Entrevista A BOLA Malheiro fez o impensável e admite: «Dormi menos que o normal, será inesquecível»
Lateral direito revela a A BOLA o impacto provocado 'hat-trick' marcado frente ao Antalyaspor. Um momento que nunca mais irá esquecer na carreira
— Como foi a última noite? Conseguiu dormir depois de ter feito o seu primeiro 'hat-trick' na carreira, acontecimento invulgar para um lateral?
— Foi uma noite realmente diferente das outras. Dormi menos do que o normal, mas depois dos jogos é sempre mais complicado descansar bem. Mas sem dúvida que foi um momento marcante. No estádio, o ambiente em si, e como eles aqui vivem o futebol, foi uma noite que será inesquecível, vou-me lembrar-me disto para o resto da minha carreira, certamente.
— A bola do jogo já tem local para memória futura?
Está aqui guardadinha, posteriormente irá dentro de uma caixinha para Portugal.
— Como foram os golos?
— O primeiro foi de cabeça num lance em que fiz um movimento diagonal e ataquei a bola. Depois foi tudo uma questão de confiança. A partir do primeiro golo comecei a juntar-me mais ao ataque, a equipa começou a crescer mais. E lembro-me do meu segundo golo. Até tinha sentido uma pequena dor no tornozelo e era para ser substituído. Num lance em que eu vi que o nosso jogador ia em contra-ataque, depois de um canto defensivo nosso, saímos rápido em transição, dei um pique da nossa área até a área deles, até pensei que o Banza ia fazer-se à bola, mas deixou-a para mim. No terceiro golo mantive-me no campo como se fosse um médio e não saí para a minha posição. Mantive-me por dentro até que consegui receber a bola, dei um pequeno toque orientado para a frente e chutei. Terceiro golo, um misto de emoções. Foi especial.
— E qual foi a reação dos adeptos?
— Eles são completamente loucos, como eu costumo dizer. Vivem o futebol com uma intensidade que nunca tinha sentido de perto. Mas vim de outra realidade. Eles são especiais porque apoiam muito a equipa. Em Portugal falta um pouco isso, não digo só dos grandes, mas de todos os adeptos, a diferença é que eles aqui estão a cantar durante 90 minutos, esteja a equipa a ganhar ou a perder, estão sempre a puxar pela equipa. São adeptos especiais, pessoas de bem, perguntam se estás a gostar de estar na cidade. Hoje [ontem] ainda não saí muito à rua, mas acredito que numa ida ao supermercado eles virão logo ter comigo. Um lateral fazer três golos? Foi um momento bonito e que me vou lembrar para o resto da minha carreira. Também foi bom pelo momento que vivíamos, que não era muito bom em termos coletivos e acabou por ser especial para mim, porque na verdade fazer três golos num jogo não é uma coisa fácil, ainda para mais sendo lateral direito. Acabou por ser importante e estou muito feliz por esse feito.
— Agora aumenta a responsabilidade. Habituou mal os adeptos…
— [risos] É normal. Eu próprio tenho objetivos pessoais. Agora é subir a fasquia. Mas acho que consigo lá chegar, consigo fazer golos, tenho os meus objetivos pessoais, ainda temos metade da época, tudo é possível. Sou um lateral muito ofensivo, gosto de atacar. Eu precisava deste clique, de uma equipa que jogasse muito ofensivamente, porque sei que isso é importante para mim. Eu consigo chegar, quero ter mais golos e fazer mais assistências.
— Qual é sua referência na posição?
— Olhando primeiro para o português, que é nosso, é o João Cancelo, que acompanho já há algum tempo, por ser português e por ser um lateral com uma imensa qualidade. Mas também tenho outros laterais que gosto de ver, por exemplo Alexander-Arnold, do Liverpool. Esses dois são os que acompanho mais e que mais gosto de ver. Vejo muitos vídeos deles antes dos jogos, são duas referências para mim.
— Quais foram as suas perspetivas no momento em que se transferiu para o Trabzonspor, um clube que foi campeão na Turquia em 2022, 38 anos depois do último título?
— Quando recebi a proposta sabia que era um clube grande e que lutava sempre por títulos. Já conhecia o clube porque tinham passado por aqui alguns portugueses. Mas não hesitei, era bom para mim. Quanto ao nosso momento, e isto não é desculpa, a equipa é muito jovem comparado ao plantel que tinha na época passada. É uma equipa com muitos jogadores novos, o que exige sempre um período de adaptação. Uns adaptam-se melhor, outros nem tanto, mas acredito que, mantendo a equipa, e depois ir buscando uma ou outra peça, para o ano conseguimos ter um grande plantel e quem sabe se não vamos lutar para ganhar o título. Esta época ainda temos a taça, que é um dos nossos objetivos.
— Levou um fisioterapeuta consigo. Qual foi o objetivo?
— A minha namorada vai e vem, mas está a acabar o curso na Faculdade e por isso não vive comigo. Quem vive comigo é o meu fisioterapeuta. Acho que é um investimento, não sei o que os outros jogadores pensam em relação a isto, mas achei que este era um ano em que possivelmente poderia fazer bastantes jogos, porque aqui é normal, e como tinha as eliminatórias da Liga Europa e Liga Conferência antes do início do campeonato, e depois ia começar a Liga e mais taças… já tinha falado com ele e disse que caso saísse durante o mercado, trazia-o comigo. Acabou por acontecer, é um investimento que eu queria fazer para mim, acho que é importante e está-me a correr bem porque na verdade sinto-me muito bem fisicamente, a recuperar bem, e acho que isso é o mais importante.
— Como é que concilia isso com o trabalho feito no clube?
— Isso também já é um bocadinho o trabalho dele, ele sabe o meu microciclo semanal no clube e depois tem de jogar com os meus treinos, com os dias em que eu tenho jogos, os dias que os meus treinos são mais pesados e jogamos com isso para que no final seja tudo positivo para mim, chegar ao final da época e poder dizer que não tive qualquer lesão. É uma mais-valia. Isto, mais a nutrição, o descanso, é migalha a migalha, que no final vai acabar por fazer a diferença e, quem sabe, chegar a outros clubes de topo no futuro. Isto depende muito do que o jogador gosta no seu trabalho, porque eu posso ter uma rotina que o outro jogador não se sinta bem em tê-la. Por exemplo, gosto de descansar 8, 9 horas, tento fazê-lo sempre, às vezes 10 horas, depois do jogo tento descansar sempre mais um bocado, apesar de sempre ser complicado, mas ao fim ao cabo vai muito em conta com o que o jogador se sente bem a fazer, porque nem todos temos as mesmas rotinas. Eu gosto de descansar, gosto também de trabalhar com o meu PT duas vezes por semana na parte de ginásio. Tendo um fisioterapeuta comigo é diferente porque se estamos a sentir aquela coisinha vais logo tratar. Ele só está focado em mim. Num clube, como são mais de 20 jogadores, nunca é igual.
— Não fazia isso no Boavista, portanto…
— Não, mas a relação com o meu fisioterapeuta começou no Boavista, onde ele trabalhava. Convivíamos muito e disse-lhe que se saísse para fora, ele viria comigo.
— Foi para a Turquia na mesma altura de José Mourinho. Como avalia o impacto dele no campeonato?
— Um treinador como Mourinho cria impacto seja em que liga for, é um treinador que já ganhou muitos títulos, muito conhecido mundialmente, mas aqui na Turquia é especial. De resto, os turcos gostam bastante dos portugueses, falo principalmente aqui Trabzonspor, eles tiveram o Bosingwa, João Pereira e agora como as coisas estão a correr-me bem os adeptos dizem que só querem ter laterais portugueses [risos]. Eles acompanham muito a liga portuguesa, gostam muito dos portugueses. Estou aqui há seis meses, mas estou muito confortável, sei que tenho a minha família longe mas sinto-me como se estivesse em casa e não esperava poder dizer isso em tão pouco tempo.
— Parece de facto enquadrado: 22 jogos, 4 golos, 2 assistências. Quais as grandes diferenças do campeonato turco para o português?
— Portugal tem jogadores com muita qualidade e treinadores muito focados na parte tática. No Boavista, quando vamos à Luz ou ao Dragão jogamos sempre na defensiva e tentar sair sempre em contra-ataque. Aqui, o último classificado vai a casa do Galatasaray para tentar ganhar, as equipas jogam sempre taco a taco. Os meus dados de GPS dizem que aqui tenho mais quilómetros de corrida de alta intensidade, corro bastante mais, é um jogo mais partido também e acaba por estar sempre em transições. Se eles melhorassem um bocadinho taticamente…
— Mourinho está a tentar fazê-lo no Fenerbahçe…
— Mas não é fácil, porque é um bocado cultural. É difícil a jogadores turcos já feitos mudarem esses hábitos. Mas se fossem mais fortes taticamente, a Liga tinha muito potencial. Porque quando entro em campo diria que a nível do número de adeptos equivalemo-nos à Alemanha, aos principais campeonatos da Europa.