Klopp vs Guardiola: A maior rivalidade entre treinadores da última década
O Man-City-Liverpool deste sábado marca o reencontro entre dois treinadores que definiram o futebol da atualidade, com filosofias distintas: um é o entusiasmante do passe, o outro um preconizador do futebol 'heavy-metal'. Os encontros entre si marcam sempre um choque de ideias que apaixona qualquer adepto do desporto-rei
O duelo entre Manchester City e Liverpool tornou-se na principal rivalidade do futebol inglês nos últimos anos. Os citizens ganharam 5 das últimas 6 edições da Premier League, e os reds foram os únicos que interromperam esse domínio, para além de terem ficado a um ponto de distância em duas edições.
Como tal, o jogo deste sábado pode ser decisivo para as contas finais do campeonato, ainda que só estejamos na 13.ª jornada. As duas equipas estão separadas por apenas um ponto (claro está) no topo da tabela e, para esta rivalidade, muito contribuem os treinadores das duas equipas, Pep Guardiola e Jurgen Klopp.
Guardiola é a grandeza quase que predestinada, dada a sua carreira como jogador, o seu óbvio brilhantismo tático, mas também por ter tido sempre à disposição as melhores condições de trabalho nos principais clubes do mundo. Klopp é o sucesso forçado, sempre a contrariar os favoritismo dos adversários e com princípios muito mais humildes.
Origens díspares
Pep Guardiola teve uma carreira de jogador bem-sucedida, e nas primeiras 6 temporadas no Barcelona bebeu da sabedoria de Johan Cruyff, que lhe deu a base das ideias para o futuro do catalão no banco. Enquanto jogador, Guardiola era médio (sem surpresas, a posição associada ao jogador mais cerebral de uma equipa) e teve muito sucesso ao mais alto nível.
Jurgen Klopp teve uma carreira de futebolista menos glamorosa, como o próprio admitiu ao DW: «Eu não era um futebolista muito bom. Ficava por lá [no Mainz] como um mau cheiro, mas jogava quase sempre, as pessoas viam-me jogar, quer quisessem ou não». Esta franca avaliação reflete-se nos troféus que ganhou enquanto jogador – zero – e na carreira que teve, passando mais de 10 anos preso na Bundesliga 2, com o Mainz.
Ambos os treinadores deram-se a conhecer, como tal, nos clubes em que mais tempo estiveram enquanto jogadores, mas em condições completamente distintas.
O primeiro jogo de Guardiola ao comando do Barcelona foi em 2008, numa eliminatória de acesso à Liga dos Campeões. Vitória no Camp Nou, frente ao Wisla Krakow, por 4-0, com golos de Samuel Eto’o (dois), Xavi e Thierry Henry. No final da época, o Barcelona ganhou tudo o que havia para ganhar e Guardiola era a nova estrela dos treinadores europeus.
Já Klopp tornou-se treinador do Mainz quase do dia para a noite, a meio da época 2000/01, quando o clube estava em risco de descer para a 3.ª divisão. Começou a época como jogador e terminou-a como treinador, salvando a equipa da despromoção. Logo na época seguinte falhou a subida à Bundesliga, onde o clube nunca estivera, por apenas um ponto. Seguiu-se outra época em que a equipa até ficou com os mesmos pontos da última formação a subir de divisão, perdendo apenas na diferença de golos, até que finalmente, em 2004, a inédita promoção foi alcançada.
As primeiras épocas de Guardiola como treinador não podiam ser mais diferentes – em quatro anos no Barcelona criou aquela que, para muitos, foi a melhor equipa de sempre, ganhando 14 de 19 possíveis troféus, incluindo 3 Ligas em Espanha e 2 Champions. Saiu do clube em 2012, laureado como o melhor técnico da história dos blaugrana.
No Mainz, Klopp também superou expectativas, chegando a jogar a Liga Europa, antes de voltar a descer de divisão. A sua última época no clube – 2007/08 – foi na Bundesliga 2, e quando saiu, também ele foi considerado como o melhor treinador da história do clube. Seguiu-se o Borussia Dortmund, um clube que ganhara a Liga dos Campeões em 1997, mas que em 2008 tinha bem viva a memória de uma falência financeira a que escapara por pouco.
O clube acumulara dívidas superiores a 200 milhões de euros – chegou inclusive a pedir 2 milhões de euros emprestados ao Bayern de Munique para pagar os salários da equipa – e, quando Klopp chegou, era uma equipa sem espaço para investimentos e baseada na formação do clube.
Mesmo nestas condições, Klopp guiou o Dortmund à glória, conquistando a Bundesliga em 2011 e em 2012 e levando a equipa à final da Liga dos Campeões em 2013 – perdida para um Bayern de Munique que reconquistara nesse ano o trono da Bundesliga, que nunca mais largou (já são 11 títulos consecutivos), e que se preparava para ser o palco do regresso de Guardiola aos bancos, após um ano sabático.
‘Heavy-metal’ contra titi-taka
Guardiola está mais associado ao tiki-taka do que qualquer outro treinador – uma filosofia centrada na circulação paciente da bola que requer que os jogadores estejam sempre em movimento, à procura de espaço e a gerar linhas de passe. Até os guarda-redes das equipas passaram a jogar desta maneira, seguindo algo que Cruyff defendia: «O guarda-redes é o primeiro avançado de uma equipa.»
Este estilo de jogo obcecado com o controlo contrasta com o estilo quase anárquico do futebol heavy-metal de Klopp – tal como o estilo musical, faz muito barulho, mas é igualmente bem ponderado, pensado e posto em prática
Klopp foi o maior preconizador do gegenpressing, exigindo à sua equipa que tivesse uma reação rapidíssima à perda de bola, pressionando de imediato o adversário. «Não há nenhum jogador criativo que seja mais eficaz do que uma boa contrapressão», explicou Klopp. O objetivo era reconquistar a posse de bola o mais perto possível da baliza adversária, estando assim mais próximo do golo.
Os dois treinadores não deixaram, no entanto, de partilhar ideias.
O Man. City de Guardiola procura sempre pressionar o adversário quando está a defender, até porque as equipas de Guardiola estão sempre mais confortáveis com bola do que sem ela.
Por outro lado, Guardiola popularizou o uso da posição de falso 9 – sobretudo com Messi –, um avançado que não era um ponta-de-lança, mas sim rápido e inteligente no seu movimento, de modo a arrastar defesas consigo e assim criar espaços na defesa adversária. Ora esta tática foi utilizada com muito sucesso por… Jurgen Klopp, no Liverpool, rentabilizando as características de Roberto Firmino.
Guardiola teve uma influência enorme em inúmeros treinadores do futebol europeu (e não só), mas Klopp provou que não era preciso seguir à risca os princípios do tiki-taka para se ter sucesso, como também comprovam os duelos entre si.
O histórico de confrontos
Guardiola perdeu o seu primeiro jogo no Bayern de Munique, a Supertaça alemã, frente ao Borussia Dortmund de Klopp (por 4-2). No final da época, com o título já assegurado, voltou a perder com o Borussia, desta vez em casa, por 0-3. Em ambos os jogos, o Bayern teve mais posse de bola, mas o Borussia foi extremamente eficaz nos contra-ataques. Nessa primeira época, o espanhol ganha tudo na Alemanha, tem apenas 3 derrotas, 2 delas frente a Klopp.
Na mesma temporada, Guardiola venceu o alemão, também por 0-3. O interessante é que neste jogo, o espanhol quis que o Bayern se focasse no processo defensivo e atacasse com precaução, silenciando o ataque vertiginoso do adversário. Na 2.ª parte, voltou aos seus princípios de construção pelo centro do terreno, antes de jogar rápido na frente.
Nas duas derrotas, Guardiola assumiu o risco, atacou e perdeu de forma clara. No jogo em que ganhou, revelou um pragmatismo quase ao estilo de José Mourinho, focando-se em neutralizar o adversário antes de dar o golpe final. Klopp é o único treinador que faz com que Guardiola tenha de abandonar os seus princípios e focar-se, antes de tudo, no adversário.
Olhando para além dos confrontos entre si, Guardiola sempre dispôs de orçamentos mais avultados para as suas equipas. Segundo o Transfermarkt, em 2023, o catalão tornou-se no primeiro treinador da história a ultrapassar os 2 mil milhões de euros em transferências de jogadores (só no último verão foram 241 milhões). Klopp, ao longo da sua carreira, que até é 6 anos mais longa, gastou quase metade – 1,1 mil milhões de euros.
Como tal, em termos de troféus conquistados, Guardiola tem claramente a vantagem, ganhando sobretudo 11 títulos nacionais e 3 Ligas dos Campeões. Por seu lado, Klopp ganhou 3 títulos nacionais e uma Liga dos Campeões, apesar de já ter estado em 4 finais, mais até do que Guardiola.
No entanto, num confronto direto extremamente equilibrado, Klopp tem uma ligeira vantagem em relação ao espanhol.
Já houve 28 jogos entre os dois treinadores, Klopp tem 12 vitórias e Guardiola 11, tendo havido ainda 5 empates.
Este sábado, frente-a-frente a reinvenção de cada um
Dois treinadores não se mantêm no topo sem evolução, e as equipas de Guardiola e Klopp refletem isso, desde o sistema de 3x2x4x1 do City à colocação de Alexander-Arnold no meio-campo dos reds. Por alguma razão é que estes são os dois treinadores que estão há mais tempo na Premier League.
Há mais de uma década que protagonizam uma rivalidade amigável, marcada pelo respeito e pela exigência de que o outro esteja sempre ao seu melhor nível.
Este sábado, às 12.30 horas, Liverpool e Man. City vão protagonizar um confronto que terá a atenção do mundo do futebol, não só pelos jogadores que incluirá, mas sobretudo pela genialidade dos dois treinadores que os comandam.