Treinador do Racing Power antecipa a final da Taça de Portugal frente ao Benfica com um sorriso no rosto
—Depois do jogo para a Liga (derrota por 1-2), há agora novo duelo para a final da Taça de Portugal. O que significa para si e para as jogadoras este momento?
— É uma final que todos querem lá estar e poucos conseguem. É sentir que este clube em apenas 4 anos consegue atingir uma final da Taça de Portugal, que não é nada fácil. É a satisfação por ver o meu grupo de trabalho, as minhas jogadoras atingirem algo, que para elas é importantíssimo. Como treinador, sinto-me orgulhoso por chegar à minha terceira final. Em relação a este jogo, vamos aproveitar ao máximo, para a valorização das nossas jogadoras. Não temos pressão nenhuma, nós e o clube temos de desfrutar do momento, sem nenhuma responsabilidade. Vamos tentar ganhar a Taça, mas o nosso está feito. Elas merecem, trabalharam muito para este objetivo e o que lhes peço é aproveitarem, pois algumas delas poderão não ter nova oportunidade e é ser feliz nesse jogo.
— O facto de o Racing Power jogar no Estádio Nacional, ao longo da época, poderá ser uma vantagem?
— Não, porque vamos jogar com a melhor equipa do futebol feminino em Portugal, que é o Benfica. Uma equipa com outra dimensão, habituada a disputar finais. Contudo, jogamos em casa, é um ambiente, que as jogadoras sentem ao longo do campeonato. Vamos tentar fazer o melhor.
— Por mais do que uma vez, tem repetido que este projeto tem carências…
— Sim, não ter um espaço próprio, não poder treinar de manhã e tarde, porque temos dificuldades. Andamos muitas horas de um lado para o outro e o departamento médico de igual forma. Não temos um ginásio ao dispor. No fundo, queria mais ferramentas para sermos mais profissionais. Quando aparece uma adversidade, o grupo revela um espírito de união, de família e não vemos isso com maus olhos. Sei que o clube tenta que as jogadoras tenham tudo, mas faz parte de um proceso, que tem ido rápido demais.
— Sente que o 3.º lugar na Liga BPI mais a final da Taça de Portugal são passos demasiados rápidos para um clube que soma apenas 4 anos de existência?
— Para ser sincero, sim! São passos que o clube tem feito para isso, mas que ainda está longe da perfeição e dos emblemas que já andam nesta divisão há mais tempo. Contudo, o trabalho efetuado pela equipa técnica e da direção fez com que as jogadoras se superassem semana após semana. Tivemos uma época muito bem conseguida. No inicio, sabia que este projeto ia crescer, mas não desta forma tão repentina.
— O seu papel neste projeto não se resume apenas à função de treinador…
— Não é fácil, mas melhorámos muito as condições em relação ao ano passado [então na 2.ª divisão]. Esta temporada, sempre treinámos e jogámos em relva. Isso foi dos maiores passos que o clube deu, também porque exigi isso. Com muito esforço, a Direção permitiu , porque é uma valorização para a jogadora. Quem está atento, sabe que este projeto está a crescer. As jogadoras são ambiciosas, gostam de desafios. Fácil não é, mas dentro das nossas possibilidades tentamos cativar.
Fundado em 2020, clube da Margem Sul chegou à Liga BPI em três anos; Diretora desportiva, Mariana Duarte, recorda trajeto; Ambição não tem limites e o título é o objetivo- para já, há a final da Taça de Portugal, no domingo, frente ao Benfica
— A direção sonha com o título nacional a curto/médio prazo. É um sonho possível?
— A direção tem uma visão e eu como treinador tenho outra. Sei que a Direção é composta por pessoas sonhadoras, mas eu tenho os pés bem assentes no chão. Sei a dificuldade que é ser campeão na Liga BPI e isso requer outras condições, com um plantel constituído de outra forma. Ser campeão é uma realidade que, neste momento, ainda está algo longe, pois temos de crescer muito para ambicionar esse patamar. Temos um Benfica, SC Braga e Sporting com estruturas completamente diferentes. Não é impossível, mas o Racing Power tem de trabalhar em outros contextos, não para sermos tão fortes como essas equipas, pois nunca vamos estar, mas sim para nos aproximarmos, de forma a almejar esse objetivo.
— Já ganhou uma final frente ao Benfica, então ao serviço do SC Braga para a Taça da Liga. É um adversário especial para si, dado que foi dos primeiros treinadores deste projeto tão bem sucedido nos últimos anos?
— Sim, porque a época 2018/2019 foi um ano muito bem conseguido de todos, muito feliz. Todos os clubes por onde passei dizem-me muito.
— Após ter sido campeão nessa temporada, foi dispensado no final da mesma, com o Benfica a anunciar uma mudança de ciclo. Concordou com essa decisão?
— Não tenho que concordar ou discordar. A vida de treinador é complicada. Sei o que fiz pelo clube. Agora, se me perguntar se achei correto? Não, porque a construção daquele plantel foi inteiramente minha, pediram-me para atingir um objetivo e eu cumpri todos os requisitos desse propósito. Mas é futebol. Talvez a minha forma de ser direto não agrada a toda a gente. Tenho a consciência tranquila. Merecia ser tratado de outra forma, mas é a vida, não guardo rancores de ninguém e eu cresço na adversidade. Não saí do Benfica por vontade própria. Foi uma opção da pessoa que liderava o projeto. Tive de respeitar essa decisão. Guardo o privilégio de treinar essa enorme instituição.
— Nesse plantel, estava a Kika Nazareth. Alguma vez pensou que ia atingir o nível em que está?
— A Kika é diferenciada a todos os níveis, um génio. Tem um dom que nasceu com ela. No entanto, acho que ela consegue chegar a outro patamar. Para mim, se trabalhar e dedicar-se ainda mais, porque sempre podemos fazer mais, ela pode ser, a curto prazo, uma das melhores cinco melhores jogadoras do mundo, inclusive a melhor do Mundo. Depende dela, da estrutura em que está inserida e de tudo o que a rodeia.
— Analisando o seu plantel no Racing Power, existe alguém com potencial para chegar ao nivel da Seleção Nacional?
— A maior parte das minhas jogadoras tiveram um proceso evolutivo desde o início da época. Foi uma equipa construída com o orçamento disponível, com o objetivo de potenciar. Para a nossa Seleção, temos algumas jogadoras, mas não muitas, até porque o nível de Portugal, neste momento, é muito forte. Não gosto de individualizar nomes, porque pode ser incorreto.
— Em que aspeto o futebol feminino pode melhorar ainda em Portugal?
— Atualmente, vejo o futebol feminino de uma forma diferente de quando comecei. A aposta que a Federação Portuguesa de Futebol e os clubes fizeram traduz-se num maior profissionalismo. Vemos a qualidade da Liga BPI, todos os jogos são difíceis. Quem pensar que vai para um jogo e que a vitória é dado garantido, vai ter um dissabor. Há uma maior competitividade e uma maior qualidade nas jogadoras. A curto prazo, vejo o futebol feminino português a conseguir coisas muito bonitas. A nossa Seleção será candidata a títulos internacionais e as camadas jovens estão com muita qualidade. Na próxima época, vai acabar de vez os jogos em relva sintética, o que é um grande passo para o melhoramento da jogadora.
— Com a eleição de André Villas-Boas como presidente do FC Porto, a entrada deste clube no panorama desportivo do futebol feminino é uma boa notícia...
— Com toda a certeza. Trata-se de um dos maiores clubes portugueses, de uma região, na qual consegue cativar muita qualidade. Deviam vir mais clubes com essa dimensão para o futebol femenino. A entrada do FC Porto irá trazer um maior alento, vai existir aqueles egos que há no futebol masculino e a competitividade vai crescer.
— A sua continuidade no comando técnico do Racing Power é um dado certo para a próxima temporada?
— Nós treinadores, tudo é possível. Estou focado no fim da época. Estou pronto para falar com a Direção e temos falado. Eu gosto de estar onde estou feliz. Há coisas que temos de falar, de crescer, de garantias que têm de ser dadas porque foi um ano muito difícil. Sou ambicioso, não tenho medo de desafios e se o clube proporcionar melhores condições às jogadoras, que as permita crescer para se aproximarem dos jogadores masculinos, estou pronto para ajudar. O futuro a Deus pertence.