CRÓNICAS DE UM MUNDO NOVO Merkel e Trump nos antípodas (artigo de José Manuel Delgado)
O desafio proposto às lideranças pelo novo coronavírus, fez sobressair a visão de uns e colocou a nu a impreparação de outros. Comparem-se Angela Merkel e Donald Trump, uma e outro da mesma geografia política, mais social a alemã, mas liberal o norte-americano, quando confrontados, entre janeiro e fevereiro, com a perspetiva da Covid-19 poder transformar-se numa pandemia capaz de ceifar vidas e arrasar economias, a nível global.
A senhora Merkel foi alertada para o que estava a acontecer, de forma galopante, na China, levou o aviso a sério e durante várias semanas realizaram-se, na Alemanha, meio milhão de testes a cada sete dias, que permitiram uma triagem eficiente, e abriram porta a que os meios disponíveis fossem canalizados para quem deles realmente necessitava mais. Ao mesmo tempo o país municiou-se, em tempo útil, - e não como a maioria das restantes nações, que apenas correram atrás do prejuízo - de material sanitário em quantidade, que equipou as infraestruturas existentes. Resultado destas boas práticas? Apesar da infeção ter chegado (valores de ontem) a 103.375 alemães, o número de mortes por milhão de habitantes é de 22 (quando em Espanha é de 285, em Itália de 273, na Bélgica de 176, em França de 137, na Holanda de 109, no Reino Unido de 79, nos Estados Unidos de 33 e em Portugal de 31). E acresce que a taxa de mortalidade (relação entre infetados e óbitos) dos Estados Unidos é o dobro da verificada na Alemanha. Obra do acaso? Obviamente, não!
Já Donald Trump foi avisado - de acordo com um documento hoje revelado pelo New York Times – pelo assessor mais graduado da Casa Branca para área do Comércio, Peter Navarro, a 29 de janeiro, de que o novo coronavírus podia representar um perigo de triliões de dólares para a economia norte-americana e colocar em risco a saúde e a vida de milhões de cidadãos nos Estados Unidos. «A falta de imunidade e a inexistência de uma vacina», escreveu Navarro, «pode deixar os americanos indefesos, caso a epidemia atinja o nosso país.» Peter Navarro, um dos falcões da administração Trump, que tem mantido uma relação tensa com a China, usou o exemplo de Wuhan para dizer ainda, nesse memorando, que «o risco de vir a confirmar-se o pior cenário não pode ser menosprezado.
Quase um mês depois, a 23 de fevereiro, Peter Navarro produziu um segundo documento em que advertiu para a possibilidade de «a Covid-19 vir a infetar 100 milhões de americanos com um perda de vida de 1.2 milhões de pessoas.» E deixou ainda mais um recado, quanto ao financiamento para o combate à crise: «Não vivemos tempos de discutir tostões ou procurar, no Congresso e no Senado, negócios de ocasião.»
E o que fez Donald Trump? Em mais de 30 intervenções, num período em que já estava na posse dos memorandos de Navarro, desvalorizou a epidemia, como se fosse possível travar o vento com as mãos, arrastou os pés até tomar decisões e quando deixou de lado a ideia de que seria possível retornar à normalidade pela Páscoa, e da Casa Branca passou a ouvir falar-se em «tempos negros», «preparados para o pior» e num «novo Pearl Harbour», já o país estava minado pela epidemia.
Entre a proatividade de Merkel e reatividade de Trump, estabelece-se, de forma cristalina a diferença entre uma Estadista e um Aprendiz.
PS: E depois há Jair Bolsonaro, que o desespero dos brasileiros, depois de anos a fio a serem vítimas de malfeitorias políticas, tornou, por via democrática, Presidente da República, um vulto que faz Donald Trump parecer um intelectual moderado e que representa, atualmente, um perigo para a saúde pública do seu povo. Oxalá tudo acabe bem. Para os brasileiros…