Ibrox, o estádio que viveu duas tragédias
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RANGERS-BENFICA Ibrox, o estádio que viveu duas tragédias

INTERNACIONAL14.03.202409:00

Recinto que recebe o Benfica tem 124 anos; Quase uma centena de mortes na história do Ibrox; Memorial lembra vítimas

O Estádio Ibrox, que esta quinta-feira recebe o Benfica, já foi palco de inúmeros momentos de glória do Rangers, mas também carrega o peso de dois episódios trágicos, que provocaram a morte de dezenas de adeptos, e que mancham uma história de 124 anos.

A mudança para o subúrbio de Glasgow que dá nome ao recinto ocorreu em 1887, mas pouco tempo depois foi decidida uma realocação de aproximadamente 100 metros para leste, até que em 1899 foi inaugurado o palco na localização atual.

Pouco mais de dois anos depois, Ibrox conquistou o direito a receber um Escócia-Inglaterra, para o campeonato britânico, e a 5 de abril de 1902 bateu o recorde de assistência, com a presença de 68 mil adeptos. O jogo mal tinha começado quando parte da estrutura de madeira da recém-construída bancada oeste colapsou, abrindo um buraco no qual caíram centenas de adeptos. 500 ficaram feridos, 26 acabaram mesmo por falecer.

Imagem da tragédia de 1902 (IMAGO)

«Consta que a Escócia estava a atacar para esse lado e os adeptos inclinaram-se para ver um jogador que subia pela linha, mas não estou certo que essa tenha sido a razão para a tragédia», diz David Mason, historiador oficial do Rangers, em conversa com A BOLA.

O jogo foi interrompido, mas seria retomado após uma curta pausa. Houve receio de lançar (ainda mais) o pânico, até porque muitas pessoas não tiveram noção real do sucedido. «Os jogadores pensavam que era uma situação de esmagamento, mas sem casos graves. Viam pessoas retiradas para o pavilhão, mas julgavam que era por desmaio, e não por algo grave. A verdade é que estava uma tragédia a desenrolar-se e muitas pessoas só perceberam no final do encontro», acrescenta Mason.

O historiador explica que, entre acusações ao projeto do arquiteto e críticas ao material utilizado, «ninguém foi responsabilizado», mas a tragédia mudou a forma de construir estádios no Reino Unido, desde logo no que diz respeito à utilização de estruturas de madeira.

O desastre de 1902 abanou os alicerces de um clube jovem, que prestou auxílio financeiro às vítimas ou às respetivas famílias, e teve ainda investir na renovação do estádio: «Tiveram de vender alguns dos melhores jogadores da altura, e isso atrasou o clube alguns anos.»

Escadaria letal

Na sequência do incidente o Estádio Ibrox teve capacidade reduzida para 25 mil adeptos, mas em 1910 já recebia 60 mil, e em 1939 bateu um recorde que resiste até hoje: 118.567 espectadores num duelo com o vizinho Celtic.

Nos anos 60 do século XX a capacidade do recinto voltou a baixar, por razões de segurança, para 80 mil lugares, mas uma nova tragédia estava anunciada, do lado oposto. Nessa década registaram-se ainda dois incêndios no recinto, mas o perigo maior estava na escadaria 13 da bancada leste, que já tinha originado duas mortes em 1961. Uma década mais tarde, a 2 de janeiro de 1971, dia de Old Firm, dérbi entre Rangers e Celtic, morreram 66 pessoas no Ibrox, e mais de 200 ficaram feridas, entre as 80 mil que assistiam ao encontro.

«O jogo teve pouco interesse, mas o Celtic marcou nos últimos minutos e o Rangers empatou de seguida. Para sair da tribuna era preciso descer uma escadaria consideravelmente íngreme. Eu próprio estava sempre a descer essa escadaria, e havia esse risco de esmagamento. Era preciso tentar ficar na vertical e assegurar que existia espaço para a pessoa à frente. O que se passou ali foi que alguém, ao descer, acabou por cair. Não sabemos a razão, mas caiu e criou um efeito bola de neve. As pessoas começaram a cair por cima uma das outras e foi uma pressão massiva», recorda o historiador do Rangers.

Tal como na primeira tragédia, muitas pessoas nem perceberam o que se passara. Algumas foram confrontadas com a realidade já no pub, quando deram pelos alertas emitidos pelos noticiários televisivos.

Os clubes colocaram a rivalidade de parte para prestar homenagem às vítimas de um desastre que mudou a forma de olhar para a segurança nos estádios britânicos. Os dirigentes do Rangers «decidiram que iam ter o estádio mais seguro que podia existir, para que as pessoas pudessem ir sem medo». «Por essa altura a Alemanha estava a preparar o Mundial de 1974 e as mudanças de Ibrox foram inspiradas no recinto do Borussia Dortmund», explica o historiador David Mason.

Um dos cantos do Ibrox lembra os nomes dos adeptos que perderam a vida no estádio, num memorial que contempla também uma estátua de John Greig, então capitão do Rangers, e uma das maiores figuras da história do clube, que serviu como jogador, treinador e diretor.

Memorial de homenagem às vítimas de 1971

Desta vez alguém fica a sorrir

Esta será a segunda vez que o Benfica defronta o Rangers no Estádio Ibrox, depois do empate a dois golos na fase de grupos da Liga Europa 2020/21. A equipa portuguesa teve dois golos de desvantagem, mas James Tavernier, que ainda é o capitão dos escoceses, marcou na própria baliza, e Pizzi estabeleceu depois o resultado final.
Antes, na Luz, registou-se também uma igualdade, mas a três golos (Rafa marcou). Tendo em conta que a presente eliminatória também teve empate em Lisboa, a dois golos, o saldo de jogos oficiais está empatado.
O quarto duelo até pode repetir o desfecho, mesmo com prolongamento, mas no fim alguém ficará a sorrir com a passagem aos quartos de final da Liga Europa, nem que seja no desempate por penáltis.

O amigo escocês de Eusébio

Entrevistado por A BOLA a propósito da visita do Benfica a Glasgow, o historiador do Rangers enaltece a tradição de ambos os emblemas, mas faz questão de partilhar também uma história que publica no programa oficial do encontro desta quinta-feira.

«O grande Eusébio desenvolveu uma boa relação com Willie Henderson, jogador do Rangers, depois de terem estado juntos numa equipa do Resto da Europa que defrontou uma seleção da Escandinávia em 1964, por ocasião do 75.º aniversário da federação dinamarquesa», explica David Mason, referindo-se a um encontro que contou também com outro jogador do Benfica e da seleção nacional, José Augusto.

«Eusébio e Henderson reencontraram-se em 1965, quando houve um jogo entre Benfica e Rangers [particular disputado em Glasgow, com vitória escocesa por 3-1]. Mais tarde creio que a Escócia defrontou Portugal e Willie ficou com a camisola do Eusébio», acrescenta o historiador, sobre o duelo internacional disputado em abril de 1971, no Estádio da Luz.

Willie Henderson e as lembranças de Eusébio (Foto: Rangers)