, então quis desfrutar ao máximo deste momento e tive um grande companheiro de viagem que foi o meu filho. O Rodrigo tem muito boa memória, gosta muito de estar sempre a ver os highlights dos jogos, gosta muito de ver os resultados, começou  a ter uma fixação até obsessiva com o Sporting e eu chegou ali a um ponto, por volta de março, quando empatámos com o Rio Ave, talvez tenha sido a primeira vez que sentir que ia ser dura até ao final, percebi o estado dele e o seria para ele se o Sporting não fosse campeão. Isso alavancou em nos a ideia de que não dá para falhar! Era também um sonho dele, em espelho comigo, que muitas vezes transportei para todos no balneário, e no final com o festejo do campeonato foi talvez o ano mais intenso que vivi a par do meu filho.

Na fase final do campeonato tive a infelicidade do pneumotórax… que me roubou muito tempo, muito a nível mental, a nível emocional, a nível físico, perdi completamente a forma, emagreci, cheguei a pesar 64 quilos...

- Na época do primeiro título você teve um papel preponderante e neste título passou a ser alguém que tem de dar conselhos.
- Na minha primeira pré-época já tinha estado com o Daniel Bragança, o Quaresma, já tinha um bocadinho dessa relacionamento de estágio. Nós podemos escolher um grupo, mas só ao longo do ano percebemos se funciona e como é que cada um interage com cada um. Como é que cada um reage quando joga, quando não joga, o que cada é que cada um dá para o  objetivo comum. Se fossemos escolher um puzzle no ano 2020/2021 foi quase tipo uma masterpiece grupal, algo assim que não volta, porque foi algo mesmo especial, criado pela nossa estrutura e depois passada para tudo o que era jogador e criou-se ali uma corrente algo até quase comum a todos, em que fomos acreditando logo desde o início. É muito exigente, emocionalmente e fisicamente, tentar lutar para ser campeão. O dia a dia, de três em três dias, mesmo até depois do choque que foi não termos entrado na Liga Europa com o Lask aqui. Depois conseguimos duas vitórias seguidas, com Paços Ferreira e Portimonense, foi uma caminhada incrível, Ainda hoje falo com o Palhinha, com o Tabata, o Giovane e foi algo realmente especial.

- «2002/2021 é uma bonita história para contar aos filhos e netos através de um grupo que encarnou todos os valores pelos quais se rege o clube». Foi esta frase que escreveu a receita para voltar aos títulos?
- Acho que foi. Gostávamos de estar todos juntos, mesmo quando bate o cansaço da época, cada um tomava conta um do outro. Quem joga, quem não joga, não é naturalmente quem joga terá sempre um percurso mais fácil, porque as emoções são diferentes, mas conseguirmos que quem não joga nunca se sinta menos do que quem joga.

- A época passa foi uma das mais complicadas da sua carreira. Um quarto lugar, uma lesão no joelho e um pneumotórax.
- Acredito que seria uma época mais positiva a nível desportivo, acreditava que ia dividir mais jogos com o St. Juste, até estava no meu melhor nível desportivo no Sporting, tínhamos ficado em segundo lugar na época anterior. Jogo com o Portimonense e depois tenho uma lesão mesmo estranha, grave no joelho, mas acabo por, na fase final do campeonato, ter a infelicidade do pneumotórax… que me roubou muito tempo, muito a nível mental, a nível emocional, a nível físico, perdi completamente a forma, emagreci, a cheguei a pesar 64 quilos... Tive que me readaptar a tudo, foi realmente um período de muito desafio. Associado a isso a época desportiva não estava a correr bem, queremos atropelar os timings para poder voltar e ajudar, mas é preciso obedecer a todos os trâmites normais para o regresso. O que mais me custou foi estar longe, acaba por ser um caminho muito solitário. Regressei com o Santa clara e as palmas em Alvalade fizeram-me sentir que algo de bom estava a fazer, mesmo após a ausência. Mas, consegui-me reinventar e este ano consegui ajudar a que fosse um ano vencedor.