Entrevista A BOLA «Kovacevic acabou no grande certo e não vejo a Trubin capacidade para outros campeonatos»
Roberto Rivelino é analista e treinador de guarda-redes. Em entrevista a A BOLA falou um pouco sobre a baliza de Sporting, Benfica, FC Porto e SC Braga, e analisou ainda a grande temporada de Ricardo Velho
- Já falaste um pouco do Diogo Costa, como é que avalias a baliza dos quatro grandes? Kovacevic, por exemplo, já chegou para o Sporting, Trubin teve época irregular, algo que já tinhas detetado quando chegou para o jornal A BOLA, SC Braga tem ainda Matheus…
- Kovacevic parece-me um guarda-redes interessante. Das três balizas, e temos de falar disto porque esteve associado ao Benfica, entra na mais adequada para ele. O sistema tático vai ajudá-lo, porque não ficará exposto a ações de último jogador. A jogar com os pés não mostra grande coordenação motora nem capacidade técnica, mas está consciente das limitações e, como tal, consegue tomar decisões de prevenção. Ou seja, não vai, em princípio, exagerar com os pés. Nas saídas a cruzamentos tem grandes valências tanto na leitura como na capacidade técnica para agarrar a bola, em vez de a desviar e assim oferecer segundas oportunidades, e na defesa da baliza também mostra capacidade física para fazer intervenções em velocidade de reação. Só que já chega formado. Já é o pacote completo aos 26 anos, não se deverá conseguir acrescentar nada, e vem de um contexto em que não teve grande exigência competitiva, ainda que tenha jogado a Liga Europa. Este é um pouco o senão, porque chega para uma equipa que é campeã e quer ser campeã numa liga uns quantos furos acima da polaca. Deteto-lhe, na linguagem corporal, uma certa sobranceria. Pode ser capa de insegurança, mas, ao mesmo tempo, pode ser altivez positiva perante o jogo, estado mental de alguém confiante, e isso pode ser positivo.
- É o casamento perfeito. Enquadra-se na minha ideia de que o guarda-redes deve ser pensado para render no plano desportivo e não no financeiro. Matheus já podia ter rendido financeiramente, mas ao recusar-se a venda, como aconteceu no ano passado, sabe-se que é alguém que rende desportivamente. Nesta temporada, teve uma primeira metade muito boa, provavelmente a melhor no plano individual, e é um guarda-redes que cumpre as expetativas do SC Braga e que poderia jogar num Sporting, por exemplo. Está muito por dentro do que é a cultura que o SC Braga foi criando nos últimos anos, tanto que pouco ou nada altera na sua forma de abordagem ao jogo, ainda que esta seja arriscada quando a equipa não tem a posse e esteja exposto aos erros. Contudo, já tem uma maturidade e uma leitura de jogo, no contexto do campeonato português, muito assertivas. É aquele que, a seguir ao Diogo Costa, melhor encaixa na equipa e no clube e no que o clube e a equipa pretendem.
- Sim, foi uma temporada bastante irregular do Trubin. Teve inúmeros erros com golos sofridos e, ainda que tenha antecipado isso, não esperava que fosse nesta quantidade. É um guarda-redes que poderá melhorar, nomeadamente ser mais esclarecido, não tentar provar algo que não é, e o Benfica poderá aguentá-lo durante cinco ou seis anos. Não o vejo com capacidade para jogar noutros campeonatos, mas é um guarda-redes que, no mesmo plano do Matheus, poderá ser benéfico manter no clube. Agora, teremos de ver o que conseguem construir à sua volta, nomeadamente alguém para dar competição ou, eventualmente, para no próximo ano ser mesmo titular.
- E o FC Porto…
- O FC Porto e Diogo Costa também me parece o casamento perfeito, ainda que não tenha tido nesta temporada e na anterior a exuberância de outros anos, e esteja mais comedido e assertivo. É de nível superior à Primeira Liga, mas olhando para o panorama internacional não sei onde poderia encaixar-se… Mas, sim, o FC Porto não precisa de procurar guarda-redes para ser opção ao titular.
- Duas perguntas numa: vês alguém na formação em Portugal sobre quem tenhas grandes expetativas relativamente ao futuro? E, depois, nomes como Ricardo Velho… Achas que a liga portuguesa ainda pode catapultar estes nomes que não fazem parte dos quatro grandes para outro patamar?
- Já respondi a questões como a primeira e, passado algum tempo, arrependi-me. Não é por não ser fácil, é mais por poder ser injusto. Nesta altura, podíamos estar a falar do Diogo Ferreira, mas, se calhar, Portugal tem algum guarda-redes que neste momento não é o melhor, porém tem mais potencial do que o próprio Diogo, que esteve bastante bem com os sub-17. É uma pergunta à qual eu vou fugir. Quanto ao exemplo que deste do Ricardo Velho…
- Foi um nome que se destacou… Não sei se concordas ou não de que tenha sido a maior revelação, mas a verdade é que se tornou bastante mediático, pelos prémios que ganhou e pelos comentários às suas exibições…
- Não vou pelos prémios, porque um é atribuído pela estação televisiva e o outro por votação de treinador e jogadores, mas sim pelas performances e aí foi arrebatador. Teve, claro, um ou outro jogo com erros, normais porque derivam do seu jogo e por estar pela primeira vez numa Primeira Liga, não esquecendo que no ano passado foi a primeira vez que teve competição a sério como sénior e na Segunda Liga. Distinguiu-se dos demais por larga distância. A seguir, podemos colocar o João Gonçalves, do Boavista, mas uns quantos patamares abaixo e também com vários jogos com erros… Mas é isto. Ao guarda-redes tem de se permitir errar para se poder também colher frutos e o Farense foi exemplar nesse equilíbrio. Voltamos aqui a falar do ecossistema e do alimentar o restante, porque o Ricardo Velho poderia ter sido aproveitado pelo SC Braga e não foi, e teve de ir buscar a vida. A verdade é que rendeu uma temporada fabulosa ao Farense e tornou o futebol português e as balizas nacionais sustentáveis. O Ricardo tem agora de aproveitar o momento, porque o futebol é o momento. Nunca se sabe o que vai suceder no próximo ano. E, provavelmente, partir para outros rumos e continuar o seu percurso. É um guarda-redes com capacidades. Sinto que está com ímpeto e a quebra do mesmo pode ser fatal para ele. Nesta temporada, não demonstrou técnica ou taticamente melhorias em relação ao que foi antes, mas o que ele era antes já era isto e isso é positivo.