«Não acredito que Pedro Proença se candidate, mas não é nem de longe, nem de perto o favorito»
Entrevista A BOLA ao presidente da Associação de Futebol de Lisboa, Nuno Lobo - parte 3
Aos 46 anos, e a terminar o último mandato à frente da AF Lisboa, Nuno Lobo está a preparar o anúncio da candidatura à presidência da FPF, de onde Fernando Gomes vai sair. Num depoimento desassombrado, assume que, como vê em Pedro Proença um homem de honra e palavra, não acredita que seja seu adversário na corrida à Cidade do Futebol, uma vez que se comprometeu com os clubes há menos de um ano…
— Vendo de fora, existe a ideia de que, provavelmente, muito provavelmente, até, terá, de se confrontar com a candidatura de Pedro Proença, presidente da Liga de Clubes e apontado, por muitos observadores como favorito na corrida à presidência da FPF. Acredita que é capaz de contrariar este eventual favoritismo?
— Vítor Serpa, tenho uma visão diferente daquilo que é a essência da sua pergunta, que encerra uma grande questão. Estou convicto, plenamente convicto, de que Pedro Proença não será candidato a presidente da FPF.
Conheço-o, tenho com ele uma boa relação, pessoal e institucional, foi meu árbitro em Lisboa até abraçar este projeto na Liga e tenho de Pedro Proença, genuinamente, a ideia de um homem que cumpre os seus compromissos, de um homem de palavra, de um homem que honra aquilo que diz. Pedro Proença foi eleito Presidente da Liga, para um último mandato, há cerca de um ano, foi eleito para a European Leagues há poucos meses, e não acredito, por aquilo que conheço dele, que renegue os compromissos que assumiu.
— Não acredita que surja um ‘parágrafo’ qualquer que determine a saída de Pedro Proença da presidência da Liga?
— Respondo por mim, eu não o faria. Para mim é sagrado cumprir o que se promete, cumprir o caderno de encargos que estabelecemos com os nossos eleitores. Ao longo destes 12 anos também tive, como é natural, vários convites para exercer outros cargos no futebol, e nunca os aceitei. Porquê? Porque assumi em 2012, em 2016 e em 2020 compromissos com os clubes de que seria presidente da AFL por quatro anos. Sou um homem de compromisso, e acho que, por aquilo que conheço, o Pedro Proença também, e não voltará agora atrás com o que disse há 6 meses aos seus parceiros europeus, e há um ano com aos clubes profissionais.
— E em relação a um eventual favoritismo que o Pedro Proença possa ter, como Vítor Serpa há pouco alvitrou?
— Reforçando o que já disse, creio que Pedro Proença não será candidato. Quanto à questão do favoritismo, não é essa a leitura que eu tenho. Trata-se, como já referiu, de um colégio eleitoral muito restrito, mas a leitura que faço é que neste momento Pedro Proença não é nem de longe nem de perto o favorito no colégio eleitoral da FPF. Porventura, poderá ser favorito na comunicação social, trata-se do Presidente da Liga, tem mais visibilidade…
— E na arbitragem?
— Tenho tido reuniões, não só com os delegados, não só com a própria associação, não é esse o meu prisma perante o setor. Mas quero dizer, com toda sinceridade, que o meu movimento, a minha eventual candidatura provém das Associações Distritais, que têm um peso eleitoral muito significativo.
— Mantêm-se as dez que foram faladas, que lançariam a sua candidatura?
— Não, fiz um desmentido dessa notícia, aquilo que foi posto cá fora, não corresponde minimamente à verdade.
— Estamos a falar da reunião de Coimbra…
— Nessa reunião de Coimbra foram muito mais do que dez as Associações que disseram que se eu fosse candidato me apoiariam. Essa notícia saiu quando eu ainda nem sequer tinha falado no plenário, e todos sabemos como é… Mas obviamente que não tenho medo de desafios, nem de combates, e cá estarei, se o meu opositor for o Pedro Proença ou um conjunto de pessoas que se diz que podem concorrer, para debater e fazer uma campanha pela positiva, como sempre fiz.
«A maior parte do meu apoio vem do Norte»
— Estes 12 anos à frente da AFL dão-lhe bagagem suficiente para encarar, sem medo, a responsabilidade de ser presidente da FPF?
— Sim. Quem é presidente de uma Associação de Futebol do país, independentemente da sua dimensão ou localização geográfica, está preparado para ser Presidente da FPF, aliás a história diz isso mesmo: desde 1914 até hoje, apenas houve um presidente que não proveio do movimento associativo, Fernando Gomes. Todos os outros, ou foram presidentes de Associações, ou foram pessoas indicadas pelas Associações.
— O facto de ser candidato a presidente da FPF, vindo da AFL, não poderá criar-lhe ainda alguns problemas, no sentido de haver uma clivagem, nomeadamente em relação a Associações, ou clubes, do Norte, que vejam em si a macrocefalia de Lisboa a adiantar-se para um cargo tão relevante?
— Posso revelar, porque é pelo menos semi-público, já que resultou da reunião de Coimbra, que a grande maioria do meu apoio associativo vem do Norte do país, ou seja, de Coimbra para cima. No interior Norte, todas as Associações já me deram o apoio público, logo julgo que não existe essa questão de Lisboa e Porto.
— O futebol português está a mudar nesse aspeto?
— Sim, julgo que sim. Eu, ao longo destes 12 anos, tive excelentes relações com a Associação de Futebol do Porto (AFP), tenho em Lourenço Pinto um grande amigo pessoal, e mantenho, com José Neves, o atual presidente da AFP, uma boa relação, ou seja, não vejo qualquer clivagem, ou dificuldade para a minha candidatura. Mas eu nem queria ver a questão por esse prisma, o Continente, a Madeira e os Açores constituem um todo e eu tenho esta abrangência territorial para ser candidato.
— Ao fim de três mandatos, qual é o legado que deixa na AFL?
— Acredito ter feito um trabalho positivo. Há 12 anos, quando cheguei à AFL, tinha-se perdido, por um conjunto de circunstâncias e vicissitudes, a liderança do futebol nacional. A AFL não era ouvida, não era reconhecida pelos seus pares, não era o motor que tinha sido nos anos 80 e 90, na discussão das ideias e dos temas estruturantes do futebol português. A minha intenção, na altura, foi recuperar essa liderança e isso foi conseguido. Hoje somos novamente uma Associação liderante no combate a determinadas questões que surgiram no movimento associativo.
— Houve mudanças, visíveis, do ponto de vista das estruturas…
— A AFL tinha o velho edifício do Chiado, bem perto da antiga Bola, mas não tinha dinheiro. Quando cheguei tinha 90 mil euros no cofre e no mês seguinte havia pagamentos aos árbitros no valor de 120 mil euros. Portanto, foi preciso recuperar financeiramente a Associação. Doze anos volvidos, acho que deixo uma AFL totalmente reestruturada, com cerca de quatro milhões de euros nas contas bancárias, a que acresce uma valorização de património importante, já que mudámos a sede, comprámos outra, e o património hoje está muito mais valorizado. Também fizemos projetos estruturantes: somos a única Associação de Futebol do País que tem uma academia de formação de todos os agentes desportivos, temos uma pequena televisão que possui uma audiência brutal naquilo que são os nossos jogos, os debates dos nossos dirigentes, que não podem passar em canais nacionais, e temos sobretudo uma obra imaterial, que gostava que ficasse, como a memória dos meus mandatos, mais do que a compra da sede, mais do que a academia, mais do que a vila de futebol, ou o centro de treinos da Associação, o centro de estágio que estamos a fazer em Mafra, com um orçamento de 4 milhões de euros, e que temos neste momento praticamente garantido vir a ser um dos centros de acolhimento de uma das seleções que virão ao Mundial de 2030.
— E dinheiro?
— Quero concluir esta obra com dinheiro deixado para todos os projetos; ao contrário de outros, não fiz sedes, não fiz obras faraónicas com empréstimos a 20 ou a 25 anos, deixo, isso sim, um projeto, deixo um terreno, deixo uma obra, mas com dinheiro para todas as fases, a primeira o futebol, a segunda o futsal, depois o futebol de praia, e o alojamento.
— Mas essas são obras materiais…
— Sim, mas aquilo que gostaria que fosse a minha imagem de marca daqui a 10, 15 anos, é a obra imaterial, ou seja, a aproximação que fizemos aos nossos clubes filiados. Hoje, o clube filiado da AFL, independentemente da sua grandeza, da sua dimensão, da sua história, da sua competitividade, de estar na Primeira Liga ou na Terceira Distrital, é tratado por igual, chame-se Cadaval, da Terceira Distrital, ou Benfica ou Sporting que lutam pelo título da Primeira Liga. Isto é humanizar, dar coração, fazer uma aproximação entre os nossos clubes filiados.